sábado, 23 de fevereiro de 2013

Resenha: Horror em Red Hook

Em 2011, a editora L&PM criou uma nova coleção dentro de sua tradicional linha de livros de bolso, a Coleção 64 Páginas, que é exatamente isso, livros de bolso com exatas 64 páginas, oferecidos ao custo de R$5,00, proposta que eu aprecio em todos os sentidos. Primeiro pelo potencial de levar literatura de baixo custo a uma ampla faixa de consumidores, depois porque dá oportunidade de destaque a contos e noveletas que, geralmente, desaparecem em meio aos romances e antologias. Há muita ficção curta tão bem feita que merece um título só para si, e a Coleção 64 Páginas, tal como a coleção Asas do Vento, da Devir, investe especificamente nesse espaço.
A Coleção 64 Páginas estreou com uma coletânea de tiras do Maurício de Sousa, mas publica principalmente literatura em domínio público. Entre os autores presentes nos volumes iniciais estão, por exemplo, Fernando Pessoa, Arthur Conan Doyle, Tolstói, Balzac, Machado de Assis, Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft, cujo título Horror em Red Hook, publicado em 2012, não resisti ler de imediato. Trata-se de uma pequena coletânea com três contos deste mestre do horror, todos já vistos em A tumba ...e outras histórias, publicada em 1991 pela Francisco Alves. Nada de novo, portanto, mas eu me vi envolvido pela leitura como se fosse a primeira vez, ao ponto de acreditar que pelo menos o "Horror em Red Hook" fosse inédito. Talvez a sensação seja mérito da nova tradução de Jorge Ritter - na edição da Francisco Alves era de Sylvio Gonçalves - mas o fato é que a força do texto não perdeu nada de seu impacto.
O que caracteriza esta seleção é a escolha de textos na fronteira entre o terror psicológico e o sobrenatural. "Horror em Red Hook", que abre a seleção, pode ser perfeitamente lida como uma história policial que se densenrola em um bairro decadente, pobre e violento de Nova York, onde amontoam-se imigrantes estrangeiros. Um detetive, que investiga crimes cometidos na região, desconfia do envolvimento de um figurão, descendente de uma família fundadora da cidade, que apresenta um comportamento esquisito e não tem dificuldade de se relacionar com os estrangeiros do bairro, sempre descritos da pior forma possível. As revelações da investigação são tão terríveis que levam o policial à beira da psicose, embora não se saiba ao certo se o que ele testemunhou foi real ou apenas um delírio. O que impacta no texto é o altíssimo nível de xenofobia e intolerância contra os estrangeiros, especialmente árabes e orientais, que Lovecraft não maquiou de forma alguma.
"Ele" é o texto mais lisérgico da seleção, sobre o passeio emocional que um homem dá por bairro de Nova York que ainda sustenta ruas e casas de tempos passados. A certa altura, ele encontra um outro homem de interesses similares, que o convida para uma excursão especial e o conduz por um caminho que parece levá-los centenas de anos de volta no tempo.
Finalmente, "A tumba", um conto clássico do autor, conta sobre a fixação de um jovem pelas ruínas de um antigo túmulo abandonado no meio da mata, construção sobrevivente de uma tragédia ocorrida muito tempo atrás.
A coletânea, por não dispôr do horror cosmológico que caracteriza os textos sobrenaturais de Lovecraft, ressalta sua técnica literária, que muitos classificam como extravagante e exageradamente adjetivada, mas também expõe com nitidez a melancolia do autor ao ver a memória e a beleza arquitetônica do passado sendo devoradas pelos avanços da modernidade, da tecnologia e, principalmente da maldade humana.
Horror em Red Hook é um bom volume para iniciar o leitor nos labirintos da obra lovecraftiana, uma ótima introdução aos horrores indizíveis do Cavalheiro de Providence.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Diário do futuro

Chegou às bancas de revistas Mirai Nikki, primeiro volume da novela em quadrinhos Diário do futuro, do premiado autor japonês Sakae Esuno.
Publicada originalmente em 2006, a série de 12 volumes conta a história de um jovem tímido que mantém um diário pessoal em seu celular. Certo dia, ele descobre ali textos que ainda não escreveu, que revelam não apenas os fatos por vir, mas também sua própria morte. Para sobreviver, ele terá que disputar uma espécie de jogo com outros onze autores de diários na mesma situação, sendo cada edição dedicada a um dos seus adversários. Diário do futuro 1: Mirai Nikki é uma publicação da Editora JBC e custa R$13,90.

