quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Resenha: Bestiário, Júlio Cortázar

Bestiário
(Bestiario), Júlio Cortázar, 112 páginas, tradução de Remy Corga Filho. São Paulo: Edibolso, 1977. Publicado originalmente em 1951.

Bestiário é uma coletânea com oito contos do escritor argentino Júlio Cortazar (1914-1984), publicada originalmente em 1951. O autor é vinculado ao fantástico latinoamericano, ao lado de Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Gabriel Garcia Marques, mas apresenta um estilo muito particular que o identifica perante seus colegas. 
Cortázar nasceu na Bélgica, mas foi criado na Argentina desde os três anos de idade. Mais tarde, naturalizou-se francês, em protesto contra a ditadura na Argentina. Seus textos muitas vezes se aproximam do surrealismo, escola com a qual também é identificado. 
Os contos desta coletânea são todos curtos, mas a leitura não é fácil nem divertida: são textos perturbadores e dolorosos. Realistas, quase sempre poderiam ser instalados no mundo real sem muito mistério mas, mesmo assim, carregam estranhamento suficiente para torná-los eventos incomuns; cada um proporciona ao leitor uma experiência estética profunda e singular. 
O conto de abertura é "Casa tomada": um casal de irmãos habita uma mansão que, aos poucos, vai sendo invadida por estranhos. "Carta a uma senhora em Paris" é um relato epistolar em que a missivista acredita vomitar coelhos. "A distante" mostra um trecho do diário íntimo de uma mulher que tem vislumbres trágicos de uma outra vida, não necessariamente dela. "Ônibus" relata o início do passeio de uma doméstica em seu dia de folga. Ela embarca em um ônibus metropolitano em que acontecem coisas muito estranhas. "Cefaleia" narra o dia a dia de um casal numa granja de mancuspias (um animal imaginário). Contudo, os granjeiros são regidos por uma fixação em doenças. "Circe" é o conto mais simples, sobre um rapaz que flerta uma garota cujos  noivos anteriores morreram em condições misteriosas. O nome do conto meio que entrega, mas o final não é tão previsível. Em "As portas do céu", dois jovens de luto vão espairecer em um barzinho e lá tem uma experiência algo metafísica. "Bestiário", que encerra e dá nome a seleta, é uma espécie de Sítio do Picapau Amarelo à moda portenha, ou seja, não é para crianças. Uma garotinha vai passar as férias na fazenda dos tios que estão com problemas no casamento, mas todos sempre têm de estar muito atentos para evitar um tigre que vaga entre os aposentos da residência.
A edição deste resenha é de 1977, publicada pela Edibolso; tem 112 páginas e tradução de Remy Corga Filho. Mas há edições mais recentes disponíveis nas livrarias, inclusive uma de 2025 pela Companhia das Letras. Leitura obrigatória para todos que pretendem conhecer os traços identitários da ficção latinoamenricana e brasileira. 
Parafraseando o ditado, com Cortázar não se aprende pelo amor, mas pela dor.

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