Spectros, série de tv em sete episódios. Roteiro e direção Douglas Petrie. São Paulo: Moonshot Pictures, 2020.
A grande contribuição dos serviços de televisionamento por streaming foi a abertura de espaços mais generosos à produção local independente, antes só acessível a produtoras calçadas por grandes corporações econômicas, como as redes de tv aberta, por exemplo.
Desde que o canal Netflix exibiu, em 2016, a primeira temporada da série de ficção científica 3%, mais e mais produções nacionais têm chegado ao público, muitas vezes com relativo sucesso. Foi nessa mesma plataforma que estreou, em 2020, a série de horror sobrenatural Spectros, criação do roteirista e diretor Douglas Petrie, produzida pela Moonshot Pictures.
Conta a história de duas estudantes adolescentes que se envolvem com um marginal justamente na noite em que ele pretende roubar o templo de uma bruxa no bairro paulistano da Liberdade. As coisas complicam quando um homem em chamas surge e derruba uma velha boneca japonesa, objeto que parece ter o poder de reduzir as fortes dores de cabeça que há tempos torturam uma das garotas. Na fuga, num automóvel roubado, o grupo atropela e mata o tocha humana e todos acabam presos pela polícia. Mas há muitos segredos obscuros por trás daquela singela boneca e praticamente tudo o que circula pela Liberdade naquela noite concorre para complicar ainda mais a chances dos jovens chegarem vivos ao próximo nascer do Sol.
Fantasmas, mortos-vivos, maldições ancestrais e necromantes psicopatas são ingredientes que alteram a percepção do delicado ambiente da Liberdade, bairro tão conhecido e querido dos paulistanos.
A série de sete episódios tem um elenco baseado em atores jovens, como Danilo Mesquita (Pardal), Claudia Okuno (Mila), Mariana Sena (Carla), Enzo Barone (Zeca) e Drop Dashi/Pedro Carvalho (Zeca), além de atores veteranos como Carlos Takeshi (Celso), Miwa Yanagizawa (Zenóbia), Norival Rizzo (o pipoqueiro Mário) e Daniel Rocha (o detetive Ricardo).
A narrativa é movimentada, com muita correria e variação cenográfica, que vai de prédios abandonados e comunidades carentes, até construções históricas e cemitérios antigos. Mas exagera na amplitude geográfica do bairro, sugerindo uma extensão territorial muito acima da real: para aproveitar a cenografia da Rua da Glória, o grupo de jovens circula por ela continuamente de automóvel, num bairro que se atravessa a pé em meia hora, se muito. Talvez quem não conheça a Liberdade não perceba, mas isso prejudica muito a narrativa, alongando uma história que ficaria bem melhor em três ou quatro episódios.
Deixando tais detalhes de lado, Spectros engrossa a tendência da produção fantástica nacional inspirada em mitologia e folclore, que está fortemente presente na literatura de ficção e agora também na teledramaturgia, que já conta com outras séries nos canais de streaming como Cidade invisível (2021, Netflix), Desalma (2020, HBO Max), A todo vapor (2020, Amazon Prime) e Vale dos esquecidos (2022, HBO Max). Não deixa de ser interessante, afinal, tais iniciativas vinculam-se mais fortemente à cultura nacional e exploram aspectos raramente tratados por obras estrangeiras do segmento, mas é preciso muito cuidado para não se apropriar de culturas alheias e até em tratar crenças ainda vivas como se folclore fossem. Spectros, contudo, escapa bem desse risco, na medida que incorpora um elenco variado com predomínio de atores japoneses.
Como produção, Spectros entretém e traz para o debate uma série de temas significativos, como a tortura, a intolerância e o racismo, bem como a diversidade étnica e cultural do povo brasileiro. Os efeitos visuais são muito bons e todos os atores funcionam muito bem em seus papéis. Vale a pena assistir, desde que se tenha em mente que não se trata de um seriado americano: o ritmo é bem mais lento, mas o prazer de reconhecer os espaços e a realidade ali representados garante uma boa diversão.
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