Antologia montada a partir de um concurso de contos promovido pela BHB – Eventos Culturais. Realizado pela internet entre 2006 e 2007, o concurso recebeu quase duzentos trabalhos que foram julgados por uma comissão formada pela doutora em direitos humanos Cristina Amich Elias, pela pedagoga Sônia Regina Malardé e pelos escritores Alexis Bernardo de Lemos e Ivan Carlos Regina. Foram escolhidos vinte e sete contos, cujo prêmio era justamente fazer parte deste volume, que propõe ser um recorte da ficção científica praticada no Brasil naquele período. O livro tem prefácio da brasilianista Elisabeth Ginway e apresentação das orelhas assinada por Marcello Simão Branco.
FCdoB repete a estratégia das antologias do saudoso Clube de Ficção Científica Antares que, na década de 1980, revelou alguns dos melhores autores da fc&f brasileira. O livro apresenta uma leva de autores novos, todos com textos bastante curtos, entre 750 e 6000 palavras. A seguir, resumo e comentários sobre os contos que formam o volume.
“Nos pântanos de Hansu”, Aguinaldo Inácio Peres. Piratas aproveitam a ingenuidade dos autóctones de um planeta alienígena para roubar deles uma matéria-prima valiosa.
“Solidão”, Alexandre Sant’Ana. Num tempo em que a clonagem humana é prosaica, mulher abandonada executa um plano mirabolante para recuperar a confiança de seu homem. Ideia razoável com desfecho eficiente.
“Sete dias”, Alexandre Santos Lobão. Universitário registra suas memórias recentes na tentativa de entender o que está acontecendo com seus colegas que começaram a manifestar habilidades que levarão ao fim do mundo.
“Sociedade Kabuki”, Alexandre Veloso de Abreu. Numa sociedade em que todos vivem nus e usam máscaras, uma prostituta tem um dia ruim.
“Planetas obliterados”, Alex de Sousa. Em tom de crônica histórica, conta como uma máquina automática tripulada por golfinhos causa um desastre ecológico num planeta florestal.
“Julieta do quarto livro”, Carlos Abreu. Excêntrico escritor de ficção científica é abordado por uma jornalista interessada em debater o quarto romance de sua série que, entretanto, nunca foi escrito. Texto muito divertido, com um leve toque metalinguístico.
“Alberto 2.0”, Cristiano Tavares. Um chefe de família decide submeter-se a uma cirurgia de implantes que lhe devolverão a empregabilidade perdida, mas que também vão destruir seu casamento. Boa ideia que guarda bem-vindos vínculos com a realidade.
“Assassinando o tempo”, Cristina Lasaitis. Cientista brasileira confirma a teoria da sua vida num acelerador de partículas construído em pleno sertão nordestino. A melhor virtude do conto é o contraste proposto entre o agreste e o ambiente futurista do acelerador.
“O visitante”, Daniel Brasil. Pesquisadores universitários inventam a máquina do tempo e, por acidente, trazem Ludwig van Beethoven para o presente.
“Connectville”, Davi Menossi Gonzáles. Morador de uma pacata cidade interiorana narra a instalação de uma estranha estrutura nos arredores de sua casa e como ela foi destruída pelo ataque de um disco voador. Um relato intrigante na tradição ufológica que caracteriza a ficção científica brasileira.
“Crepúsculo escarlate”, Denis Winston Brum. Explorador solitário em Marte tem contato imediato com alienígenas diáfanos, evoluídos e benevolentes.
“Os ovos”, Dóris Fleury. Cientista cinquentona entra em crise existencial depois de passar anos chocando ovos alienígenas. No saite A Escrevinhadora podem ser lidos outros de seus contos. Uma das melhores revelações dos últimos anos, embora não tenha seguido adiante no gênero.
“Super homem”, Edmundo Pacheco. Viajante espacial movido pela expectativa de ser o primeiro a pisar num mundo de outra galáxia, chega ao seu objetivo apenas para descobrir que, enquanto viajava, a humanidade desenvolveu-se ao ponto de lá chegar antes dele.
“O ato de Bangladesh”, Felipe Tazzo. Um coletor de lixo apresenta seus problemas, seus companheiros de trabalho e sua família, construindo um intrigante recorte de uma sociedade futurista. A história é simples porém extremamente bem redigida. Os personagens vívidos e interessantes têm potencial e merecem ser retomados numa obra de mais fôlego. O melhor trabalho da antologia.