Mais Halo

Está nas bancas a novela gráfica de ficção científica Halo: Insurreição, originalmente apresentada na forma de uma minissérie em 4 volumes, publicada nos EUA pela Marvel Comics entre 2007 e 2009.
Com roteiro de Brian Michael Bendis e desenhos de Alex Maleev, a história faz parte de uma conhecida franquia de videogames, sendo cronologicamente localizada entre os volumes 2 e 3 do jogo. Conta a missão suicida de um único soldado terrestre infiltrado em uma nave alienígena hostil enquanto, na Terra, a raça humana está a beira da destruição.
Esta é a segunda novela gráfica de Halo publicada no Brasil e, a julgar pela edição anterior, que contava inclusive com um trabalho de Moebius, vale a pena dar uma olhada.
Halo: Insurreição tem 156 páginas, é uma edição da Panini Comics e custa R$19,90.

Zumbis atacam!

Zumbis e outras criaturas das trevas é uma antologia de quadrinhos nacionais de terror, na qual os astros principais são lobisomens, bestas, demônios e, é claro, zumbis.
O álbum tem 240 páginas e, entre trabalhos clássicos e inéditos, reúne os artistas Rodolfo Zalla, Walmir Amaral, Ferréz, Júlio Shimamoto, Toni Rodrigues, Mike Deodato, Jayme Cortez, Gian Danton, Daniel Esteves, Di Stefano, Gustavo Machado, Novaes, Antonio Lima, Franco de Rosa, Raphael Fernandes, Moretti, Victor Barreto, Mozart Couto, E. C. Nickel, João Zero, Alexandre Jubran, Gustavo Machado, Seabra e Eugênio Colonnese. A edição também traz um poema inédito de R. F. Lucchetti, alguns artigos sobre zumbis no cinema e nos quadrinhos e duas capas diferentes a escolha do freguês.
Zumbis e outras criaturas das trevas é uma publicação da Editora Kalaco e custa R$39,90.

Dragões em ação

Velozes e vorazes não é bem uma revista em quadrinhos, mas é como se fosse. Na verdade, trata-se de uma novela em formato literário, similar aos populares livrinhos de banca que, em outros tempos, eram consumidos avidamente por leitores de histórias de faroeste e espionagem. Mas a publicação tem mesmo aparência de uma revista em quadrinhos, com um formato grande e uma vistosa capa que remete aos mangás, ilustrada por Arthur Garcia e Flávio Soares. O subtítulo "Romance de fantasia em ritmo mangá jovem" reforça essa intenção, ainda que "mangá jovem" seja um termo misterioso.
A história tem autoria do roteirista Ataíde Braz, veterano dos tempos da Grafipar, editora paranaense de quadrinhos eróticos muito ativa no início dos anos 1980, e é acompanhada de ilustrações do consagrado artista mineiro Mozart Couto, cuja carreira também está associada à essa mesma editora.
A história conta sobre um triângulo amoroso – e algo picante – entre dois rapazes e uma garota durante um campeonato ilegal de corridas de dragões, numa mistura de referências ao romance Como treinar seu dragão, de Cressida Cowell, e, obviamente, a franquia cinematográfica Velozes e furiosos, além da nada sutil referência ao bestseller Jogos vorazes, de Suzanne Collins, que parece não ter contribuído com mais nada à história além do título.
Velozes e vorazes é uma publicação da editora Minuano, volume inaugural da Coleção Graphic Light, tem 64 páginas e custa R$6,90.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Megalon 17

Talvez o leitor costumaz deste blogue desconheça o significado histórico do Megalon, que acaba de disponibilizar em arquivo pdf a sua edição número 17, publicada originalmente em setembro 1991. Este fanzine de ficção científica e horror, que circulou de 1988 a 2004, foi uma das mais significativas publicações brasileiras de ficção fantástica, e certamente a mais importante delas nos últimos 30 anos. Premiado diversas vezes ao longos dos anos 1990, o fanzine foi o laboratório no qual se formou praticamente uma geração inteira de autores e ensaístas brasileiros no gênero. Por isso, e por muitas outras coisas, é que se trata de um material que deve ser estudado com atenção, pois suas páginas encerram lições ainda importantes neste século 21.
Esta edição, que tem a editoria de Marcello Simão Branco e Marcelo Pirani Vieira, tem 46 páginas e traz contos de Luiz Zatar, Miguel Carqueija e Sérgio Fiúza, artigos de Jorge Luiz Calife e Gilberto Schoereder, e resenhas literárias de Roberto de Sousa Causo, José Carlos Neves, Miguel Carqueija e Orson Scott Card, além das notícias da época com um instantâneo da fc&f no Brasil e no mundo naquele momento. A capa traz uma ilustração de Roberto Schima.
O arquivo pode ser baixado aqui, e também está disponível um bônus, com uma circular com o projeto da Con-Sur: Primeira Convenção de Ficção Científica e Fantasia do Cone Sul, realizada na Argentina naquele mesmo ano.

