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domingo, 26 de fevereiro de 2023

Resenha do Almanaque: Noite na taverna, Álvares de Azevedo

Noite na taverna, Álvares de Azevedo. Publicado originalmente em 1855. Edição utilizada: Editora Ediouro, Coleção Biblioteca Folha, 1997. 73 páginas. Apresentação de Adonias Filho. Capa: Lúcia Brandão.

Parafraseando Fausto Cunha, a literatura fantástica brasileira pode até ser um planeta quase desabitado, contudo, aqueles que o habitam são gigantes. E no passado, eram ainda maiores.
Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) é um desses titãs lendários, autor paulista que nada publicou em vida, pois morreu cedo, aos 21 anos, de complicações advindas de uma queda de cavalo. Azevedo pertencia à escola ultra romântica — chamada de Mal do Século — e desenvolveu um curto mas expressivo trabalho como dramaturgo, poeta, ensaísta e contista.
Entre seus textos está Noite na taverna, uma espécie de romance fix-up que completou 150 anos de publicação em 2010. A identificação com a literatura de Edgard Alan Poe é imediata, embora o texto de Azevedo seja muito mais lírico, de inspiração byroniana. Poe dava explicações científicas para seus dramas de horror, já Azevedo prefere apresentar o macabro de suas histórias através da maldade, ganância e torpeza humanas.
Noite na taverna é formado por cinco narrativas, cada uma delas feita por um personagem de um grupo de amigos, enquanto se embriagam e contam vantagens numa taverna. As narrativas são amarradas por uma introdução, chamada "Uma noite do século" e um epílogo, chamado "Último beijo de amor", que contextualizam a dinâmica.
Quem inicia a rodada é "Solfieri", com a história de sua paixão por uma estranha dama em Roma, que o torna insatisfeito com todas as demais mulheres do mundo, até finalmente reencontrar aquela que mais amou e cuja obsessão ainda traz ao pescoço.
"Bertram" vem a seguir com história mais macabra da noite, vangloriando-se das mulheres cujas vidas arruinou e sua definitiva aventura amorosa com a linda esposa do capitão de um navio e do terrível modo como logrou sobreviver ao seu naufrágio.
É então a vez de "Genaro", pintor aprendiz que atraiçoou seu mestre e o levou à loucura, depois de, por sua imensurável covardia, ter contribuído para a morte de suas esposa e filha.
"Claudius Hermman" narra então o que fez com uma linda senhora da nobreza londrina, raptando-a na pretensão de que ela pudesse amá-lo. Mantendo-a sedada, aprisionou-a num lugar secreto e lá se revelou então, para ser completamente por ela rejeitado. E, em sua loucura, destruiu-lhe a vida, a de seu marido e certamente até a de si mesmo.
"Johann" conta então aquela que é a história mais conhecida deste volume, na qual depois de derrotar um adversário valoroso num duelo de morte, encontrou a completa desgraça moral ao desonrar uma promessa de feita ao moribundo.
O epílogo dramático coroa a noite de excessos, com fantasmas retornando para cobrar o preço das infâmias sofridas pelos convivas adormecidos pelo chão da taverna.
Dessa forma, em pouco mais de cinquenta páginas, Azevedo construiu um dos mais perturbadores livros de ficção fantástica já escritos; ousado e turbulento, sem edulcorar os detalhes mais sórdidos. Até Poe talvez se surpreendesse com a agressividade de Azevedo que, mesmo sem usar uma única licença realmente sobrenatural, monta um mosaico de terror e perversão que poucos outro autores ousaram, mesmo na ficção fantástica moderna.
Apesar da juventude do autor, Noite na taverna é uma obra adulta e angustiante que, por sua força, tem muito a contribuir para com a identidade da fc&f brasileira.
Um detalhe curioso é que Noite na taverna está entre os títulos de leitura obrigatória no ensino médio. Os estudantes são apresentados à Azevedo sem qualquer contextualização, enquanto os livros do ciclo do Sítio do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato, volta e meia são revisionados. Com certeza, alguns assuntos são mais sensíveis do que outros. Melhor para Azevedo e para a ficção de horror.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Resenha do Almanaque: Kalum, Menotti Del Picchia

Kalum, Menotti Del Picchia. Publicação original de 1940. Edição avaliada: Ediouro Publicações, Coleção Prestígio, Rio de Janeiro, sem data.

