A revolução dos bichos (Animal farm), George Orwell, adaptado e ilustrado por Odyr a partir da tradução de Heitor Aquino Ferreira. 178 páginas. São Paulo: Editora Companhia das Letras, selo Quadrinhos na Cia., 2018.
Há alguns anos, a adaptação de obras literárias para os quadrinhos tornou-se uma verdadeira febre no mercado editorial brasileiro. Todos os anos, dezenas de títulos dessa linha chegam às livrarias, de olho na lucrativa possibilidade de entrar para o listão do MEC, ou seja, convencer o governo federal que era importante colocar o título a disposição dos estudantes nas bibliotecas escolares do país.
O governo foi o maior comprador desse tipo de publicação até que a crise econômica, política e moral que assola o país desde meados de 2015 atingiu o mercado editorial como uma bomba atômica: a bolha furou e impérios começaram a desmoronar, tanto das editoras como das livrarias. Toda a produção editorial foi impactada pela recessão econômica e com a forte redução das compras do governo, as adaptações – bem como todos os demais modelos narrativos – rapidamente perderam o espaço do qual gozavam.
Hoje, são raras as iniciativas de adaptações, por isso é de se admirar que a editora Companhia das Letras tenha investido nesta adaptação da famosa novela de George Orwell, A revolução dos bichos, um dos maiores clássicos da literatura universal, um libelo contra o autoritarismo que tanto a direita quanto a esquerda reivindicam para o seu próprio arcabouço.
Orwell, batizado como Eric Arthur Blair (1903-1950), era cidadão britânico nascido na Índia e cedo se encantou com as lutas revolucionárias. Passou sua juventude no submundo europeu entre dificuldades e privações, engajou-se na militância comunista e chegou a lutar na revolução espanhola contra o ditador Francisco Franco. Sua desilusão com os rumos do comunismo na Rússia o tornou um feroz crítico da capacidade humana de degradar tudo o que toca, do qual A revolução dos bichos, publicado em 1945, é o exemplo mais agudo, ao lado de outro de seus clássicos, o denso e aterrorizante 1984, publicado três anos depois.
A história, dividida em dez capítulos, conta como os animais de uma fazenda britânica, insuflados pelas ideias libertárias de um velho porco, empreendem uma revolução contra o proprietário alcoólatra e assumem o controle do lugar. Esses animais, é claro, têm certas faculdades intelectuais e realmente conseguem assumir o trabalho, mas terão de enfrentar duras batalhas contra o proprietário expulso, que tenta retomar a propriedade com a ajuda de homens do vilarejo. De vitória em vitória, sempre com muita dificuldade, os animais se impõem, mas as coisas complicam quando surgem as primeiras divergências internas: os porcos, líderes da revolta, entram em conflito entre si e daí advém o que sempre acontece quando o poder torna-se um fim em si mesmo.
É interessante ver sendo esboçados nesta história os conceitos de duplipensar – que iriam atingir grau máximo em 1984 –, como na máxima: "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros", que talvez seja uma das frases mais famosas da literatura mundial, ao lado das citações shakespearianas "Ser ou não ser, eis a questão" e "Há algo de podre no reino da Dinamarca". A revolução dos bichos, assim como 1984, foi um dos livros mais levados pelos cidadãos brasileiros às urnas na última eleição presidencial, e os motivos são bastante óbvios.
Além do valor indiscutível desta obra, que é leitura obrigatória para estudantes em muitos países do mundo, a edição ganha o reforço luxuoso da narrativa em quadrinhos de Odyr, experiente ilustrador gaúcho de Pelotas que, num belíssimo estilo expressionista em cores brilhantes torna a já poderosa experiência literária ainda mais intensa. O cenário rupestre e a aparente beatitude dos animais da fazenda, dos quais conhecemos bem a mansidão, ganham contornos dramáticos que beiram o insuportável. Talvez se víssemos homens matando-se uns aos outros não percebêssemos o mesmo nível de crueldade. Para quem não leu ainda o livro de Orwell, esta adaptação de Odyr é uma bela introdução, que realmente motiva o leitor a buscar pelo texto original, um efeito raro em outras adaptações.
Se há uma adaptação literária que deveria obrigatoriamente figurar nas bibliotecas escolares, com certeza é esta. Se vai chegar a isso, é um destino que, neste momento, é muito difícil prever. Afinal, discursos contra o autoritarismo não costumam ser muito populares em regimes autoritários. Tomara que eu esteja enganado...
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