Ataíde Tartari finalmente no Brasil

O escritor paulistano Ataíde Tartari surgiu para a ficção fantástica em 1987, sob o pseudônimo de A. A. Smith, quando publicou pela Edicon o pouco conhecido romance de ficção científica EEUU 2076, mas o autor só conquistou seu público ao participar das atividades do fandom ao longo dos anos 1990, colaborando com contos inéditos nos muitos fanzines que então circulavam, e também participando ativamente da comunidade de fãs, quando chegou a ser editor do boletim Somnium, do Clube de Leitores de Ficção Científica. Mas não seguiu adiante com sua carreira autoral no País: sendo fluente em língua inglesa, preferiu investir na publicação no exterior. Depois de muito trabalho, conseguiu um agente nos EUA que lhe permitiu publicar, em 2001 e 2003, dois romances de ficção científica pela editora virtual iUniverse: Amazon e Tropical Shade, ambos inéditos em língua portuguesa. Depois de um afastamento prolongado, seu retorno à bela Flor do Lácio deu-se principalmente através do projeto Portal, capitaneado pelo escritor Nelson de Oliveira que, entre 2008 e 2010, publicou seis antologias nas quais Tartari logrou publicar quatro contos. Ao longo do tempo, não foram poucas as vezes que cobrei desse velho companheiro uma publicação mais pessoal e, finalmente, fui atendido.
No finalzinho de 2012, Tartari apareceu nas livrarias com dois títulos: a noveleta Sideral no buraco sem fundo de Parnarama e a coletânea O triângulo de Einstein, ambos pela coleção Embarque Nessa da Editora Nova Espiral.
Sideral é um texto de ficção ufológica, subgênero da ficção científica muito praticado pelos brasileiros. Conta a história de um jovem urbanóide paulistano que, por causa de seu grande interesse e conhecimento sobre ciências, é envolvido pelo tio militar na investigação de um caso misterioso ocorrido na região de Parnarama, no nordeste brasileiro. O ótimo texto, que o autor escreveu pensando no público juvenil, apareceu primeiramente em 2003 no fanzine Megalon e foi ligeiramente atualizado pelo editor para se tornar mais adequado aos leitores jovens.
Já a coletânea reúne seis contos de Tartari, sendo que quatro deles foram justamente aqueles publicados no projeto Portal: "O triângulo Einstein" – que empresta o nome ao livro –, "Veja seu futuro", "O bunker" e "Diário de Marte", originalmente publicado sob o título de "Valentim" na antologia Vinte voltas ao redor do Sol (CLFC, 2005). Completam a seleção os contos "Craque na família", visto primeiro na antologia Outras copas, outros mundos (Ano-Luz, 1998), e "Saara gardens", publicado originalmente na antologia Assembleia estelar (Devir, 2011).
Os textos foram igualmente atualizados e a seleta é uma ótima maneira do leitor tomar contato com a obra deste que está entre os melhores autores brasileiros que trabalham com a ficção fantástica.
Tartari tem pelo menos mais meia-dúzia de ótimos textos, suficientes para formar outra coletânea e, quem sabe, uma boa receptividade por estes títulos anime alguma editora a traduzir para os leitores brasileiros os seus romances americanos. Sonhar não custa.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sangue quente

Recebi recentemente do escritor português António de Macedo, um exemplar do seu mais recente livro, O sangue e o fogo, subtitulado Trilogia cênica. Trata-se de uma coletânea com os roteiros integrais de três peças de teatro: "O osso de Mafoma", "A pomba" e "A nova ilusão".
Diz o texto de divulgação: "Prepare-se para uma viagem fantástica que começa nas ruínas da lendária Khalôm, cujas ruas eram percorridas pelas almas dos mortos porque um terrível sortilégio impedia o acesso às regiões celestes a quem morresse dentro das suas muralhas; uma viagem que continua com o choque entre os fanáticos rigores da Inquisição e as ações de bruxas que assolam uma vila no Alentejo; uma viagem que termina com um professor que capta as frases ditas por Jesus um mês antes da sua crucificação e que podem abalar os pilares em que assentam os principais dogmas da Igreja."
O autor informa que as peças "começaram por ser roteiros de filmes que não conseguiram financiamento, e por isso os transformei em peças teatrais. Uma delas foi estreada em palco com bastante êxito, num teatro perto de Lisboa, o Teatro da Malaposta, de reputada tradição".
António de Macedo é cineasta, escritor e dramaturgo com um longo e frutuoso caso de amor com a ficção fantástica e com o fandom brasileiro, e diversos livros de fc&f publicados em Portugal, entre os quais estão Erotosofia e O cipreste apaixonado, já resenhados por este blogue.
O sangue e o fogo tem 256 páginas lindamente encadernadas e foi publicado em 2011 pela editora portuguesa Saída de Emergência, no selo Camões e Companhia: Livros de Culto.

