Dentre muitos projetos anunciados pelas editoras que se dedicam a trabalhar com a FC&F no Brasil, não há nenhuma dúvida que o mais corajoso e polêmico é a antologia A fantástica literatura queer, organizada por Cristina Lasaitis e Rober Pinheiro para a Tarja Editorial, lançada no último dia 24 de junho, em São Paulo, aproveitando as atividades ligadas ao Dia do Orgulho Gay.
A coragem da Tarja e dos organizadores em se meter nesse vespeiro se potencializa quando eles se envolvem com a questão homossexual dentro do perímetro da ficção fantástica, especialmente da ficção científica, herdeira do pensamento conservador e assexuado da Golden Age, ainda muito dominante no gênero.
Há pouquíssima FC&F que coloca em pauta, mesmo que transversalmente, a questão homossexual. Raramente aparecem personagens gays e, quando existem, eles são indecisos e inseguros, refletindo a dificuldade dos autores do gênero em abordar a questão.
Num exercício rápido de memória, na FC brasileira apenas um trabalho me vem a mente: o conto "Quando murgau A.M.A. murgau", de Ivan Carlos Regina, publicado na antologia O fruto maduro da civilização (1995, GRD), um autêntico trabalho de discussão da homossexualidade de uma forma que só mesmo a ficção científica poderia propor.
Na FC estrangeira há mais opções. Lembro-me das utopias homossexuais O planeta Esparta, de Bertram Chandler, e seu inverso, As exterminadoras, de Edmund Cooper. Outros livros que margeiam o assunto são A mão direita da escuridão, de Ursula Le Guin, Não temerei o mal, Robert Heinlein, e Gateway, de Fredrick Pohl, que apresenta um personagem homossexual bastante redondo.
Há mais. Contudo, o tema parece restrito a um nicho específico do mercado, um fandom dentro do fandom, que sustenta editoras, revistas e prêmios literários, como o Lambda Award, que tem categoria específica para FC&F&H. Trabalhos de Anne Rice, Samuel Dalaney e Octavia Buttler já foram indicados a esse prêmio, e Clive Barker o ganhou duas vezes, com trabalhos já traduzidos no Brasil (Sacrament, Galilee).
Apresentada em dois volumes de 178 páginas cada, A fantástica literatura queer traz textos inéditos de quinze autores brasileiros: Alliah, Camila Fernandes, Cesar Sinicio Marques, Claudio Parreira, Cristina Lasaitis, Cindy Dalfovo, Daniel Machado, Eric Novello, Kyran, Laura Valença Guerra, Monica Malheiros, Osíris Reis, Renato A. Azevedo, Rober Pinheiro e Rogério Paulo Vieira, todos autores ligados ao que se convencionou chamar de Terceira Onda da FC Brasileira, ou seja, surgidos principalmente na internet. Nota-se aqui um certo distanciamento dos autores das Primeira e Segunda Ondas, talvez fortuito, mas muito revelador. É claro que havia a possibilidade dos organizadores selecionarem material não inédito, mas deve ter sido uma opção consciente não fazê-lo.
O único detalhe que não me agradou foi a proposta militante com que a antologia é apresentada. Aparentemente, os mais de três milhões de participantes da Parada Gay não são suficientes para convencer que os homossexuais não são uma minoria social e que a questão pode ser colocada com maior naturalidade, sem manifestos e frases de efeito.
De qualquer forma, A fantástica literatura queer é uma obra a ser observada.