A Editora Ornitorrinco colocou em pré-venda O estigma do Feiticeiro Negro, novo romance de Miguel Carqueija em parceria com Melanie Evarino, com uma história ao estilo da alta fantasia, com muita aventura, humor e personagens cativantes.
Fui convidado pelo autor para escrever um prefácio para o romance quando ainda estava sem editora. Como o texto ficou fora da edição final, publico-a a seguir:Homenagens, personagens saborosos e uma discussão importante.
Nos últimos anos, especialmente ao longo da primeira década do século XXI, muitos romances de Alta Fantasia têm sido publicados no Brasil. Esse subgênero da Fantasia, que se dedica à criação de mundos e realidades completas, é ainda pouco desenvolvido no país, que tem uma tradição mais consolidada no realismo fantástico. Contudo, neste momento, uma infinidade de autores jovens vêm se dedicando à ele. São, em geral, trabalhos recursivos, apoiados em textos de autores de mercados nos quais o gênero é mais desenvolvido.
Longe de ser um pecado mortal, como afirmam muitos críticos, é um caminho de aprendizado, que acontece da mesma forma na poesia, na música, nos quadrinhos, na pintura etc. É inevitável que a globalização cultural influencie os autores nativos, notadamente os mais jovens. A prova é que a rede internacional de computadores está forrada dos chamados fanfics, ou ficções de fã, que repetem situações, enredos, personagens e universos dos autores consagrados. O autor fã, diferentemente do autor original, não pretende necessariamente criar, embora isso até lhe seja possível. Antes, quer reutilizar os elementos que lhe são queridos, que aprendeu a amar e anseia reviver. E da mesma forma pensam os seus leitores, que não são poucos.
O estigma do Feiticeiro Negro é uma fanfic de Alta Fantasia, escrita a quatro mãos por Miguel Carqueija e Melanie Evarino Leite, ambos fãs tanto de ficção fantástica quanto dos animês, os populares desenhos animados japoneses. Assumem, sem pudores, as influências que receberam, aproveitando desde a fantasia do autor britânico J.R.R. Tolkien e até o faroeste, que surge em alguns momentos da narrativa.
Acompanho a carreira literária do escritor fluminense Miguel Carqueija desde seus primeiros trabalhos, publicados nos fanzines brasileiros de ficção científica e fantasia a partir dos anos 1980. O autor tem facilidade em construir mundos e personagens, variar gêneros, e especialmente, inserir bom humor nas narrativas, característica rara na ficção fantástica brasileira, destacada em O estigma do Feiticeiro Negro. Carqueija divide a autoria com sua afilhada, Melanie Evarino Leite que, recentemente, estreou como escritora na antologia Invasão (Giz Editorial), com o conto "Contato de quinto grau", também em coautoria com Carqueija.
O estigma do Feiticeiro Negro é uma típica história de jornada, na qual um herói em missão reúne, pelo caminho, amigos que o ajudam a cumprir seu destino. No caso, uma heroína, a guerreira elfa Gislaine Pétala que, ao partir em resgate de sua montaria roubada, um dragão convenientemente chamado de Morte, vê-se obrigada a intervir no que parece ser uma inevitável guerra total entre dois reinos.
A ela unem-se o enfezado anão Armenio de Gottfried, o falastrão e atrapalhado cavaleiro Iúri, o mago incorpóreo conhecido como Homem Sombra, a mestra espadachim Moira Ryan, o hobbit ladrão Luis Bertholdo e o enorme indígena americano Olho de Águia. Juntos enfrentam as hordas do Cavaleiro Negro, que pretende dominar toda a região e ressuscitar antigos e poderosos espíritos adormecidos. Até alguns dos vilões são adoráveis, como o ambíguo andarilho Scoth Sergeevna e o afetado pirata Barbamarrom.
Mas o mundo de Gislaine Pétala e seus amigos não se revela totalmente e deixa mistérios saborosos à imaginação do leitor. Trata-se, obviamente, de uma realidade alternativa, na qual a magia e os seres mitológicos existem de fato mas, ao mesmo tempo, parece ser uma peça de história alternativa ao sugerir que, tal como aconteceu na nossa realidade, Jesus Cristo, o messias cristão, realizou ali o mesmo ministério e legou a mesma herança: a própria elfa Gislaine afirma ser uma convertida. Ainda que essa interessante especulação não seja desenvolvida, levanta aspectos morais e éticos que podem ser discutidos frente às atitudes da protagonista ao longo da aventura.
Enfim, O estigma do Feiticeiro Negro é uma divertida homenagem à uma pletora de obras de referência que bem o merecem, e agradará àqueles que buscam por um texto acessível, movimentado, bem humorado e positivista.
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