Antologia comemorativa aos cinco anos de publicação do saite Hyperfan, que se alinha à prática da fc&f brasileira de publicar antologias temáticas. Um tema um tanto aberto, contudo, pois trata-se de universo compartilhado ainda sem estrutura, que o organizador planejou montar a partir do simples elencamento dos contos selecionados.
O Novo Universo Hyperfan, assim chamado, é de inspiração assumidamente vinculada ao cânone dos super-heróis. O organizador/editor confessa, na apresentação do livro, que isso foi feito tão somente porque seria temerário utilizar um universo que tivesse os direitos reservados. Ou seja, apesar de original, o Novo Universo Hyperfan é um pastiche, o que nestes tempos de rede mundial é chamado de fanfic.
Fanfic é a contração do termo fanatic fiction ou, traduzindo para o português, ficção de fã, o tipo de texto realizado por fanáticos em algum personagem ou série de aventuras. Há bibliotecas gigantes disponíveis na internet com fanfics dos apreciadores de Star trek ou Harry Potter, por exemplo.
Dentre todos os temas possíveis, o das histórias em quadrinhos de super-heróis é o que oferece o material de base mais maleável: a falta de parâmetros realistas permite que os autores-fãs façam qualquer coisa sem parecer demasiado absurdo. Mas a maioria dos fanfics de super-heróis não arrisca ir além, pois os autores querem justamente repetir os moldes tradicionais de seus personagens favoritos, não subvertê-los. Portanto, a decisão do editor de Hyperfan, ainda que não por esse motivo, foi muito acertada. A obrigação de criar novos personagens deu liberdade aos autores para construírem histórias que nunca seriam contadas com heróis de contornos anglo-americanos, ainda que alguns deles não tenham aproveitado essa chance em sua totalidade.
Fanfic é a contração do termo fanatic fiction ou, traduzindo para o português, ficção de fã, o tipo de texto realizado por fanáticos em algum personagem ou série de aventuras. Há bibliotecas gigantes disponíveis na internet com fanfics dos apreciadores de Star trek ou Harry Potter, por exemplo.
Dentre todos os temas possíveis, o das histórias em quadrinhos de super-heróis é o que oferece o material de base mais maleável: a falta de parâmetros realistas permite que os autores-fãs façam qualquer coisa sem parecer demasiado absurdo. Mas a maioria dos fanfics de super-heróis não arrisca ir além, pois os autores querem justamente repetir os moldes tradicionais de seus personagens favoritos, não subvertê-los. Portanto, a decisão do editor de Hyperfan, ainda que não por esse motivo, foi muito acertada. A obrigação de criar novos personagens deu liberdade aos autores para construírem histórias que nunca seriam contadas com heróis de contornos anglo-americanos, ainda que alguns deles não tenham aproveitado essa chance em sua totalidade.
A antologia pode ter se inspirada na série Wild Cards, editada por George R. R. Martin, que também apresenta o modelo de histórias independentes que progridem a partir de um conto-chave. Trata-se de uma série antologia de contos de super-heróis bastante popular, publicadas de 1987 até hoje, que também tem adaptações em quadrinhos e até uma série de tv, de 2003.
Hyperfan é formada por treze contos irradiados a partir de um conto-base, o ponto de partida para a criatividade de cada autor. São, portanto, histórias de "origem", o tipo menos interessante de histórias de super-heróis. Os contos são curtos e não progridem muito além da simples apresentação dos personagens. Ainda assim, alguns trabalhos logram bom resultado e podem render romances curiosos, se continuados.
O conto que propõe ser a espoleta dos eventos narrados nos demais contos é "Energia do vácuo", assinado por Carlos Orsi. O autor é conhecido no meio da fc&f brasileira, presente em várias antologias e com várias coletâneas individuais publicadas. Praticamente uma vinheta, conta apenas como uma energia estranha se esparramou pela Terra depois que um objeto cósmico atingiu o planeta, produzindo um poço estreito e profundo numa ilha perdida. A ilha remete-se a que serve de cenário ao seriado de tv Lost, e o objeto lembra a esfera luminosa do longa de animação Heavy metal: Universo em fantasia. Sua função deveria ser costurar os episódios numa sensação de unidade. Mas a presença do conto na antologia não chega a se justificar, uma vez que nenhum dos contos selecionados importou-se em articular-se a ele. Ficou cada um por si.
"Fã", de Danilo Anastácio, abre a série. Thimothy é um universitário nerd que desconfia das atividades de um de seus professores. Obcecado por super-heróis, veste-se como um e decide abordar o docente de forma direta, mas acaba sendo um tanto indiscreto: como ganhou super-poderes reais, acaba fazendo um grande estrago. Uma divertida brincadeira com a autoimagem dos fãs, sem maiores pretensões.
