Sua obra prima é O 31º peregrino (1993), uma novela também com viés ufológico, que se apropria do estilo de Os contos de Canterbury, obra do século XV do escritor inglês Geoffrey Chaucer. Scavone insere um 31º personagem a peregrinação à Catedral de Cantuária, uma mulher grávida e amaldiçoada que desequilibra o grupo. Ela sofre um destino trágico depois que testemunha o aparecimento de uma estranha luz no céu. A novela é forte e impactante, certamente uma das melhores obras da FC em língua portuguesa, resenhada no Anuário 2007.
Jerônimo Monteiro foi certamente a personagem principal daquela que chamamos a Primeira Onda da Ficção Científica Brasileira. Monteiro organizou toda a sua carreira em torno da ficção fantástica, como autor e editor, e entre seus muitos escritos importantes está o romance Fuga para parte alguma (1961), que conta a história do fim da civilização, vitimada pelo avanço de um outro ser vivo, melhor preparado para ocupar o ecossistema terrestre: a formiga. Suas imensas cidades subterrâneas, construídas sob as cidades humanas, acabam por destruir toda a infraestrutura da superfície, obrigando os humanos a saírem delas e procurar por lugares onde os vorazes insetos não possam chegar, o que parece impossível. Uma autêntica ficção científica aos moldes daquela praticada nos EUA, que ainda hoje é uma leitura perturbadora.
Um dos mais expressivos autores da fantasia brasileira foi, sem dúvida alguma, o goiano José J. Veiga. Suas histórias invariavelmente seguiam os caminhos do mistério e das coisas estranhas e não explicadas. Para Veiga, a fantasia era um modo de desnudar a alma de suas personagens, revelando os aspectos sombrios e insuspeitos das relações humanas.
Praticamente todos os seus romances são clássicos da fantasia e, entre eles, temos alguma FC, talvez um tanto alegórica para o gosto dos fãs mais empedernidos, mas nem por isso menos ficção científica do que se pode desejar. A hora dos ruminantes (1966), resenhado no Anuário 2006, conta a história de um pequeno povoado que, certo dia, percebe que uma grande operação está sendo realizada em suas redondezas. Muitos caminhões e trabalhadores chegam ao local, mas não há interação com os moradores, que ficam cada vez mais curiosos. Não se sabe o que se trata a tal operação, mas ela traz consequências dramáticas para a cidade, coisas das quais nunca mais poderão ser esquecidas.
Outro romance poderoso de Veiga é Sombras de reis barbudos (1972), a história mais FC do mestre. Trata-se de uma distopia política, aos moldes de 1984, de George Orwell, em que as pessoas de uma determinada comunidade são encarceradas em suas casas por altos muros e uma polícia política tão implacável quanto sem objetivo.
Veiga não esteve associado a nenhum grupo de FC&F, mas produziu alguns dos melhores textos do gênero e chegou a flertar com a história alternativa antes que qualquer outro brasileiro tivesse pensado em fazê-lo. Em A casca da serpente (1989), Veiga traça uma linha histórica alternativa para a Guerra de Canudos, na qual Antônio Conselheiro não morre. Uma premissa muito instigante, com certeza.
Outra história de ficção científica alegórica e perturbadora é Asilo nas torres (1979), de Ruth Bueno. Resenhada no Anuário 2009, é uma novela com um criativo tratamento formal. Conta a história de duas mulheres em tudo opostas, que vivem à sombra de três altíssimas torres que abrigam uma repartição pública industrial, onde praticamente todos trabalham. Não há, aparentemente, mais nada na vida das pessoas além do que as próprias torres, e todos vivem em função delas. Aos poucos, as duas mulheres vão sendo confrontadas, com um final poético e redentor.
Dentre os grandes autores da primeira onda da ficção científica brasileira, um dos poucos que ainda está vivo é André Carneiro. Como todos os outros, a obra de Carneiro é mais retumbante na ficção curta, mas ele tem pelo menos um romance muito significativo, Piscina Livre (1980), resenhado no Anuário 2005. A história fala de uma utopia sexual futurista, na qual os tabus foram superados e as mulheres usam livremente os serviços da Piscina Livre, uma espécie de prostíbulo masculino onde as mulheres podem gozar momentos de satisfação com andróides especialmente desenvolvidos para esse fim. Mas nem tudo é perfeito nesse futuro de total liberdade sexual. Um romance importante que resume perfeitamente as ideias deste que é o mais feminista autor da FC brasileira.
Na minha opinião, o melhor de todos os romances da ficção científica em língua portuguesa é o incisivo Não verás pais nenhum (1981), de Ignácio de Loyola Brandão, extensamente comentado no Anuário 2006. Parte de um projeto do autor, iniciado com o romance Zero (1975), Não verás país nenhum é uma distopia que acompanha os descaminhos políticos e econômicos de um país em que a ditadura militar se perpetua, cometendo absurdos sobre absurdos, tudo testemunhado por um protagonista impotente que tenta sobreviver me meio ao caos. Deveria ser leitura obrigatória para o vestibular. Infelizmente, é o único romance de FC de Brandão, que tem alguns contos muito bons também.
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