Depois de um prolongado hiato (seu último livro, Reis de todos os mundos possíveis, foi publicado em 2013 pela Draco), o professor e escritor carioca Octavio Aragão, que muitos conhecem como o pai da franquia Intempol, retornou em 2018 com o romance A mão que pune: 1890, pela Caligari, selo da Editora CJT, do Rio de Janeiro. Trata-se de uma aventura de ficção científica de contorno steampunk, pulpesca e movimentada, no mesmo ambiente de seu primeiro romance A mão que cria (Mercuryo, 2006), com uma profusão de personagens da ficção contracenando com personalidades históricas, num resultando que fica entre a ficção alternativa e história alternativa.
A história de A mão que pune: 1890 ocorre numa realidade histórica já bastante alterada pelos eventos do volume anterior. A França, ambiente dos primeiros movimentos da narrativa, é uma república presidencialista que tem o escritor Julio Verne como chefe de Estado. A confiança de Verne na ciência e suas ideias tecnologicamente inovadoras tornaram o pais uma potência do século XIX, na qual cientistas pesquisam todo tipo de bizarrices. Experiências com seres humanos, por exemplo, são muito frequentes e os resultados deles trarão muitos problemas para o protagonista, o jornalista Angelo Agostini, cartunista ítalo brasileiro que inicia a história em Paris, desolado com a morte recente da amante e um filho bebê para cuidar. Ao visitar a Feira Mundial de Paris, em 1890, Agostini reconhece D. Pedro II, imperador do Brasil, que está em Paris em segredo para tentar obter a cura para uma doença misteriosa que está matando seu filho. Mas a França está a beira de uma guerra promovida por um grupo extremista que pretende fazer uso dos mortos-vivos de Dr. Frankenstein como principal força de ataque contra os híbridos entre homens e animais advindos das pesquisas de um certo Dr. Moreau, que formam a guarda pretoriana do regime verniano. A essa problemática já bastante complicada, acrescente-se o sequestro do filho de Agostini e uma batalha de dirigíveis nos céus do Brasil, regada a generosas doses de violência e pirotecnia, e temos como resultado final uma história extremamente movimentada e muito difícil de compreender.
A estrutura narrativa barroca é uma das assinaturas estilísticas de Aragão, que geralmente começa suas histórias em ritmo leve e convencional, mas acelera constantemente de forma que, a certa altura, a narrativa fica tão frenética que é como tentar acompanhar um filme projetado em alta velocidade. Além disso, a grande quantidade de personagens similares – todos são maus e violentos – torna a identificação de quem matou quem num complexo quebra cabeças no qual as peças não se encaixam muito bem. Fica a amarga sensação de que perdemos alguma coisa pelo caminho, justamente aquilo que seria a chave para o entendimento pleno da história.
Mas, na verdade, não há nem nunca houve chave alguma. Aragão é um autor que trabalha mais no nível das sensações do que da racionalidade, ou seja, suas histórias são para serem sentidas, não compreendidas. A tecitura narrativa não-linear soa algo desordenada, como uma história contada através de fragmentos aleatórios extremamente intensos. É como se o leitor fosse um soldado no front de uma batalha, tão absorvido pela necessidade de manter-se vivo em meio a barafunda que não consegue ter uma visão geral do que está acontecendo. Por ver a coisa de muito perto, perde toda a perspectiva.
É praticamente impossível ser mais preciso quanto aos contornos da história deste romance. Isso pode ser uma vantagem, pois também é praticamente impossível dar spoillers. Mas é certamente uma peça impressionante, tanto que conveceu os conservadores membros do Clube dos Leitores de Ficção Científica a dar-lhe o prêmio Argos de melhor romance de 2018 (o Prêmio Argos é votado apenas pelos associados do referido Clube e escolhe, anualmente , os melhores textos originais longo e curto da ficção fantástica brasileira).
Christopher Kastensmidt, escritor texano radicado no Brasil e autor dos contos da série A Bandeira do Elefante e da Arara, assina um prefácio que entra na brincadeira de Aragão, antecipando o nonsense que se multiplicará nas páginas seguintes.
Por isso tudo, não há necessidade de ler A mão que cria para fruir A mão que pune. Se você ficar com a impressão que perdeu algo, relaxe. A ideia é essa mesmo.
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