“Mar negro”, Gabriel Boz. Depois que uma praga desconhecida e implacável devastou a vida no planeta, o último homem sobre a Terra cumpre o derradeiro desejo de sua recém-falecida esposa levando o cadáver para a beira do mar. Ao longo do caminho, um mundo devastado e, na praia, um encontro inesperado. Gabriel Boz, um dos editores do extinto fanzine Scarium, mostra um texto correto e feliz na escolha do tema, que sempre rende boas histórias.
“Mente S/A”, Augusto Guimarães. Jovem que passou por um tratamento de correção de personalidade tem problemas para se adaptar à nova estrutura mental. A ideia dialoga com o clássico da ficção científica A laranja mecânica, de Antony Burgess.
“Crimideia”, Gustavo Benitez Ribeiro. Pessoas recém-falecidas têm suas personalidades gravadas numa máquina, de forma que continuem a conversar com os vivos. A opinião pública é manipulada pelos políticos para aprovar o uso da máquina nos processos jurídicos, visto que as vítimas de assassinato podem apontar os criminosos.
“A biblioteca de Titã”, Joana Belarmino. Mulher passa algumas semanas na lua de Saturno, pesquisando uma biblioteca que tem todos os livros do universo. Sem qualquer conflito, o conto é apenas uma justa homenagem a Jorge Luiz Borges.
“Como se fosse essa noite a última vez”, João Paulo Vaz. Um homem tenta uma última noite de prazer com sua fogosa amante, sabendo que, no dia seguinte, perderá o seu implante peniano de alta tecnologia. Uma boa discussão sobre o sexismo exacerbado de nossos tempos.
“O bloco”, Jurandir Araguaia. Moradores de uma pequena cidade interiorana surpreendem-se com um bloco de pedra que surgiu repentinamente na praça principal. Um leve toque no objeto torna as pessoas felizes e isso transforma a cidade. Trabalho claro e despretensioso, forte em simbolismos.
“Caieiro e Alberta”, Leandro Malósi. Casal que joga sexo virtual pela internet decide se encontrar pessoalmente para dar números finais ao placar.
“A idade do lobo”, Leandro Carrion. Num futuro em que as mulheres foram quase extintas por uma doença incurável, um jovem jornalista, que sonha ser selecionado para reprodutor, envolve-se com um grupo terrorista que lhe dá um harém.
“O casal mais discreto de Malibu”, Leonardo Siviotti. O conto tem dois tempos distintos: a princípio, um casal conversa amenidades durante o café da manhã; depois, o narrador explica o resto da história.
“Memórias roubadas”, Maria Helena Bandeira. Preso num manicômio, jovem hacker que roubou as memórias de um figurão passa por uma egotrip durante uma entrevista terapêutica. Narrativa sincopada, com trechos da entrevista misturadas às memórias roubadas.
“Depois do homem”, Maria Teresa. Uma civilização de mutantes sucede o homem no domínio da Terra, mas sua sociedade sofre dos mesmos erros e vícios de seus antecessores. Em meio a intrigas, os pesquisadores descobrem nas ruínas da civilização humana as pistas da sua própria existência.
“Mãos grandes”, Paulo Virgílio D'Auria. Num futuro escravocrata no qual os trabalhadores especializados são projetados geneticamente, uma enfermeira apaixonada desafia a sociedade para viver uma história de amor.
“Lembranças”, Valentim S. Pereira. Um homem submete-se a experiência de mapeamento de memória e, por uma falha no procedimento, perde-se entre muitas identidades armazenadas em seu cérebro.
O resultado geral de FCdoB é irregular, natural nesse tipo de dinâmica editorial. A maior parte dos trabalhos não ousa ir além do já visto, o que confirma o pouco tráfego destes novos autores na ficção científica. A exceção da experiente Maria Helena Bandeira (falecida em 2013), a ausência dos nomes mais destacados da fc&f nacional refletia o desinteresse destes pelas promoções do fandom*. Uma seleção mais rigorosa, com menos contos, teria resultado numa antologia mais significativa no panorama fc&f brasileira, mas vale o registro dos movimento inicias do que é hoje chamado de Terceira Onda da ficção científica brasileira.
*A época da publicação, Cristina Lasaitis, hoje uma autora reconhecida, era recém-chegada ao ambiente da literatura fantástica.
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