Uma princesa de Marte (A princess of Mars), Edgar Rice Burroughs. 270 páginas. Tradução de Ricardo Giassetti. São Paulo: Aleph, 2010.
O mercado editorial brasileiro tem um déficit gigantesco em relação a fc&f de todas as épocas. Os motivos disso são inúmeros e passam pela falta de investimento, falta de educação, falta de critérios, falta de competência, entre outros. Ainda hoje, muitos editores continuam a pautar os títulos que pretendem publicar a partir de apelos acessórios, como por exemplo se o dito cujo vai ganhar alguma adaptação no cinema ou se tornar uma série de tv, como se os leitores só se interessassem por livros com esses vínculos, o que não é verdade.
Isso fica muito evidente quando se fala em Edgard Rice Burroughs (1875-1950), escritor americano que construiu um grande império de entretenimento graças a uma resma de séries de aventuras que escreveu na primeira metade do século 20. No Brasil, a única coisa que vem a mente quando se fala no autor é a série Tarzan dos macacos, personagem de grande sucesso que teve boa atenção dos editores por algum tempo – hoje está imerecidamente esquecido, uma vez que já não ocupa mais na mídia o espaço de outros tempos.
Mas, Burrougs não teve em sua carreira unicamente Tarzan. Ele foi um autor produtivo, que escreveu outros seriados interessantes e bem sucedidos, como Carson de Vênus, Pellucidar e John Carter de Marte que, inacreditavelmente, continuam inéditos em língua portuguesa. Ou estavam.
Pelo menos um desses personagens chegou enfim ao Brasil, traduzido pela editora Aleph. Uma princesa de Marte é o primeiro de uma série de onze livros da franquia Barsoom, publicado primeiramente em 1912 na forma de um seriado na revista All-Story Magazine. Trata-se de uma aventura que é, de muitas formas, o protótipo da pulp fiction que tanto sucesso fez em seu tempo. Trata-se de uma ficção científica com elementos de fantasia, chamada pelos teóricos do gênero como Ficção Planetária, pois toda a história gira em torno da descrição de um planeta alienígena, no caso Marte que, desde as declarações do astrônomo Percival Lowel, em 1895, sobre a possível habitabilidade do planeta vermelho, tornou-se alvo de interesse popular.
O romance foi influente em sua época e muitos escritores de ficção científica já declararam ter sido inspirados por ele. E não é por menos. A história é fabulosa, repleta de sense of wonder e até hoje impressiona.
Uma princesa de Marte conta o que acontece com John Carter, veterano da guerra civil americana que, depois de resgatar o corpo de um companheiro atacado por índios selvagens, abriga-se em uma caverna que é tabu entre os indígenas. Ali ele é alcançado por um gás que o adormece profundamente. Quando desperta, não está mais na caverna, mas num lugar absolutamente estranho, nu e incapaz de andar, próximo a uma estrutura repleta de ovos que ele logo vai descobrir, de uma forma bastante desagradável, ser uma incubadora dos tharks, raça de grandes seres verdes de quatro braços. Escravizado pelos tharks, Carter aprende sua língua e os impressiona com sua coragem e força desproporcional, uma vez que a gravidade do lugar é muito menor que a da Terra. Adquire o estatus de guerreiro depois de matar um deles e, apesar de ser um prisioneiro, ganha alguma autonomia dentro da tribo, onde faz amigos como o guerreiro Tars Tarkas e a fêmea thark Zola, assim como muitos inimigos formidáveis.
Quando os tharks atacam uma frota de grandes carros a vela, Carter descobre que em Barsoom, a forma como os tharks chamam seu planeta, é habitado também por uma raça humana. Eles capturam Dejah Toris, princesa de Helium, um reino fortificado que está envolvido numa guerra terrível contra o reino de Zodanga.
Os habitantes de Barsoon, que Carter vai descobrir ser o planeta Marte, vivem em guerra constante, atacando-se mutuamente. A biosfera de Barsoon sofre um processo acentuado de decadência, os oceanos e rios secaram e a atmosfera só é mantida graças a uma usina de processamento de oxigênio que existe há tanto tempo que sua tecnologia não é mais conhecida pelos barsoonianos.
Além de homens e tharks, Barsoon é habitado por uma série de animais interessantíssimos, alguns muito perigosos, outros assustadores, como o pequeno Woola, uma espécie de cão de múltiplas pernas que se afeiçoa a Carter, o mais fiel amigo que ele faz em Barsoon.
De combate em combate, Carter conquista o coração da bela Dejah Thoris, ajuda Helium a derrotar seus inimigos e até salva o planeta da destruição iminente, mas acaba voltando à caverna na Terra, muitos anos depois de sua partida – o tempo em Barsoon progride mais lentamente que aqui - onde passa o restante de seus dias.
A aventura é relatada na forma de um diário, escrito pelo próprio John Carter nos anos em que passou na Terra e deixado como herança a um sobrinho que o revela ao leitor conforme o recebeu, após o desaparecimento do tio. O romance não especifica se Carter retornou à Barsoon, mas uma vez que este é apenas o primeiro livro de uma série, é bastante provável que a resposta seja positiva.
Contudo, não há nenhuma garantia que os demais livros da série Barsoon – ou das outras séries de Burroughs – sejam publicados no Brasil*. Ficamos um pouco menos desinformados do que antes, porém com apenas este único exemplo da divertida ficção científica deste precursor importante do gênero.
E não dá para deixar de lembrar que Uma princesa de Marte só chegou ao Brasil porque, em 2009, os estúdios Disney anunciaram a produção um filme com a história – lançado em 2012 –, além do cineasta James Cameron ter afirmado que esse romance foi parte da inspiração para fazer o seu blockbuster Avatar. Ou seja, quanto mais as coisas mudam, mais continuam iguais.
* A editora brasileira descontinuou a série em 2012 depois de publicar mais dois títulos: Os deuses de Marte (The gods of Mars), e O comandante de Marte (The warlords of Mars).
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