Em 1940, dez anos após a primeira publicação de A filha do inca, Menotti Del Picchia retornou ao universo da República 3000 em Kalum, esta também uma história de aventuras na selva brasileira, "para recreio da nossa juventude", como diz o autor em seu prefácio.
Kalum repete a estrutura usada no livro anterior e, de forma geral, é um livro mais regular que aquele. Mas é lamentável que seja assim, pois as imagens de A filha do inca emocionam muito mais e fixam-se de forma mais profunda na memória do leitor. Desse modo, Kalum soa anticlimático, ainda que tenha muitas sequências emocionantes.
A história de Kalum inicia com uma expedição alemã, científica e cinematográfica, que pretende filmar os rituais canibalescos de uma tribo  indígena da Amazônia, os kurongangs, intocada pela civilização. A tribo habita uma área de difícil acesso e a jornada é longa, ainda que não tão desastrada quanto aquela comandada pelo Capitão Fragoso. Esta expedição é chefiada por Karl Sopof, um tipo atlético e esperto que acredita que é sua melhor chance de ficar rico, pois tem certeza que o filme que pretende fazer vai ser um sucesso na Europa.
Os mateiros que guiam a expedição têm medo, pois conhecem a selvageria dos kurongangs, especialmente seu líder, o cacique Kalum, O Sangrento. A certa altura, os expedicionários são surpreendidos pelos kurongangs e levados prisioneiros. Quando se aproximam da taba dos indígenas antropófagos, numa clareira de acesso difícil entre montanhas altas e escarpadas, Karl surpreende-se com a arquitetura de algumas ocas, que se parecem com casas urbanas, porém erguidas com bambu e barro.
Ao confrontarem Kalum, todos percebem porque ele é tão temido. Trata-se de uma figura um tanto cômica, de pequena estatura, ainda que fortíssimo e de aparência feroz. Mas o que realmente assusta é que Kalum demonstra ser psicológica e emocionalmente instável. Kalum decreta que todos os prisioneiros deverão ser sacrificados mas, antes disso, devem ser purificados pelo pajé, um tipo misterioso chamado de Bogum. Karl é levado a sua presença justamente numa das choças de aparência familiar, e se depara com outra criatura bizarra, barbada e vestida em andrajos, mas que fala sua língua e sabe exatamente o que ele pretendia fazer ali com seus equipamentos estranhos. Alguns mistérios desfazem-se quando Bogum revela a Karl que ele é, na verdade, o padre D. Rui Colaço, que sobrevive entre os kurongangs pois impressionou-os com truques de mágica, enquanto seus companheiros, de uma malfadada missão de catequese, foram todos mortos.
Bogum sabe que não pode fazer muito pelos prisioneiros sem arriscar sua própria vida mas, junto com Karl, elabora um plano para intimidar Kalum, que consiste em filmá-lo, exibir o filme realizado e convencê-lo que Karl também é um feiticeiro poderoso e que aprisionou sua alma.
O plano funciona parcialmente pois, dessa forma, Karl e Bogum conseguem livrar os demais prisioneiros que rapidamente abandonam a taba. Porém, Bogum e Karl são retidos pelo desconfiado Kalum, que exige a devolução de sua alma. Quando percebem que nunca sairão vivos da tribo kurongang, ambos decidem fugir pela única saída possível, uma passagem secreta sob as montanhas, que Bogum descobriu através de um mapa que encontrou junto a um esqueleto do que ele julgara ser uma criança. Na proteção da noite, ambos esgueiram-se em direção as escarpas, mas são descobertos e caçados pelos indígenas. Já próximos do paredão de rocha, o velho padre é abatido mortalmente por uma flexada, enquanto Karl, ao tropeçar numa pedra, aciona o mecanismo que abre o portal secreto na parede montanhosa, através do qual ele se atira precipitadamente. Os kurongangs ficam assustados com o poder do estranho feiticeiro que fugiu para dentro da montanha, mas Kalum não está com medo. Promove um dos feiticeiros menores ao posto do falecido Bogum e exige, sob pena de morte, que ele descubra uma maneira de também abrir a montanha, para recapturar o feiticeiro branco que lhe roubou a alma.
