domingo, 5 de fevereiro de 2023

Cidade dos deitados, Heloísa Prieto

Cidade dos deitados
, Heloísa Prieto. Ilustrações de Elizabeth Tognato. 64 páginas. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

Mesmo para um leitor especialista, muitas vezes certos títulos escapam, seja porque foram publicados em tiragens muito reduzidas, porque tiveram distribuição irregular ou regional, ou porque acabaram sendo colocados nas estantes erradas das livrarias, misturados a títulos que nada tem a ver com eles. Também pode ser porque a editora não promoveu o volume adequadamente ou porque circulou em um nicho não muito permeável a outros públicos. Fato é que sempre acabamos por encontrar, as vezes sem querer, um título interessante que passou despercebido quando de sua publicação. Este é o caso de Cidade dos deitados, da escritora paulistana Heloisa Prieto, publicado em 2008 pela editora Cosac Naify na coleção Ópera Urbana. 
Muitas coisas tornam este um volume especial. A começar pela capa dura, o papel encorpado e brilhante do miolo e as páginas pretas com todo o texto em branco. Mas o que se destaca, além do texto delicioso, são as ilustrações de Elizabeth Tognato, que dão um show visual que torna a leitura quase como a de uma história em quadrinhos. 
A inspiração são os cemitérios da capital paulista, que conseguimos reconhecer seja pelas vívidas descrições da narrativa, seja pelas ilustrações, que não têm um estilo único: cada página é uma surpresa, passando por montagens, bicos de pena, crayons, grafites, fotografias, lápis de cor, arte igital e muito mais.
O texto é uma novela-poema de horror que se lê em não mais que meia hora. Narra o passeio de uma transeunte (provavelmente a própria autora) por alamendas de um cemitério durante uma estranha noite insone, recheada de aparições e habitantes noturnos, até as primeiras luzes da manhã. 
Leitores de Neil Gaiman vão perceber a mesma satisfação melancólica de O livro do cemitério, e os fãs de Stephen King recordarão do mesmo clima onírico de "Andando na bala" (publicado na coletânea Tudo é eventual). Mas o texto de Prieto escapa da armadilha do pastiche na medida em que se apega a sua própria história pessoal – o texto faz referência a perda de uma parente querida –, aos espaços físicos paulistanos e ao imaginário brasileiro sobre os cemitérios e o "mundo dos mortos". Desse modo, replica o enlevo sem perder a originalidade. E o volume ainda vem acompanhado de um libreto de 36 páginas recheado de informações sobre cemitérios famosos de São Paulo e do mundo. Apesar do tema algo mórbido, tem uma leitura tão deliciosa quanto a da novela em si.
Por sua apresentação gráfica e título, qualquer um diria que Cidade dos deitados é um livro juvenil, e o encarte faz parecer que é, realmente, paradidático. Mas não é nada disso. Não que não possa ser lido por jovens, de fato acredito que o volume faria muito sucesso entre os adolescentes, mas a escrita é madura e exige participação do leitor, sem a qual pode nao ser possível aproveitar todos os detalhes do história.
Por este e outros aspectos já citados é que posso dizer que Cidade dos deitados é um trabalho de fronteira muito rico, que pode ser percebido em diversos níveis e matizes por diversos públicos. 
Enfim, Cidade dos deitados é uma dessas agradáveis surpresas, um encontro noturno com uma aparição delicada, sem o travo do horror que geralmente acompanha tais eventos.

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