A seguir, "Sombra", de Marcelo Augusto Galvão. Um suicida fracassado desenvolve uma segunda personalidade que mata e devora partes de seu sócio e de sua namorada quando descobre que eles o traíram. História moralista e sem muita originalidade.
"Romaria e Prece", de J. B. Uchôa, é um dos melhores contos da antologia. Uma prostituta descobre, em pleno expediente, que tem o poder de curar aqueles a quem toca. Seu então cliente, um político importante, ao ver-se curado de uma doença grave, revela o fato à imprensa. Agora todos acreditam que a prostituta é uma santa e ela tem que fugir para reencontrar alguma paz. Bem ambientado na cidade de Salvador, é um dos contos que merece maior atenção.
Rodrigo Nunes assina "Emoções". Depois de uma tentativa de assalto, uma jovem médica descobre que pode sentir as emoções das pessoas que estão à sua volta. Suas atitudes estranhas fazem com que seus pais acreditem que ela enlouqueceu. A ideia é boa mas a realização, ruim, pois o autor abusa de frases curtas, num texto telegrafado e enfadonho.
Em "O detetive do sobrenatural", de Rafael Monteiro, um detetive trapaceiro descobre que pode falar com os mortos, e faz um acordo com um fantasma para ajudá-lo no serviço. Conto muito fraco, que transcreve as primeiras cenas do filme Espíritos, de Robert Tinnell.
"Supertia", de Lucio Luiz, mostra personalidade e bom ritmo. Uma estudante secundarista tem a oportunidade de dar aula numa pré-escola. Depois de um início tumultuado com uma turma muito difícil, descobre que pode controlar as crianças dando-lhes ordens diretas. Apesar de ter uma classe obediente, as crianças passam a depender cada vez mais de suas ordens, até que acontece uma tragédia. A narrativa em primeira pessoa é divertida, porque a jovem professora é uma completa cretina. Apesar disso, fica uma sensação de que algo está errado em seu conceito, já que o autor sugere que toda a arrogância da garota decorre do fato dela acreditar nos estudos.
"Prólogo", de Conrad Pichler, é uma espécie de Cidade de Deus de terror. Conta como um homem muito mau, morto numa briga de gangues, volta do inferno para vingar-se. Mas ele não esperava que os seus desafetos ainda vivos tivessem super-poderes para enfrentá-lo. Derrotado o espírito do mal, os sobreviventes decidem continuar a luta contra as trevas. Um conto confuso, difícil de compreender e com um grau de violência que não se justifica.
O conto seguinte é "Prata da casa", de Rony Gabriel. Assassino profissional se vale da capacidade de ser esquecido para despistar seus algozes. Entre eles, uma policial que é imune ao seu poder. Mas ela acaba sendo auxiliada por ele, depois de sofrer um atentado praticado por seu próprio parceiro. O conto não disfarça a inspiração no personagem Questão, sem mais a acrescentar.
"Freaklândia", de Robson Costa, é de longe o melhor conto da antologia. Muito bem construído, conta a história de uma médica em crise profissional que aceita trabalhar numa operação sigilosa do governo, em uma cidade no interior de Mato Grosso do Sul onde várias pessoas subitamente desenvolveram estranhas mutações. Depois de algumas semanas de trabalho, ela acaba envolvida pela irmandade desses mutantes e torna-se ela mesma um deles depois do contato com uma bolha de luz que os mutantes guardam como um tesouro. A narrativa distancia-se da mitologia dos super-heróis por conta da utilização de uma narração típica da fantasia latina e da presença intimidante da repressão políticomilitar patrocinada por forças internacionais, o que fala muito ao imaginário brasileiro.
"The world is blue", de Eduardo Sales Filho, mostra como um empresário ambicioso enriquece utilizando sua capacidade de influenciar a mente das pessoas. Frívolo e arrogante, repentinamente vê-se ajudando uma mulher que estava sendo vítima de um sequestro-relâmpago. Apesar de desprezar as pessoas comuns, ele aprecia a sensação de poder sobre elas. Talvez uma sequência à história pudesse corrigir a inversão de valores que este conto sugere, mas a introdução, infelizmente, não anima muito.
"Vítima", de Cesar Rocha Leal, fala sobre um investigador de polícia dotado de poderes extra-sensoriais. Por usá-los em suas investigações, é ridicularizado pelos colegas. Mas ele não apenas resolve todos os mistérios do crime proposto no conto como também identifica o criminoso, tudo sem precisar sair da sala. O conto parece homenagear mais os seriados televisivos de histórias policiais e os romances de Sherlock Holmes do que os quadrinhos de super-heróis e, por isso, destaca-se dos demais. Mas a falta de virtuosismo literário compromete, resultando num trabalho de pouco brilho.