As horas claras

Um livro a se destacar entre os muitos lançamentos de 2012 é As horas claras, romance de fantasia juvenil do escritor paulistano Alonso Alvarez, sequência de O encanto da Lua Nova (2007, Ficções). Conta a história de cinco jovens amigos que moram no mesmo edifício e, a caminho da escola, percebem terem perdido suas sombras. Também é o primeiro dia de aula de Clara, uma nova aluna da classe dos garotos  que acabou de mudar para o prédio deles, e logo vai se interessar pelo misterioso 11º andar, que não existe mas abriga uma porção de hóspedes fantásticos, como a feiticeira Annabel, os escritores Edgar Alan Poe, Rimbaud, Fernando Pessoa e Emily Dickinson, e os novos inquilinos, os cientistas Galileu, Ptolomeu e Newton, entre outros. Em busca de suas sombras, os meninos vão descobrir que esse mistério e muito mais complicado do que parecia a princípio.
Alonso Alvarez tem uma longa e bonita história na atividade editorial, foi livreiro, editor premiado, ilustrador e, finalmente autor, sendo que o já citado O encanto da Lua Nova foi selecionado para a 43º Bologna Children’s Book Fair. Também é autor de A paixão de A e Z: Uma história de amor no alfabeto (2010, Peirópolis) e Era uma vez duas linhas (2012, Iluminuras).
As horas claras tem 224 páginas e foi publicado pela editora Ficções com recursos do Proac 2011 - Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Sob a bandeira da coragem

Sob a bandeira da coragem (The red badge of courage) é um dos poucos livros escritos por Stephen Crane, autor norte-americano falecido aos 29 anos (1881/1900), que nunca participou de uma guerra mas redigiu um relato pungente do drama pessoal de um soldado que se vê, pela primeira vez, em meio a um combate de morte.
A edição em português que eu li foi da Coleção Western da editora portuguesa Europa-América, mas soube que há pelo menos uma edição brasileira, obviamente esgotada. O romance, publicado em 1895, deu a Crane o respeito que até então não gozava na literatura americana, sendo adaptado para o cinema por John Huston em 1951, com Audie Murphy no papel do covarde protagonista.
A história conta os dramas reais e imaginários do jovem soldado Henry Fleming que, por romantismo, se alistou no Exército na União, e teve o azar de ter como primeira experiência de combate, a sangrenta batalha de Gettysburg. O autor não cita o nome do local, mas é facilmente reconhecível por quem teve alguma informação a respeito dessa batalha da Guerra Civil Americana, acontecida em 1863.
O que mais surpreende é o estilo de Crane, moderníssimo e de um naturalismo exacerbado. Como a história é narrada pelo soldado, as cenas descritas no romance são apenas aquelas em que o personagem participa diretamente e, mesmo assim, de forma muito parcial, uma vez que a fumaça e o barulho enlouquecedor dos canhões, além da sensação contínua de iminência da morte, retirou da testemunha qualquer chance de uma visão concatenada.
As batalhas são descritas como se vistas pelo personagem, laivadas de interpretações parciais e inconclusivas, dúvidas, preconceitos, ódios e frustrações. O tempo se dilata e contrai conforme a percepção do personagem.
O próprio título do romance demonstra essa imprecisão ambígua que permeia o romance: ao mesmo tempo em que se pode referir às listras vermelhas da bandeira da União, hoje a bandeira dos EUA (uma leitura superficial e ufanista), também tem a ver com os ferimentos de guerra e o sangue derramado em combate, que é uma leitura bem mais profunda e tocante.
Outro detalhe é que os leitores não sabem que o personagem principal se chama Henry até mais ou menos um terço do romance, quando um companheiro de pelotão casualmente o chama pelo nome. Da mesma forma, só conhecemos os demais personagens pelo nome quando alguém os nomeia e muitos deles sequer chegam a ser apresentados. São apenas soldados de uniforme, padronizados e descartáveis, descritos pelo autor apenas por detalhes despersonalizados, como a altura, o modo de falar, o estado das roupas etc. A cena em que Henry, fugindo em pânico, encontra o cadáver de um soldado numa catedral natural na floresta, é antológica e muitas vezes citada em filmes, livros e até desenhos animados.
Bons livros de western são difíceis de encontrar. Este realmente merece a nossa atenção.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