Enquanto o aterrorizado feiticeiro tenta desesperadamente descobrir como se abre uma montanha, Karl tateia na escuridão de uma caverna colossal que se aprofunda mais e mais para dentro da rocha. Milhares de metros abaixo do solo, descobre uma cidade futurista habitada por mulheres pequeninas como crianças, lindas, louras e idênticas que, ainda por cima, falam sua língua. Bem recebido, Karl se depara com uma versão ampliada das pequenas mulheres, a única entre elas que tem a altura normal, chamada Elinor. Ela lhe conta que os habitantes daquela cidade, que também se chama Elinor, descende de viajantes cretenses que naufragaram na Ilha de Marajó, os mesmos navegantes dos quais outro ramo de descendentes fundou, em local mais favorável, a mítica República 3000. Nas cavernas, seu povo encontrou abrigo e segurança, pois na floresta eram hostilizados pelos kurongangs, que os caçavam sem trégua. Lacraram a entrada da caverna, aprofundaram as galerias e erigiram ali sua cidade, com sofisticados sistemas de iluminação e circulação de ar. Através de receptores de rádio-televisão, acompanharam a evolução dos povos do mundo, aprendendo suas línguas e absorvendo seu conhecimento. Sua estatura foi se reduzindo ao longo das gerações e, sem a luz natural do sol, o ar fresco e o céu aberto, uma desgraça terrível se abateu sobre o povo de Elinor. Uma infelicidade existencial profunda vitimou principalmente os homens, que se suicidaram aos milhares. As mulheres resistiram melhor, mas tornaram-se infantis e fúteis. Aos poucos, a população foi se reduzindo e naquele momento encontra-se à beira da extinção.
Elinor lidera os homens remanescentes numa investida desesperada em escavar, a partir dos níveis mais profundos da caverna, uma passagem para o exterior, longe dos ferozes kurongangs. O trabalho é lento e imprevisível, mas há esperança que seja finalizado em breve.
As pequenas mulheres não se importam com a escavação e em nada ajudam os trabalhos, passando seu dias em absoluta improdutividade. Volúveis e medrosas, logo voltam-se contra Karl, temendo que ele traga os kurongangs até ali. Os ânimos exaltam-se e, quando parece que nem Karl nem Elinor poderão contê-las, soam os alarmes: os kurongangs finalmente abriram o portal e a luta final tem início.
Como se percebe, a história de Kalum é muito mais elaborada que a vista em A filha do inca. Há mais detalhes, os personagens são individualmente mais trabalhados, os conceitos de uma história de aventuras são melhor instalados e mesmo as estruturas de gênero parecem melhor arranjadas, ainda que muita coisa pareça absurda ao leitor moderno. Mas falta o toque de maturidade que A filha do inca tem de sobra. Falta, sobretudo, um personagem carismático como o Maneco, tão bem colocado na história anterior. Parece, a princípio, que um dos muitos companheiros de Karl, especialmente o grandalhão e sentimental Fritz, poderia assumir esse posto, mas todos são removidos da trama antes de sua metade.
Kalum ainda tem a seu desfavor o fato de ser uma história muito mais sombria se comparada a A filha do inca. Enquanto em A filha do inca os autômatos da República 3000 sobem em revoada para as estrelas, numa cena emocionante e transcendental que levaria qualquer fã de hard fiction às lágrimas, Kalum só tem sangue e destruição a oferecer. Para compensar, Kalum apresenta um epílogo lírico e belíssimo de efusividade tropical, em si uma peça à parte, com seu colorido contrastando ao preto e branco predominante da história. Decerto que Del Picchia já sabia disso tudo. Ele mesmo diz, em seu prefácio, que se entregara "à volúpia de imaginar coisas absurdas que fizessem sentido pelo menos como hipóteses de um futuro maravilhoso".
Cabe a nós percebermos que esse maravilhoso não tem que ser, invariavelmente, positivista. No caso de Kalum, é o maravilhoso do horror que se apresenta muito mais exposto do que o maravilhoso científico. Comparado à pobreza de ideias que cerca o gênero do horror no Brasil, que se volta insistentemente para um gótico superado e enfadonho, Kalum mostra que Menotti Del Picchia estava adiante de todos nós tanto na ficção científica quanto no horror.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Fantasma vai à guerra

