O par: uma novela amazônica, Roberto de Sousa Causo. 140 páginas. São Paulo: Humanitas, 2008.
Novela de ficção científica do escritor paulista Roberto de Sousa Causo, premiado no concurso Projeto Nascente II promovido pela Universidade de São Paulo em 2001.
Conta a história do soldado Feitosa, desertor de uma força especial do Exército Brasileiro na selva Amazônica, nos anos 30 do século XXI. Depois de um pequeno desentendimento entre Feitosa e seus colegas, a tropa é enviada para as fronteiras de uma área isolada sob o assédio de forças estrangeiras, onde ocorrem fenômenos bizarros protagonizados por objetos voadores não identificados, possivelmente alienígenas. Quando o soldado se vê sozinho contra seus desafetos, há um confronto violento e, depois do tiroteio, Feitosa embrenha-se no território desconhecido.
Na mata profunda, depois de testemunhar a aparição de um esquadrão de OVNIs, o soldado desenvolve um abcesso na perna esquerda. Quando se defronta com um bando de caçadores ilegais, do qual apenas ele mesmo sobrevive, cai num sono pesado e, quando acorda, está acompanhado de uma jovem que em tudo lembra-lhe a falecida esposa; no local do abcesso resta apenas uma depressão cicatrizada. A mulher passa a acompanhá-lo em sua peregrinação pela mata fechada e surge entre eles uma ligação íntima, telepática e simbiótica. Deslocando-se sempre em direção ao norte e pretendendo se refugiar na Venezuela, o casal encontra uma aldeia de traficantes e tem de mais uma vez que entrar em combate para garantir sua sobrevivência.
Os meses passam e o soldado e seu par – que Feitosa já reconhece como uma criação dos alienígenas através de sua própria carne, embora ainda não saiba o por quê –, encontram-se com muitos outros pares, todos indo, sem saber o motivo, para um grande encontro com o destino próximo ao Pico da Neblina.
O trabalho retoma alguns dos temas preferidos do autor, como o ambiente da floresta Amazônica e seus povos nativos – vistos em Terra verde (Cone Sul, 2000) e A sombra dos homens (Devir, 2004) –, do soldado desgarrado – visto em "O infiltrado" (Dança das sombras, Caminho, 1999) e diversos outros contos do autor – e do contato com inteligências extraterrestres – mais uma vez, em Terra Verde e na novela Voo sobre o mar da loucura (M&C, 1998).
Causo faz o texto dialogar também com uma quantidade de referências não explícitas, como o romance O coração das trevas, de Joseph Conrad, os longa-metragens Contatos imediatos do terceiro grau, de Steven Spielberg, e O segredo do abismo, de James Cameron, e livros da ficção científica brasileira que têm na guerra pela posse da Amazônia um tema recorrente, como A guerra da Amazônia, de Carlos Bornhofen (Novo Século, 2004) e A ira da águia, de Humberto Loureiro (Literalis, 2007).
O isolamento da gigantesca floresta a coloca em pé de igualdade, como elemento dramático, aos espaços extremos da natureza, como a Antártida, as fossas abissais e o espaço sideral. Neste aspecto, é um lugar mais que adequado à aparição dos OVNIs.
A narrativa de Causo é consistente e o personagem principal é sólido, embora os demais sejam bastante simples, uma vez que entram e saem da trama em uns poucos parágrafos, quase sempre de forma violenta. Aliás, a violência é um parâmetro regulador na aventura do soldado Feitosa, que ora é vítima, ora é um algoz de frieza admirável. Para ele não importa a ética, desde que se sobreviva, e é este mesmo critério que vai determinar o destino do casal em seu último conflito.
Feitosa, transformado em caboclo, toma o destino nas próprias mãos e rejeita o estado e as forças da civilização, quase sempre mais ameaçadoras que a selva, por mais insalubre que seja.
De acordo com Marcello Simão Branco, “há uma simbiose temática entre o estranhamento do contato alienígena e das forças da Natureza, com uma crítica sociopolítica importante à situação hipócrita pela qual o Estado brasileiro – e boa parte da sociedade –, encara a chamada ‘questão amazônica’, no contexto das prioridades ambientais e econômicas do país”. (Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2005)
Isso porque as lideranças políticas e a opinião pública do Brasil parecem recear, como num pesadelo recorrente, perder a autoridade política sobre a Amazônia, ao mesmo tempo que nada fazem para ajudar, sequer compreender, as necessidades da floresta e sua gente, muitas vezes abandonados à própria sorte a partir de um discurso pseudo-preservacionista feito sob medida para justificar essa incompetência histórica.
Desse modo, O par cumpre, de forma brilhante, um dos fundamentos da ficção científica ao levantar uma das mais delicadas polêmicas nacionais e, ainda que não tenha a pretensão de apontar as soluções, apresentar uma visão crua das várias forças envolvidas nessa questão, que não deve, nem pode, ser preterida pelos brasileiros.
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