QI 119

Já chegou aos assinantes a nova edição do fanzine sobre quadrinhos QI, editado por Edgard Guimarães, que inaugura um novo ano de publicação. Com 28 páginas, o fanzine dá continuidade às suas diversas seções, com destaque para a interessante "Mistérios do colecionismo" na qual o editor investiga algumas das mais obscuras dúvidas dos colecionadores de quadrinhos, principalmente sobre a existência ou não de certas edições, no caso, as primeiras publicações da editora Nova Sampa; e "Quadrinhos brasileiros bissextos", que trata dos mais inusitados exemplos do quadrinho nacional e, nesta edição, aborda o trabalho do ilustrador Renato Silva.
Mas há muito mais, como artigos sobre um momento marcante das tiras de Rip Kirby, sobre curiosidades nos quadrinhos dos Smurfs, e a sequência de uma entrevista que Guimarães cedeu a um tcc sobre a produção do QI.
Além de todos esses artigos assinados pelo editor, também há colaborações de Worney Almeida de Sousa ("Mantendo contato"), Gutemberg Cruz ("Memória do fanzine brasileiro") e do português António Martinó de Azevedo Coutinho ("Construções de armar"). O QI também anuncia os ganhadores do 29º Prêmio Angelo Agostini, entregue no último dia 2 de fevereiro, apresenta a lista dos lançamentos alternativos do bimestre e a indispensável seção de cartas.
Mas ainda não é tudo. A edição encarta mais 4 páginas da hq "Rolando Duque - Assistência técnica", duas novas lâminas da série Cotidiano alterado, um quadro tridimensional com ilustrações de Guimarães – para ser montado pelo leitor –, e o longo artigo "Reflexões sobre histórias em quadrinhos 1: O desenho inferior das histórias em quadrinhos", apresentado num encarte de 8 páginas. O ensaio discute os motivos dos ilustradores simplificarem os seus próprios desenhos quando trabalham com quadrinhos, em comparação aquilo que fazem quando elaboram ilustrações editoriais.
O QI é distribuído unicamente por assinaturas. Mais informações com o editor pelo email edgard@ita.br.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Expedição às ruínas de Sampa

A editora Devir Livraria preparou uma nova dição para um dos mais importantes textos recentes da ficção científica brasileira: A terceira expedição, romance foi publicado originalmente em 1987 de autoria de Daniel Fresnot, autor da Segunda Onda da ficção científica brasileira.
Elogiado por Moacyr Scliar, o livro faz um retrato pungente de uma São Paulo destruída por um apocalipse total, quando alguns sobreviventes de uma das poucas áreas não atingidas no estado de Santa Catarina, enviam uma expedição de reconhecimento à cidade.
A nova edição terá lançamento de gala no dia 21 de fevereiro, a partir das 18h30, na Livraria da Vila do Shopping Pátio Higienópolis, na Av. Higienópolis, 618, em São Paulo.

Xenox

Está nas bancas a coleção Xenox, série de revistas com histórias em quadrinhos inspiradas em um curioso jogo de ficção científica que parece ter elementos de tabuleiro e RPG. Trata-se de uma competição entre quatro planetas, Mechabots, Rixx, Niela e Espar, que lutam entre si pelo direito de sobreviverem a uma ameaça cósmica.
Cada edição traz miniaturas de figuras alienígenas muito coloridas e bem feitas, certamente usadas no jogo, mas que também são belas peças de toyart.
A coleção Xenox é traduzida no Brasil pela Editora Panini e cada edição custa R$9,50.

