Deuses renascidos: Livro 2 dos arquivos Têmis (Waking gods), Sylvain Neuvel, 392 páginas. Tradução de Mateus Duque Erthal. Editora Companhia das Letras, selo Suma das Letras, São Paulo, 2017.
No primeiro volume da série Arquivos Têmis, Gigantes adormecidos, publicado em 2016 pela Companhia das Letras e comentado aqui, vimos como um colosso de metal em forma de mulher foi montado a partir de partes pré-fabricadas enterradas há milênios em diversas regiões distantes da Terra. Reunidas por um departamento secreto do governo norte-americano a montagem foi supervisionada pela acadêmica Rose Franklin, uma especialista no artefato que em sua infância havia achado uma das mãos da gigante. Uma vez montada, a máquina revelou ser algo de origem extraterrestre, cuja pilotagem exigia duas pessoas com habilidades e genética especiais, além de características físicas um tanto perturbadoras. As dificuldades na anatomia, bem como em compreender a linguagem e os controles da máquina, resultaram na operacionalidade parcial do artefato que, mesmo assim, se tornou a mais poderosa arma de guerra do planeta, capaz de sozinha destruir um exército bem armado antes de sequer ser arranhada. Sua simples existência lança a humanidade num dilema, pois quem detiver o controle do robô gigante, mandará no mundo. O problema é que as pessoas por trás do robô, incluindo seus esforçados pilotos, são pessoas cheias de defeitos e paixões, e tudo nem sempre sai como se espera. Quando Rose morre num acidente, parece que as coisas podem perder completamente o controle, mas ocorre o impensável: Rose retorna ressuscitada, mas numa "versão reiniciada" que não entende muito bem tudo o que está acontecendo. Quem a ressuscitou, como e por que são alguns dos mistérios que vamos tentar entender na leitura de Deuses renascidos.
Mas a história da robô – que ganhou o simpático nome de Têmis – e do apaixonado casal que o comanda, a piloto militar Kara Resnick e o linguista Vincent Couture, não se resume às paranoias de Rose. Acontece que apareceu um segundo robô na Terra, surgido do nada em pleno centro de Londres, um monstro ainda maior que Têmis, desta vez na forma masculina. Ninguém sabe de onde veio nem se há alguém dentro dele, pois desde que apareceu não se moveu um só milímetro. A organização que controla Têmis decide levá-la até o monstro que parece ter vindo do mesmo lugar que ela, mas o exército britânico decide não esperar e, de olho na possibilidade de ter seu próprio robô, empreende um ataque ao gigante antes que Têmis tenha a chance de confrontá-lo. O resultado é catastrófico: ao sentir-se ameaçado, o robô entra em ação e simplesmente pulveriza as forças de ataque, atingindo uma grande área habitada da cidade no processo. O confronto dos dois monstros de metal é inevitável, e tudo parece indicar que Têmis não terá a menor chance. Para complicar, Kara descobre que a cientista psicopata Alyssa Papantoniou, que a submeteu a experiências dolorosas no primeiro romance, obteve sucesso ao fecundar um óvulo retirado dela, e em algum lugar na América, ela tem uma filha que está agora com dez anos e corre o risco de ser sequestrada por espiões de países interessados em deter uma possível piloto para a Têmis. E como tragédia pouca é bobagem, surgem outros treze robôs similares nas mais populosas cidades mundo, e cada um deles passa a atacá-las com um gás mortal que devasta as populações em segundos. Mesmo com Têmis completamente operacional já seria praticamente impossível enfrentar tantos adversários mas, justamente nessa hora, Têmis desaparece dos radares e tudo leva a crer que é chegado o fim da humanidade. Há uma saída, contudo, porque os alienígenas não querem de fato destruir a humanidade. Mas, para obter o direito de sobreviver, será necessário entender a psicologia alienígena e dar-lhes a única resposta adequada possível.
É nesse cenário apocalíptico que se desenrola a sequência da aventura de ficção científica escrita pelo canadense Sylvain Neuvel, que está subdividida em quatro partes: "Parentes e amigos", "Tudo em família", "Unha e carne" e "Parente próximo". O autor sustenta o mesmo modelo narrativo adotado no primeiro volume, contando a história através de memorandos, artigos de jornal, transcrições de entrevistas, relatórios de missões e outros documentos que, tal como uma colagem, montam aos bocadinhos a imagem final dessa tragédia de proporções planetárias. Cada documento tem seu próprio espaço e tempo, com personagens surgindo e desaparecendo, de forma que nem mesmo os nossos queridos protagonistas estão completamente fora de perigo, e o autor tem ampla liberdade para ser muito cruel.
Como estamos no segundo volume de uma prometida série de três e embora algumas coisas até sejam definidas, mais uma vez não há uma conclusão satisfatória ao enredo. O terceiro e último volume, Only human, está anunciado no perfil do autor no Twitter para sair nos EUA em maio próximo, e deve chegar ao Brasil ainda em 2018. Enquanto isso, leia Deuses renascidos. E também Gigantes adormecidos, se ainda não o fez.
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