Associação Judaica de Polícia (The Yiddish Policemen's Union), Michael Chabon. 472 páginas. Tradução de Luis Antônio de Araújo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
O escritor americano Michael Chabon impactou o ambiente literário com seus livros anteriores, Garotos incríveis (Wonder boys, 1995), As incríveis aventuras de Kavalier & Clay (The amazing adventures of Kavalier & Clay, 2001, prêmio Pullitzer) e Summerland (2002), livros que margeiam a literatura de gênero. E ninguém diria que Associação Judaica de Polícia fosse um texto fantástico. Afinal, não seria de surpreender caso existisse mesmo uma Associação Judaica de Polícia. Mas o livro chegou ao Brasil referendado pelos prêmios Hugo, Nebula e Sidewise, portanto, deve estar instalado em algum lugar entre a ficção científica e a fantasia. O interessante é que não dá para dizer exatamente onde. Há uma premissa de história alternativa, mas ela é apenas uma base cenográfica, já que está claro que o que importa a Chabon não é fazer exercícios acadêmicos de historiografia.
Trata-se da história do detetive de polícia Meyer Landsman que, tarde da noite, é chamado pelo gerente do hotel decadente onde mora para ver o que aconteceu a outro morador, um jovem viciado em heroína que foi executado em seu quarto. O estranho morto a tiro é um judeu, como são todos ali em Sitka, cidade litorânea do estado do Alasca. Ao seu lado, um tabuleiro de xadrez com as peças distribuídas numa organização improvável. O detetive faz seu trabalho meticulosamente, aciona o polícia técnica e decide assumir a investigação do caso porque, afinal, ninguém devia ter matado um vizinho dele. Landsman se coloca assim no rastro de um plano terrorista que envolve um atentado a cidade de Jerusalém, o advento do messias dos judeus, a descoberta dos reais motivos da morte de sua irmã alguns anos antes, e a redenção de sua vida miserável.
Na realidade dessa linha histórica, a segunda guerra mundial teve um desfecho ligeiramente diferente. Chabon não detalha essas condições mas, num certo momento, cita uma explosão nuclear em Berlim. Mas o grande efeito visível é que o estado de Israel não foi implementado na Palestina, como em nossa realidade. Sem pátria, os judeus espalhados pelo mundo foram abrigados temporariamente no Alasca, com alguma autonomia política, mas a hora de devolver o território aos EUA se aproxima e a maioria daqueles quatro milhões de judeus não tem a menor ideia para onde ir, uma vez que Israel não existe e ninguém parece muito ansioso em receber esse contingente sem-teto.
O instável estado político reflete-se nas reações entre as personagens. Ali desfilam dramas e idiossincrasias de uma comunidade judia em desconstrução, com rabinos mafiosos, um agrimensor que tem a estranha tarefa de tornar santos os caminhos do judeus ortodoxos, jogadores de xadrez (o único jogo que um judeu pode praticar), enxadristas que mais parecem espiões da guerra fria, milícias paramilitares e um casca-grossa chefe de polícia indígena.
Aos poucos conhecemos a personalidade de Landsman, seus amigos e parentes, como seu parceiro Berko Shemets, um enorme índio tlingit mestiço judeu, que carrega um martelo de guerra que faz tremer o mais valente dos capangas. E sua ex-esposa Bina Gelbfish que, não por acaso, acaba por ser sua chefe de departamento. Landsman ainda nutre algum carinho por ela, mas que os pecados do passado dificultam uma reaproximação.
Está explícita a inversão de valores que Chabon faz com o atentado de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas de Nova York. A imagem das colunas de fumaça negra elevando-se de uma Jerusalém destruída, transmitidas em rede mundial de televisão e sendo festejada às lágrimas pelos militantes judeus, é bastante reveladora. Onde você estava quando Jerusalém queimou?
Chabon adota neste livro um projeto similar ao que vimos em Laranja mecânica (A clockwork orange, 1962), de Anthony Burgess, com um amplo uso de neologismos e gírias inventadas a partir de palavras iídiches e alemãs, associadas ao inglês americano. Um pequeno dicionário ao final ajuda na compreensão desse linguajar. A narrativa é naturalista e seca, de humor irônico muito ácido, com influências óbvias do romance policial de Dashiell Hammett e Raymond Chandler. Traz imagens detalhadas que transportam o leitor para aquele ambiente setentrional e, em alguns momentos, flerta até com o faroeste.
Na falta de uma classificação precisa, vamos dizer que Associação Judaica de Polícia seja uma peça de história alternativa. Só para facilitar a percepção de que, de fato, não é.
O romance foi bem recebido no mainstream e teve os direitos reservados para o cinema pelos respeitados irmãos Joel e Ethan Coen.
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