Apenas para humanos

O escritor cobranoratense Luiz Braz – sucessor do multipremiado Nelson de Oliveira que, neste momento, goza de merecidas férias com a família nas Bahamas – está aceitando inscrições para um workshop que se realizará no dia 23 de fevereiro, entre as 14 e 18 horas, no estúdio literário Ofício das Palavras, localizado a Rua Capote Valente, 1232, em São Paulo.
Nas palavras de Braz, trata-se de "um workshop teórico-prático de criação literária, para ficcionistas e poetas da espécie humana."
Braz é escritor e ensaísta, especialmente dedicado à ficção científica, gênero no qual instalou os seus livros Sozinho no deserto extremo, Paraíso líquido, Sonho, sombras e super-heróis, Babel Hotel e a coletânea Muitas peles, com alguns de seus ensaios vistos na coluna "Ruído branco" do jornal Rascunho.
O curso custa R$250,00 e as vagas são limitadas. Mais informações no telefone (11)3473-7674.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Fiat-Fun

A revista Fiat-Fun está nas bancas já faz algumas semanas, mas só há poucos dias a Editora On Line divulgou imagens na internet. Trata-se de uma edição especial patrocinada pela indústria de automóveis Fiat, parte da estratégia de marketing da empresa. É uma revista de atividades para crianças, com palavras cruzadas, labirintos, desenhos para colorir e outros passatempos, entre os quais o esquema de peças de papel para armar um automóvel da marca. Mas o que realmente chama a atenção é a miniatura que acompanha a revista. Fabricada em metal pela Norev, é de ótima qualidade, reproduzindo em escala 1:43 um automóvel da Fiat em todos os detalhes. Cada exemplar da Fiat-Fun traz um modelo diferente, que tanto pode ser o Palio, como o Linea ou o Punto. A cor da miniatura também pode variar.
A revista custa R$19,90 e, além das bancas, pode ser comprada no saite da Editora On Line. Para os colecionadores, vale a pena, pois miniaturas dessa categoria costumam custar bem mais nas lojas especializadas.

Ebooks grátis

Este início de ano está sendo um verdadeiro boom para as edições virtuais. Entre muitos títulos à venda por preços que vão do acessível ao absurdo, também podem ser encontrados alguns de distribuição gratuita, como a novela de fantasia científica A batalha do poder, do conhecido escritor Miguel Carqueija, publicada pelo saite Entretextos, no qual também pode ser lida uma resenha à obra, assinada por Edgar Indalécio Smaniotto. Anteriormente apresentada em forma de folhetim, a novela foi reunida integralmente num arquivo pdf de 66 páginas, que conta ainda com uma série de depoimentos, uma entrevista com o autor e uma longa introdução assinada por Flávio Araujo Lima Bittencourt. Não coloco aqui uma imagem da capa porque o arquivo realmente não a tem.
A Estronho é mais uma editora que começou a investir no formato digital. Entre os primeiros títulos de seus catálogo virtual, disponibiliza para download gratuito o conto inédito de ficção científica Adam, do mineiro Marcelo Amado, e o conto de terror Tinta vermelho sangue, de Bruna Caroline, visto primeiro na antologia Insanas: Elas matam.
O diferencial da Estronho é a publicação em formatos mais adequados para os dispositivos móveis de leitura, sendo que o superado formato pdf sequer está disponível entre as opções. Mas mesmo o leitor que não tenha uma dessas moderninhas traquitanas, pode ler o arquivo no computador convencional fazendo uso do Adobe Digital Editions, que pode ser instalado gratuitamente a partir do saite da Adobe, aqui.

Salomão Ventura

A história do quadrinho brasileiro pode muito bem ser resumida como a luta entre a criatividade e a falta de verba. Salomão Ventura: O caçador de lendas, de Giorgio Galli, é uma dessas muitas histórias de dificuldade editorial. Trata-se de uma série de aventuras de horror criada em 2010 como trabalho de conclusão de curso em design e ilustração, que teve duas edições publicadas de forma independente, sendo a segunda delas pelo selo Quarto Mundo. É esse o material que aparece agora reunido no primeiro número da Edição Especial Contos do Absurdo, acompanhado de um conto assinado por Pietro Vaughan e uma série de pinups inéditas feitas por ilustradores como Mario Cau, Caio Yo, Will, Alex Genaro de Souza, Mario Mancuso, Bira Dantas e Carlos Brandino, entre outros, além de uma prévia do que será visto na futura edição número 3, cuja produção será financiada através do sistema crowdfounding.
Edição Especial Contos do Absurdo número 1 tem 78 páginas e pode ser baixada gratuitamente aqui.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Juvenatrix 144

Podem desabar todos os apocalipses vaticinados há milênios por povos que nem mais existem, que nada abala a vitalidade do Juvenatrix, fanzine de horror e ficção científica editado por Renato Rosatti que, conforme me lembrou o editor por email (reproduzido nos comentários do post sobre o fanzine Boca do Inferno, aqui), voltou a ser rigorosamente mensal desde abril de 2012.
A nova edição, cuja capa é ilustrada por Celso Moraes Faria, vem com 15 páginas de notícias e divulgação de produções alternativas e rock extremo, com artigos sobre as bandas Sodom e Slayer, resenhas de filmes fantásticos com destaque para Balada para Satã (The Mephisto waltz, 1971), além de contos assinados por Rynaldo Papoy e Marcelo Milici.
Para obter uma cópia gratuita, basta solicitar ao editor pelo email renatorosatti@yahoo.com.br.

