sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Resenha do Almanaque: A face oculta da galáxia, Miguel Carqueija

A face oculta da galáxia
, Miguel Carqueija. Prefácio de Jorge Luiz Calife, 88 páginas. Taubaté: Casa da Cultura, 2006.

Vésper é uma agente secreta aposentada. Depois de uma missão especialmente traumática, na qual seu marido morreu, decidiu que era hora de parar. Muitos anos depois, com os filhos já crescidos, Vésper é procurada pela Cosmopol, a polícia interplanetária, que a quer num caso muito delicado: Teplê K Vichits, o terrorista interestelar, capturou um artefato alienígena que tem que ser devolvido ao seu lugar de origem, caso contrário o universo pode ser destruído. Como passa por dificuldades financeiras, Vésper aceita o encargo e, assim, é apresentada a seus companheiros de missão: Rotterdam, Tenessee e a assassina profissional Valentina, recrutada especialmente para matar Vichtis.
Os quatro agentes, liderados por Beng, o delegado da Cosmopol encarregado de comandar a operação, embarcam disfarçados numa espaçonave de cruzeiro em direção ao distante planeta Sombrio, onde Vichtis escondeu o artefato. Logo de saída, Vésper se vê assediada por Valentina, que deixa claro que tem um interesse especial por ela. Mas Vésper a rejeita e isso tensiona a relação entre ambas.
A tranquilidade da viagem, bem como as identidades falsas da equipe, não resistem por muito tempo. Poucas horas após a decolagem, os agentes da Cosmopol são atacados por espiões inimigos. Eles abandonam a nave em botes salvavidas e são resgatados por uma outra nave, que os acompanhava em segredo a pedido da Cosmopol. O comandante dessa nave é Gaspar, cientista desafeto de Beng, que viaja para Sombrio sob disfarce, levando uma equipe de pesquisas e sua neta Licia, uma garota esperta e atrevida que se identifica com Vésper na mesma medida que antipatiza com Valentina.
Quando a nave chega à embaixada terrestre em Sombrio, os agentes assumem novos disfarces e dirigem-se ao local onde o artefato está escondido, mas não contavam que Licia os acompanhasse clandestinamente. A presença da garota causa muitas dificuldades ao grupo, novamente atacado por organizações inimigas e que ainda tem que se defender das forças regulares de Sombrio.
Esta novela de Miguel Carqueija apresenta as principais características que o autor adota em seus trabalhos: personagens femininas fortes e decididas, ainda que emocionalmente fragilizadas, enfrentando perigos inomináveis. O mesmo perfil pode ser percebido em muitos dos trabalhos do autor, como A âncora dos argonautas (1999), A rainha secreta (2001), A Esfinge Negra (2003) e As luzes de Alice (2004), Tempo das caçadoras (2009), As aventuras de Honney Bel (2017) e Os mistérios do Mundo Negro (2021), títulos publicados por editoras independentes como a Scarium e o próprio Hiperespaço. Mais recentemente, teve romances publicados por editoras estabelecidas no mercado, como Farei o meu destino (Giz, 2008) e O estigma do Feiticeiro Negro, em parceria com Melanie Evarino (Ornitorrinco, 2012).
Miguel Carqueija é um autor experiente, talvez o mais prolífero e constante colaborador das publicações daquela que ficou conhecida como Segunda Onda da ficção científica brasileira. Esteve presente em praticamente todas as publicações brasileiras de FC&F, desde o primeiro fanzine, o Boletim Antares – editado pelo Clube de Ficção Científica Antares, de Porto Alegre inaugurador dessa fase em 1982 –, participando de todos os demais fanzines, revistas, concursos e antologias propostos ao longo dos anos. 
Com toda essa experiência, Carqueija ganhou muita habilidade nos protocolos da literatura fantástica, que domina muito bem. Entretanto, não os respeita o tempo todo e até compromete o ritmo da leitura e  a suspensão da incredulidade do leitor ao fazer contínuas referências e citações à cultura pop, e alterar a forma narrativa em meio ao texto, como, por exemplo, adotando o estilo de um roteiro, com os nomes das protagonistas antecipando as falas. 
Excetuando-se esses "pecados", que muitos experimentalistas consideram uma ousadia literária enriquecedora, a prosa de Carqueija é fluente e agradável, com uma estética identificada com os trabalhos da Golden Age norte-americana: aventuresca, otimista, quase sempre implausível, mas muito divertida. As  também interferem na concentração do leitor, mas não chegam a comprometer a narrativa e acrescentam-lhe um sabor autoral característico.
A face oculta da galáxia está atualmente disponível aqui pela editora Agbooks, em versões real e digital.

Nenhum comentário:

Postar um comentário