"Incógnitos", de Rafael Borges, conta a história de uma banda de rock famosa – os Incógnitos do título – cujos integrantes têm superpoderes. No meio de um show em Tóquio, são atacados por um dragão e têm de improvisar para derrotá-lo. O público delira ao ver o combate e o show continua depois dele. O conto faz rir, que é o que o autor queria, mas pelos motivos errados, pois expõe o ridículo das histórias de super-heróis num livro que pretende ser uma homenagem a eles.
"Salão de espelhos", de Alexandre Mandarino, encerra a antologia. Trata de um jovem que ganha todos os poderes imagináveis e, usando-os, molda o mundo a sua imagem. Então, cheio de tédio, desfaz tudo e abandona o mundo, indo para as estrelas. Mandarino demonstra domínio da língua e apresenta um conto bem trabalhado mas, apesar das virtudes, a antologia teria ficado melhor se o seu conto não fosse o último do volume. Isso porque ele passa uma forte impressão de escárnio sobre gênero dos super-heróis e sobre própria antologia em si, sintoma que se reforça por dar-lhe os contornos finais. É como se o editor, ao deixá-lo por último, quisesse levar o leitor a sentir-se tolo por ter investido o seu tempo na leitura do volume. Pelo menos foi essa a impressão que causou em mim.
Além dos contos, é importante citar o trabalho de J. J. Marreiro, que demonstra domínio sobre o gênero ao realizar as ilustrações que emolduram cada um dos contos e o índice, aproximando o livro dos leitores habituados apenas com quadrinhos e dando-lhe uma jovialidade bem-vinda.
Hyperfan é formada por treze contos irradiados a partir de um conto-base, o ponto de partida para a criatividade de cada autor. São, portanto, histórias de "origem", o tipo menos interessante de histórias de super-heróis. Os contos são curtos e não progridem muito além da simples apresentação dos personagens. Ainda assim, alguns trabalhos logram bom resultado e podem render romances curiosos, se continuados.
O conto que propõe ser a espoleta dos eventos narrados nos demais contos é "Energia do vácuo", assinado por Carlos Orsi. O autor é conhecido no meio da fc&f brasileira, presente em várias antologias e com várias coletâneas individuais publicadas. Praticamente uma vinheta, conta apenas como uma energia estranha se esparramou pela Terra depois que um objeto cósmico atingiu o planeta, produzindo um poço estreito e profundo numa ilha perdida. A ilha remete-se a que serve de cenário ao seriado de tv Lost, e o objeto lembra a esfera luminosa do longa de animação Heavy metal: Universo em fantasia. Sua função deveria ser costurar os episódios numa sensação de unidade. Mas a presença do conto na antologia não chega a se justificar, uma vez que nenhum dos contos selecionados importou-se em articular-se a ele. Ficou cada um por si.
"Fã", de Danilo Anastácio, abre a série. Thimothy é um universitário nerd que desconfia das atividades de um de seus professores. Obcecado por super-heróis, veste-se como um e decide abordar o docente de forma direta, mas acaba sendo um tanto indiscreto: como ganhou super-poderes reais, acaba fazendo um grande estrago. Uma divertida brincadeira com a autoimagem dos fãs, sem maiores pretensões.
A seguir, "Sombra", de Marcelo Augusto Galvão. Um suicida fracassado desenvolve uma segunda personalidade que mata e devora partes de seu sócio e de sua namorada quando descobre que eles o traíram. História moralista e sem muita originalidade.
"Romaria e Prece", de J. B. Uchôa, é um dos melhores contos da antologia. Uma prostituta descobre, em pleno expediente, que tem o poder de curar aqueles a quem toca. Seu então cliente, um político importante, ao ver-se curado de uma doença grave, revela o fato à imprensa. Agora todos acreditam que a prostituta é uma santa e ela tem que fugir para reencontrar alguma paz. Bem ambientado na cidade de Salvador, é um dos contos que merece maior atenção.
Rodrigo Nunes assina "Emoções". Depois de uma tentativa de assalto, uma jovem médica descobre que pode sentir as emoções das pessoas que estão à sua volta. Suas atitudes estranhas fazem com que seus pais acreditem que ela enlouqueceu. A ideia é boa mas a realização, ruim, pois o autor abusa de frases curtas, num texto telegrafado e enfadonho.
Em "O detetive do sobrenatural", de Rafael Monteiro, um detetive trapaceiro descobre que pode falar com os mortos, e faz um acordo com um fantasma para ajudá-lo no serviço. Conto muito fraco, que transcreve as primeiras cenas do filme Espíritos, de Robert Tinnell.