Doberman

Há muita dificuldade em se tratar a plenitude da arte dos quadrinhos no meio digital. Muita gente está pesquisando o assunto, mas quanto mais avançam, menos o resultado se parece com os quadrinhos que nos acostumamos a ler nas revistas. Talvez esteja aí o nascedouro de uma nova arte narrativa, que pode ou não ser como os quadrinhos, contudo, a maior parte dos autores não está muito preocupada com isso. Porque a história em quadrinhos já é uma arte madura em si mesma e sustenta uma estrutura narrativa satisfatória para aqueles que a amam e querem usá-la, tal como é, para contar histórias ou exorcizar pesadelos.
É o que parece ter sido a ideia de Felipe D'Andrea e João Pirolla em Doberman, novela gráfica na tradição das revistas impressas, que se utilizou da internet unicamente para divulgar o trabalho, publicado em arquivo digital e distribuído gratuitamente.
Doberman conta a história de Míriam, adolescente judia em crise de identidade, que tem que confrontar suas dúvidas e certezas numa situação em que cada uma delas parece ter virado do avesso. Míriam tem problemas com seu namorado católico pois, devido aos seus valores familiares, resiste em consumar um relacionamento com ele. Por outro lado, também está em conflito com sua família, que exige dela um envolvimento mais efetivo com a religião. Também está em luta com seu próprio íntimo, devido aos medos e preconceitos que carrega por conta da trágica história de sua avó, uma sobrevivente do holocausto nazista. E tudo fica ainda mais premente depois que Míriam e seu namorado são atacados por um animal desconhecido.
A história tem 70 páginas em preto e branco, com um tratamento gráfico que fica a meio caminho entre o underground e o profissional. O desenho de Pirolla é estiloso, com muitas hachuras e aplicações de aguada, bem diverso do claro-escuro pesado que geralmente caracteriza a histórias em quadrinhos de horror, gênero que se apresenta aqui de uma forma transversal, uma vez que o foco narrativo é muito mais dramático. O texto é bom e correto, mas o letreiramento foi improvisado, às vezes espalhando-se para além dos limite dos balões ou variando sem motivo o tamanho da fonte.
Como geralmente ocorre com conteúdos gráficos de arquivos digitais, a leitura não é confortável. A ampliação necessária para se ler os balões prejudica a visualização da página como um todo, e a exibição individual das páginas compromete a experiência estética do espelhamento das mesmas.
Mas, de acordo com o texto de divulgação, os autores consideraram estes prejuízos amplamente compensados pelo alcance que a obra conquistou, sendo vista por leitores nos Estados Unidos, Reino Unido, Portugal, Colômbia e Sudeste Asiático.
O álbum está disponível em português e inglês, e pode ser lido on-line ou baixado gratuitamente aqui.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Megalon 16

Está disponível mais uma edição histórica do multipremiado fanzine de ficção científica e horror Megalon, originalmente publicada em julho de 1991, sob a edição de Marcello Simão Branco e Roberto de Sousa Causo.
Em suas 42 páginas, este número 16 apresenta contos dos brasileiros Fábio Fernandes, Roberto de Sousa Causo e Roberto Schima, e do norteamericano Richard Stooker, artigos de cinema, literatura e ciência de Causo, Jorge Luiz Calife, Miguel Carqueija e Gilberto Schoereder.
Mas o que realmente chama a atenção neste número do fanzine é o resultado da enquete que o Megalon promoveu entre seus leitores para identificar os melhores da ficção científica em todos os tempos.
Os fãs escolheram Arthur C. Clarke como o Melhor Escritor, seguido por Isaac Asimov e Ray Bradbury, reafirmando o ABC do gênero. Os brasileiros Jorge Luiz Calife e André Carneiro apareceram nas 36ª e 37ª posições.
Na categoria Melhor Romance, foram apontados Fundação, de Isaac Asimov, Duna, de Frank Herbert, e Um cântico para Leibowitz, de Walter M. Miller, nas primeiras posições. O único texto brasileiro lembrado foi Piscina livre, de André Carneiro, na 42ª posição.
Na categoria Melhor Longa-Metragem, uma barbada: 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, Blade Runner, de Ridley Scott e O planeta proibido, de Fred M. Wilcox, ocupam as primeiras posições. Nenhum filme nacional aparece na relação, como era de se esperar. Até me surpreendi ao ser lembrado que, por coincidência, fui eu quem acertou a maior quantidade de palpites corretos naquela enquete (67% dos itens).
Para ver a relação completa, além de curtir o valioso conteúdo da publicação, baixe gratuitamente o arquivo pdf, aqui.