Um ano depois, chega às bancas o volume 2 da coleção Fantasma, da editora Pixel/Ediouro.
Finalmente temos uma história diferente, que não replica mais uma vez a clássica "Os piratas do céu", que é boa, mas já teve republicações que bastem no passado recente.
Esta segunda edição apresenta a aventura completa "Fantasma vai à guerra", originalmente publicada em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, que mostra como o herói dos quadrinhos enfrenta a invasão de Bengala pelas forças japonesas.
O álbum tem 132 páginas em cores, com roteiro de Lee Falk e desenhos de Ray Moore e Wilson McCoy. Sei que alguns leitores do personagem não curtem o traço minimalista de McCoy, mas eu sou um de seus fãs e fiquei muito empolgado ao reencontrá-lo nas bancas. Pena que o colorido adotado pela editora tire boa parte de seu charme. Mesmo assim, é uma edição muito recomendável.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Mandrake!

Depois de Luluzinha e Fantasma, agora é a vez do maior de todos os ilusionistas voltar às bancas. Um dos mais queridos personagens da era de ouro dos quadrinhos, Mandrake, o mágico, criado  em 1934 por Lee Falk e Phil Davis, ganhou um novo álbum em cores com suas histórias mais clássicas, publicadas originalmente na forma de tiras de jornal.
Mais que um mágico, Mandrake é um hipnotizador que faz seus algozes acreditarem que suas ilusões são muito reais. É auxiliado pela eterna noiva, a sensual Narda, e pelo gigante príncipe africano Lothar, que é uma espécie de assistente de Mandrake. Implicações politicamente incorretas dessa relação trilateral acompanharam o personagem desde sua estreia e ainda rendem comentários, o que demonstra a riqueza das histórias e a ousadia que os autores de quadrinhos tinham nos primeiros tempos da arte, combatida ferozmente ao longo dos anos 1950 pelo famigerado Comics Code, que censurou muitos títulos e limou as características mais relevantes naqueles que sobreviveram à perseguição macartista. Esta é uma ótima oportunidade para os leitores mais jovens conferirem os detalhes deste personagem, que fez estrondoso sucesso por décadas seguidas entre os leitores brasileiros.
Mandrake, o mágico: O mundo do espelho e outras histórias é uma publicação do selo Pixel Media, tem 128 páginas e custa R$ 16,90.

domingo, 18 de agosto de 2013

Espírito-que-Anda novamente em ação!

Depois de iluminar o rosto dos velhos leitores de quadrinhos com bem cuidadas edições Luluzinha: Primeiras histórias, a Ediouro distribuiu nas bancas, pelo selo Pixel Media, uma edição especialíssima com duas aventuras clássicas de Lee Falk e Ray Moore.
Trata-se de saudoso O Fantasma – Piratas do céu: A saga completa, com duas histórias da fase inicial do personagem, "Os piratas do céu" e "A volta dos piratas do céu", publicadas em tiras nos jornais em 1936 e 1941, respectivamente, com direito a todo o arsenal de soluções das quais se podia lançar mão naqueles tempos pré Comics Code – o que significa doses generosas de violência e sensualidade.
A edição tem 128 páginas em cores e o acessível preço de R$16,90. Imperdível.

sábado, 18 de maio de 2013

Luluzinha: Primeiras histórias

Luluzinha foi uma série de revistas de histórias em quadrinhos que fez um sucesso estrondoso no Brasil ao longo dos anos 1960, ao ponto de ter ganhado até uma canção famosa pelo popular Trio Ternura, grupo vocal que gravou diversas músicas sobre personagens dos gibis.
É espantoso que essa personagem, criada em 1935 pela cartunista estadunidense Marjorie Handerson Buell, a Marge, tenha caído no esquecimento por toda uma geração de leitores. A chegada às bancas, há alguns anos, de uma versão alterada que em nada lembra o excepcional trabalho anterior, favoreceu, contudo, a volta das histórias originais, agora em um luxuoso álbum publicado pela Pixel, o selo de quadrinhos da Ediouro.
Luluzinha: Primeiras histórias, como diz o nome, reúne algumas das aventuras iniciais da personagem, publicadas entre 1945 e 1950. O álbum seleciona as primeiras aparições de personagens como Bolinha, Plínio, Alvinho, Glorinha e a Bruxa Alcéia, em histórias realizadas por John Stanley e Inving Tripp para a Dell Comics, com toda a carga cultural daqueles tempo politicamente incorretos, entre as quais está "O bicho-papão", que chegou a ser censurada nos EUA. A proposta da editora brasileira foi manter as características da época, inclusive com as páginas levemente amareladas emulando o papel em que as revistas em quadrinhos eram publicadas.
A edição ainda traz um valioso artigo historiográfico assinado pelo especialista Octacílio D'Assunção, que também organizou a edição brasileira, e acompanha um interessante quebra-cabeças temático.
Luluzinha: Primeiras histórias tem 128 páginas em papel brilhante, capa cartonada e custa R$16,90.