"Supertia", de Lucio Luiz, mostra personalidade e bom ritmo. Uma estudante secundarista tem a oportunidade de dar aula numa pré-escola. Depois de um início tumultuado com uma turma muito difícil, descobre que pode controlar as crianças dando-lhes ordens diretas. Apesar de ter uma classe obediente, as crianças passam a depender cada vez mais de suas ordens, até que acontece uma tragédia. A narrativa em primeira pessoa é divertida, porque a jovem professora é uma completa cretina. Apesar disso, fica uma sensação de que algo está errado em seu conceito, já que o autor sugere que toda a arrogância da garota decorre do fato dela acreditar nos estudos.
"Prólogo", de Conrad Pichler, é uma espécie de Cidade de Deus de terror. Conta como um homem muito mau, morto numa briga de gangues, volta do inferno para vingar-se. Mas ele não esperava que os seus desafetos ainda vivos tivessem super-poderes para enfrentá-lo. Derrotado o espírito do mal, os sobreviventes decidem continuar a luta contra as trevas. Um conto confuso, difícil de compreender e com um grau de violência que não se justifica.
O conto seguinte é "Prata da casa", de Rony Gabriel. Assassino profissional se vale da capacidade de ser esquecido para despistar seus algozes. Entre eles, uma policial que é imune ao seu poder. Mas ela acaba sendo auxiliada por ele, depois de sofrer um atentado praticado por seu próprio parceiro. O conto não disfarça a inspiração no personagem Questão, sem mais a acrescentar.
"Freaklândia", de Robson Costa, é de longe o melhor conto da antologia. Muito bem construído, conta a história de uma médica em crise profissional que aceita trabalhar numa operação sigilosa do governo, em uma cidade no interior de Mato Grosso do Sul onde várias pessoas subitamente desenvolveram estranhas mutações. Depois de algumas semanas de trabalho, ela acaba envolvida pela irmandade desses mutantes e torna-se ela mesma um deles depois do contato com uma bolha de luz que os mutantes guardam como um tesouro. A narrativa distancia-se da mitologia dos super-heróis por conta da utilização de uma narração típica da fantasia latina e da presença intimidante da repressão políticomilitar patrocinada por forças internacionais, o que fala muito ao imaginário brasileiro.
"The world is blue", de Eduardo Sales Filho, mostra como um empresário ambicioso enriquece utilizando sua capacidade de influenciar a mente das pessoas. Frívolo e arrogante, repentinamente vê-se ajudando uma mulher que estava sendo vítima de um sequestro-relâmpago. Apesar de desprezar as pessoas comuns, ele aprecia a sensação de poder sobre elas. Talvez uma sequência à história pudesse corrigir a inversão de valores que este conto sugere, mas a introdução, infelizmente, não anima muito.
"Vítima", de Cesar Rocha Leal, fala sobre um investigador de polícia dotado de poderes extra-sensoriais. Por usá-los em suas investigações, é ridicularizado pelos colegas. Mas ele não apenas resolve todos os mistérios do crime proposto no conto como também identifica o criminoso, tudo sem precisar sair da sala. O conto parece homenagear mais os seriados televisivos de histórias policiais e os romances de Sherlock Holmes do que os quadrinhos de super-heróis e, por isso, destaca-se dos demais. Mas a falta de virtuosismo literário compromete, resultando num trabalho de pouco brilho.
"Incógnitos", de Rafael Borges, conta a história de uma banda de rock famosa – os Incógnitos do título – cujos integrantes têm superpoderes. No meio de um show em Tóquio, são atacados por um dragão e têm de improvisar para derrotá-lo. O público delira ao ver o combate e o show continua depois dele. O conto faz rir, que é o que o autor queria, mas pelos motivos errados, pois expõe o ridículo das histórias de super-heróis num livro que pretende ser uma homenagem a eles.
"Salão de espelhos", de Alexandre Mandarino, encerra a antologia. Trata de um jovem que ganha todos os poderes imagináveis e, usando-os, molda o mundo a sua imagem. Então, cheio de tédio, desfaz tudo e abandona o mundo, indo para as estrelas. Mandarino demonstra domínio da língua e apresenta um conto bem trabalhado mas, apesar das virtudes, a antologia teria ficado melhor se o seu conto não fosse o último do volume. Isso porque ele passa uma forte impressão de escárnio sobre gênero dos super-heróis e sobre própria antologia em si, sintoma que se reforça por dar-lhe os contornos finais. É como se o editor, ao deixá-lo por último, quisesse levar o leitor a sentir-se tolo por ter investido o seu tempo na leitura do volume. Pelo menos foi essa a impressão que causou em mim.
Além dos contos, é importante citar o trabalho de J. J. Marreiro, que demonstra domínio sobre o gênero ao realizar as ilustrações que emolduram cada um dos contos e o índice, aproximando o livro dos leitores habituados apenas com quadrinhos e dando-lhe uma jovialidade bem-vinda.
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