terça-feira, 16 de maio de 2023

Resenha do Almanaque: Muitas peles, Luiz Bras

Muitas peles, Luiz Bras. 128 páginas. São Paulo: Terracota, 2011

A produção de não-ficção no ambiente editorial fantástico brasileiro não é grande, mas tem se mantido estável, com dois ou três publicações por ano. Contudo, geralmente são textos oriundos de trabalhos de graduação acadêmica, com toda a parafernália que caracteriza os ensaios de pesquisa científica universitária: muitas citações, notações de referência e notas de pé de página, o que torna a leitura fragmentada e cansativa, sem esquecer que são textos voltados a provar uma tese, ou seja, são construídos em torno de um objetivo específico e o perseguem até que seja atingido; afinal, se isso não acontecesse, o trabalho seria rejeitado pela banca e seu autor teria de refazê-lo até obter esse resultado. São, portanto, leituras pragmáticas, de interesse específico, que depois de defendidas, aprovadas e publicadas, ficam nas estantes esperando que futuros pesquisadores acadêmicos as tomem para buscar referências e citações para seus próprios trabalhos.
Mas, algumas vezes, surgem títulos que não foram produzidos para o ambiente acadêmico e tornam-se trabalhos de leitura mais fluida para o leitor leigo, como por exemplo O que é ficção científica (Brasiliense, 1986) e Um rasgão no real (Marca de Fantasia, 2005), ambos de autoria de Braulio Tavares.
E também é o caso de Muitas peles, primeiro livro de não-ficção de Luiz Bras, publicado pela Editora Terracota com recursos do ProAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo), distribuído gratuitamente pelo autor. Trata-se de uma coletânea que reúne os melhores artigos de Luiz Bras, publicados na coluna “Ruído branco” do jornal literário Rascunho, de Curitiba.
Luiz Bras notabilizou-se por uma atitude de militância no gênero da ficção científica, atuando como escritor e ensaísta, com propostas de impacto e provocações que transcendem o fandom e ecoam no mainstream literário como nunca antes foi conseguido pelos escritores do gênero. Isso porque Luiz Bras é a persona do multipremiado escritor mainstream Nelson de Oliveira, sendo dele o heterônimo para a ficção científica. Bras tem sido extremamente ativo, publicando vários livros a cada ano, sempre de qualidade acima da média, tendo sido extensamente entrevistado pelo Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica em sua edição referente a 2010, ano em que teve publicada a ótima coletânea de contos Paraíso líquido, pela mesma Terracota.
Não por acaso, Muitas peles traz na capa um desenho de Teo Adorno (outro heterônimo do autor), o mesmo artista que ilustrou a capa de Paraíso líquido, e isso até pode confundir o leitor, mas tratm-se de trabalhos completamente diferentes.
Muitas peles traz dezesseis textos que discutem questões interessantes ligadas ao ato da escrita e da crítica literária, bem como sobre os valores da literatura de gênero, especialmente a ficção científica, frente aos caminhos do mainstream.
Entre os textos está o importante “Convite ao mainstream”, no qual Bras convida todos os autores brasileiros a experimentarem a ficção científica como uma alternativa ao engessamento estilístico da literatura brasileira, um texto que já se tornou basilar no ambiente da fc&f nacional.
Mas o livro tem muito mais a oferecer. Além de “Convite ao mainstream”, Muitas peles traz outros artigos que ampliam a percepção do leitor tanto para a literatura de gênero quanto para o mainstream, como por exemplo “Duas elites”, no qual Bras confronta lucidamente os parâmetros analíticos que predominam nos ambientes da ficção de gênero e do mainstream. O artigo é composto por breves depoimentos de Ana Cristina Rodrigues, Braulio Tavares, Fabio Fernandes, Guilherme Kujawski, Marcello Simão Branco, Roberto de Sousa Causo e Tibor Moricz, todos nomes vinculados ao fandom brasileiro de fc&f, ampliando o leque de opiniões expostas. Faltou, contudo, a contraparte mainstream para configurar um bom debate.
Os demais artigos que compõe o volume são: “O infinito: um delírio?”; “Fim do papel, fim da poesia”; “Escolha um futuro”; “Cinco erros”; “Três leis”; “Sabedoria secreta”; “Olha, mãe, uma cor voando!”; “Encontro com o autor-personagem”; “O autor e seu editor”; “Elogio do acaso”; “Paraíso perdido: a infância”; “Morte e imortalidade” e “Crítica é cara ou coroa”. A coletânea também abre espaço para o artigo “Um bárbaro que se preze não vem para o chá das cinco”, de Roberto de Sousa Causo, escrito a convite de Bras.
Muitas peles é um livro ágil, de leitura leve e agradável, mas de impacto contundente. Sem dúvida, uma das mais importantes publicações do gênero nos últimos anos.

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