Criado pelo jornalista e ilustrador belga Georges Prosper Remi, ou Hergé (1907-1983), Tintim é um caso especial nos quadrinhos não só devido à elevada qualidade gráfica e narrativa, mas também às polêmicas que o acompanham desde sua estréia.
Em 1929, Hergé trabalhava no jornal católico Le Vingtième Siècle, como editor do suplemento infantil Petit Vingtième, quando recebeu do diretor do jornal a encomenda de uma história em quadrinhos na qual houvesse um menino e um cachorro. Hergé criou Tintim, um jovem jornalista investigativo que, em sua primeira aventura, acompanhado de um fox terrier chamado Milu, visita a então União Soviética na série Tintim no país do Sovietes (Tintin au pays des Soviets).
Publicada em capítulos, a história causou furor entre os leitores. Tanto que, no dia em que seria publicado o último episódio, o jornal promoveu, com atores reais, a dramatização da chegada de Tintim a Bruxelas, e milhares de jovens correram ao porto para ver o personagem desembarcar.
Hergé não conhecia a União Soviética e baseou a narrativa no livro Moscou sans voile, do ex-cônsul belga na Rússia, Joseph Douillet, cuja visão da política soviética não era nada favorável. Seus conceitos foram repetidos por Hergé, o que lhe valeu muitas polêmicas, incluindo sua censura na China, que dura até hoje. Contudo, vistas pelo distanciamento histórico de hoje, as críticas feitas por Hergé não estavam muito distantes da realidade do comunismo soviético.
Em 1931, Hergé produziu Tintim no Congo (Tintin au Congo), na qual o personagem viaja à então colônia belga na África. Hergé também nunca havia visitado o Congo e produziu um trabalho repleto de estereótipos e preconceitos sobre o povo africano, além de uma opinião geral a favor do colonialismo. Mais tarde, Hergé reconheceu os erros da obra e a redefiniu, amenizando seus aspectos mais agudos, mas ainda hoje o trabalho colhe críticas e processos legais em diversas partes do mundo. A seu favor, contudo, cabe dizer que Tintim no Congo é o álbum mais popular do personagem na África.
Nos anos seguintes, Hergé produziu histórias com cada vez maior qualidade, como Tintim na América (Tintin en Amérique, 1932), Os charutos do faraó (Les cigares du pharaon, 1934) e O lótus azul (Le lotus bleu, 1936), uma história que se passa na China ocupada pelos japoneses, na qual o autor contou com a assessoria de Tchang Tchong-Jen, chinês nativo que demonstrou a Hergé o valor de uma boa pesquisa. Daí em diante, o trabalho de Hergé ganhou contornos mais realistas e apurados, como se pode ver em O ídolo roubado (L'oreille cassée, 1937), A Ilha Negra (L'Ile Noire, 1938) e O cetro de Ottokar (Le sceptre d'Ottokar, 1939).
Com a ocupação da Bélgica pela Alemanha em 1940, o jornal Le Vingtième Siècle foi fechado, e as aventuras de Tintim passaram a se publicadas no jornal Le Soir, sob autorização do governo nazista. As histórias desse período são menos políticas, como O caranguejo das pinças de ouro (Le crabe aux pinces d'or, 1941), que nos apresentou o irascível Capitão Haddock, A estrela misteriosa (L'étoile mysterieuse, 1942), O segredo do Licorne (Le secret de la Licorne, 1943) e O tesouro de Rackham o Terrível (Le trésor de Rackham le Rouge, 1944), no qual surgiu o Professor Girassol, o genial cientista meio surdo.
Em 1942, a Editora Casterman comprou os direitos de publicação de Tintim e implantou o formato de álbum em cores, que hoje caracteriza as edições franco-belgas. Todas as histórias antigas foram adaptadas para o novo padrão, exceto Tintim no País do Sovietes, que nunca foi retrabalhado, sendo até hoje republicado exatamente como na primeira vez, em preto e branco.
Com a retirada das tropas nazistas em 1944, Tintim parou de ser publicado no Le Soir. Hergé retomou o ritmo de publicação em 1948, com As sete bolas de cristal (Les sept boules de cristal), O templo do Sol (Le temple du Soleil, 1949) e Tintim no país do ouro negro (Tintin au pays de l'or noir, 1950).
Em pleno clima de Guerra Fria, Hergé levou seus personagens a uma alunissagem bem sucedida quinze anos antes do Projeto Apolo, em Rumo à Lua (Objectif Lune, 1953) e Explorando a Lua (On a marché sur la Lune, 1954). É curioso notar que a história apresentou idéias que, mais tarde, os cientistas da NASA aproveitariam na viagem real.
Completam a obra de Hergé, O caso Girassol (L'affaire Tournesol, 1956), Perdidos no mar (Coke en stock, 1958), Tintim no Tibete (Tintin au Tibet, 1960), As jóias da Castafiore (Les bijoux de la Castafiore, 1963), Vôo 714 para Sydney (Vol 714 Pour Sydney, 1968) e, o último deles, Tintim e os Pícaros (Tintin et les Picaros, 1976). Hergé nunca concluiria a produção de Tintim e a Alfa-Arte (Tintin et l'Alph-Art), publicado postumamente em 1986.
Tintim ainda contou com três histórias originais levadas ao cinema com atores reais: Tintim e o mistério do Tosão de Ouro (Tintin et le mystère de la Toison d'Or, 1961), Tintim e as laranjas azuis (Tintin et les oranges bleues, 1964) e Tintim e o lago dos tubarões (Tintin et le lac aux requins, 1972).
As histórias chegaram à televisão nas séries de desenhos animados Les aventures de Tintin, d'après Hergé, produzida pela companhia belga Belvision em 1961, e The adventures of Tintin, da canadense Nelvana, produzida em 1991.
Traduzido para mais de cinqüenta línguas, com duzentos milhões de exemplares vendidos e uma coleção de prêmios internacionais, Tintim completou oitenta anos de publicação em 2009, sem perder o vigor narrativo e sem esgotar as polêmicas, sinal da grande profundidade artística, histórica e sociológica do trabalho e das idéias de Hergé, que deixou um legado importantíssimo na história da arte dos quadrinhos e da cultura pop, que influencia artistas em todo o mundo. No Brasil, Tintim é atualmente publicado pela Editora Companhia das Letras.
Mais sobre o novo filme de Tintim no cinema no Um blog em quadrinhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário