O diálogo dos mundos, Rubens Teixeira Scavone. 152 páginas. Capa: Fotomotagem de Rubens Teixeira Scavone. Coleção Ficção Científica GRD nº10, Editora GRD, Rio de Janeiro, 1961.
É sempre uma grande responsabilidade resenhar um clássico. Isso porque ele carrega valores emocionais e históricos difíceis de não se levar em conta na hora de elaborar uma análise. A dificuldade aumenta quando se trata de um autor cujo nome é praticamente sinônimo da ficção científica brasileira. Rubens Teixeira Scavone (1925-2007) é um dos autores que vêm a mente em primeiro lugar quando nos referimos a fc brasileira, e todos os seus textos foram muito bem aceitos por várias gerações de leitores. Scavone foi um escritor erudito, de grande qualidade técnica, conhecedor do gênero e muito bem instalado no mainstream, uma vez que foi um dos raros escritores do fandom a receber o Prêmo Jabuti de Melhor Romance (por Clube de campo, 1973).
O diálogo dos mundos é uma coletânea de contos, número 10 da lendária coleção Ficção Científica GRD, com seis textos de Scavone apresentados por um longo prefácio assinado por José Geraldo Vieira, por si só uma peça de interesse, repleta de informações curiosas sobre a proto-ficção científica.
O texto que dá nome à antologia é uma noveleta que toma quase a metade do volume. Conta a história de uma equipe de pesquisa chefiada por um cientista ambicioso que está prestes a divulgar à comunidade internacional, durante um grande evento, o sucesso conquistado num custoso programa que nunca havia recebido muito crédito. A humanidade finalmente contactara uma cultura alienígena, feito obtido depois de anos de escuta em um radiotelescópio, e é justamente em suas dependências que o grande evento acontece.
Enquanto o cientista chefe sonha com os louros que vai conquistar, uma grande nevasca parece querer impedir o sucesso do evento. A tensão aumenta quando o público presente é reunido para, depois de escutar as transmissões captadas, discutir qual seria a melhor forma de respondê-las. Surge um turbulento debate entre os intelectuais presentes, que chega a beira a insanidade, mas o pior ainda estava por vir.
Esta novela é um clássico da fc brasileira. A peça literária é sustentada pela tensão entre um estilo estóico e uma ironia permanente que, durante toda a leitura, permite antever a tragédia que se avizinha. Mais que o final, que é na verdade um tanto anticlimático, o valor desse cabo de guerra está justamente na disputa dessas forças narrativas que Scavone soube manobrar muito bem.
“O fim da aventura” é uma narrativa menos ambiciosa e, fora de seu contexto histórico, pode ser considerada ingênua e inverossímil, mas há cinquenta anos tinha um valor diferente. Conta a malfadada aventura de uma equipe de cosmonautas que, durante uma viagem exploratória secreta, é obrigada a fazer um pouso de emergência num ambiente hostil e acaba dizimada por nativos ferozes. O resgate dos restos dessa tragédia revela os limites da pretensão da ciência humana. Mais uma vez, o valor do texto está na qualidade narrativa e na estrutura que Scavone teceu para conduzir o leitor para longe das pistas que revelariam, antes da hora, o final da história. Apesar da boa técnica, a repetição seguida da estrutura com final surpresa não ajudou o conjunto. Finais surpresa são difíceis de manobrar e, se não forem sustentados por uma história poderosa, tornam-se armadilhas para o autor. Scavone escapou por pouco, salvo pela qualidade técnica de seu texto.
“Número transcendental” é o melhor conto do volume. Narra a história de um homem rico que, internado contra a sua vontade pela família num hospício, desenvolve um plano de fuga para recuperar o controle de sua vida e de sua fortuna. Mas, durante a ação, tem um inesperado e deslumbrante contato imediato com um grupo de seres alienígenas. Esquecido da fuga, o homem rico acaba por ser recapturado pelos seguranças do manicômio. Diagnosticado com um quadro de piora, perde assim a única oportunidade de fuga que jamais voltaria a ter.
“O menino e o robô” é um dos textos curtos mais conhecidos de Scavone, republicado diversas vezes. Conta o dramá de um técnico que vive em constantes viagens espaciais e que adquire um robô para fazer companhia a seu filho, que vive com a mãe na Terra. A máquina é programada com rotinas de empatia e fica muito ligada ao menino. Contudo o garoto adoece e morre, e o sofrimento dos pais revela-se não ser maior que o do próprio robô. Uma história tocante ao estilo de Ray Bradbury, e que discute alguns dos grandes temas do relacionamento humano.
“Passagem para Júpiter” é outro conto muito conhecido de Scavone, que emprestou o nome a outra de suas coletâneas. Trata de um cientista do ano de 2222, muito bem-sucedido em suas realizações na Lua e em Marte, mas que nunca deixou a Terra. Sua atenção agora se volta a Júpiter, então a fronteira da humanidade, pois somente lá, entre o desconhecido e o imponderável, poderia encontrar desafios que justificassem sair do planeta. Ele dedica seus esforços ao projeto, mas não percebe que o que o atrai de fato não é Júpiter em si. A história é surpreendente, mesmo depois de tantos anos, enxuta, correta e moderna.
“Flores para uma terrestre” é outro trabalho de laivos emotivos influenciados pela ficção bradburiana. Um astronauta está prestes a encerrar seu turno em uma estação mineradora em Titã, quando, durante uma de suas rondas, se depara com uma rara forma de vida que se assemelha a uma flor. Admirado com a descoberta, que poderia lhe trazer fama e fortuna, decide levá-la à Terra como definitiva prova de amor à sua noiva, que não vê há três anos. Em segredo, prepara tudo para que o espécime, que só pode sobreviver na atmosfera venenosa da lua saturniana, chegue a salvo ao destino e, contra todos os prognósticos, o plano dele dá certo. Ou quase.
O diálogo dos mundos é um volume de leitura obrigatória para todo aquele que pretende conhecer profundamente a ficção cientifica brasileira. A edição de GRD foi a primeira, mas o livro também tem outra edição, de 1965, pelo Clube do Livro, que é bem mais fácil de encontrar nos sebos, pois teve grande tiragem. Mesmo aquele que não pretende se especializar em fc, interessado apenas em desfrutar algumas horas de bom entretenimento, O dialógo dos mundos é leitura recomendável, repleta de sentimento, emoção, humor e maravilhamento frente a imensidão e os mistérios cósmicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário