Aconteceu muito rápido e ninguém nunca soube de onde veio o miasma que cobriu todo o planeta em algum momento de um futuro não muito distante. Quem respirava a névoa morria em dolorosa agonia, pelos menos esse foi o destino daqueles que tiveram sorte.
Os arranha-céus das cidades futuristas, com centenas de andares, proporcionaram a uns poucos a possibilidade de sobreviver nos níveis mais altos, acima da névoa venenosa. Ali, esses miseráveis fundaram uma nova sociedade dominada por leis draconianas, devido a escassez extrema recursos, especialmente de energia, comida e água. Abaixo da linha da névoa, a vida também mudou. Humanos e animais transformados em selvagens antropófagos chamados de sombras, eventualmente sobem as escadas para caçar os últimos seres humanos encurralados no topo dos edifícios.
Nesse ambiente insalubre vivem Beca e Edu, filhos de Lion, cidadãos da comunidade de Nova Superfície, sobreviventes que habitam um conjunto de prédios cuja sede está localizada nos últimos andares da Torre, o mais alto edifício da antiga megalópole de Rio-Aires. Beca é uma mergulhadora, exploradora especializada que, fazendo uso de cabos e outros equipamentos de escalada, desce aos andares próximos à linha da névoa em busca de qualquer dispositivo remanescente da antiga tecnologia que possa ser reaproveitado. Enquanto Beca cumpre a parte braçal do processo, Edu, seu irmão mais novo, e Lion, seu pai, um mergulhador aposentado, ficam numa central de computadores monitoranto os movimentos de Beca e mantendo cosntante contato de rádio de forma a mantê-la viva durante a missão. A história inicia durante uma dessas incursões, na qual Beca procura por um tipo de bateria de energia infinita cuja localização lhe foi passada por Rato, um informante não muito confiável. A operação acaba comprometida por um conflito com outra equipe de mergulhadores, e Beca acredita que foi traída por Rato.
Esse desentendimento inicial progride a um conflito mais sério quando Edu, ao participar de um mergulho, acaba despencando para dentro da névoa, onde desparece completamente. Tudo leva a crer que Edu morreu, mas Rato pensa que ele ainda vive em algum lugar na superfície. Desesperados para resgatar Edu, Beca e Lion convencem os governantes de Nova Superfície a organizar uma missão de resgate na região dominada pela névoa venenosa e pelos sanguinários mutantes. E a aventura vai revelar muito mais sobre o que está por trás da névoa, de onde ela veio e por quê, e o papel de cada um nesse drama mortal.
A torre acima do véu é um romance originalmente publicado em 2014, pela Giz Editorial, e é essa a edição tratada nesta resenha. A autora, Roberta Spindler, é paraense de Belém e publicou anteriormente o romance Contos de Meigan: A fúria dos cártagos, em parceria com a também paraense Oriana Comesanha, publicado em 2012 pela Editora Dracaena. Também teve publicado o romance Heróis de Novigrat (Suma, 2018), já resenhado aqui.
Spindler tem um texto maduro e bem modelado, sem experimentalismos formais, seguindo a risca todos os protocolos da ficção de gênero numa mescla de fantasia, terror e ficção científica acessível aos leitores mais jovens para quem sua ficção é dirigida. Os personagens são estruturados com motivações bem calçadas, o que dá verossimilhança ao drama ainda que seja todo crivado de situações hiperbólicas incríveis. É justamente o bom desenvolvimento dos personagens que fleva o leitor a avançar, preocupado com o destino deles.
A produção da Giz é caprichosa, com ótima revisão de Sandra Garcia Cortez e a expressiva ilustração de Rafael Victor que já bastou para capturar a minha atenção, numa das mais instigantes capas da ficção fantástica brasileira recente.
Enquanto aguardamos a já anunciada continuação para A torre acima do véu, o romance acaba de ganhar nova edição pela Editora HarperCollins Brasil. Vale a leitura deste e dos demais trabalhos de Roberta Spindler, que tem progredido rapidamente no espaço editorial brasileiro.
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