Resenha: A espinha dorsal da fcb

O primeiro trabalho que li Braulio Tavares foi um pequeno texto chamado "Os pensadores de São Tiago" que ele gentilmente enviou para o número 11 do Hiperespaço, publicado em 1986, uma edição especial de contos. Só mais tarde soube que aquele pequeno texto havia sido sua estreia na ficção.
Na sequência, Tavares tornou-se colaborador regular do fanzine Somnium, do Clube de Leitores de Ficção Científica, publicação na qual acompanhei cada um dos contos que posteriormente formariam a coletânea A espinha dorsal da memória, publicada em 1990 pela Editora Caminho, de Portugal, que recebeu o Prêmio Nova de melhor livro naquele ano. A coletânea ganhou edição brasileira em 1996, pela Editora Rocco, acrescida da coletânea inédita O mundo fantasmo.
Na primeira parte da edição brasileira estão doze contos que integram a memória coletiva do fandom brasileiro, como "Sympathy for the devil", ganhador do Prêmio Nova em 1989, "História de Maldum, o Mensageiro", que deu origem ao seu romance A máquina voadora (Rocco, 1994), e "Príncipe das sombras", história de invasão alienígena que vai da fc hard à cyberpunk e à space opera, num passeio completo pelo gênero. Sem esquecer de "Mestre-de-armas", conto vencedor do Prêmio Nova em 1990, considerado por muitos como seu melhor trabalho.
Contudo, destaco um dos mais curtinhos: "Mare Tenebrarum", que relata um drama infelizmente muito comum no Brasil: um temporal, a água entrando pela casa, cobrindo móveis e destruindo a realidade de uma família pobre, mas... e se a enxurrada fosse forte demais?
Girando o livro de ponta-cabeça e lendo de trás-para-frente está Mundo fantasmo, que apresenta mais sete histórias, todas inéditas. "Oh Lord, won't you buy me" é praticamente uma homenagem ao fã brasileiro de fc&f, sempre a cata de mais e mais livros pelos sebos da cidade. É impossível não se identificar com o personagem que se encontra com Deus em pleno metrô paulista.
Mais homenagens em "Exame da obra de Giuseppe Sanz", história de um escritor de sucesso que produzia suas obras dissecando trabalhos alheios e revestindo-os com uma figuração moderna. E não é o que os autores fazem o tempo todo?
"História de Cassim, o Peregrino, e de um crime perfeito que Deus castigou" é uma espécie de sequência à "História de Maldun, o Mensageiro", menos assustadora mas igualmente deliciosa, na qual um homem relata aos seus companheiros de bebida um intrigante conto de amor, traição e imortalidade.
Tavares também experimentou formalmente em "Expedição às profundezas do oceano", história de horror urbano contada no único parágrafo de um relatório policial.
O conto que mais apreciei em Mundo fantasmo foi "E assim destruímos o Reino do Mal", no qual um guerreiro obcecado pela destruição do mal sobre a Terra acaba por tornar-se o próprio coração da maldade.
Tem muito mais, cada história é passagem para uma realidade diferente, repleta de sense of wonder que, no final das contas, é o que faz todos nós fãs da ficção fantástica.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Resenha: Um clássico da fcb

Rubens Teixeira Scavone (1925-2007) foi o mais erudito dos autores brasileiros de ficção científica e um dos pioneiros do gênero no País. Ele foi autor do romance O homem que viu o disco voador (1958), possivelmente o mais bem sucedido livro da fc brasileira, e da antologia O diálogo dos mundos (1963), entre outros trabalhos. Scavone recebeu o Jabuti em 1973 por seu romance mainstream Clube de campo e presidiu a Academia Paulista de Letras por vários mandatos.
Apaixonado pela literatura inglesa, Scavone  foi buscar inspiração no clássico Contos de Cantebury, de Geoffrey Chaucer, obra escrita há mais de 600 anos, para produzir o seu melhor livro: O 31º peregrino, publicado em 1993 pela editora Estação Liberdade, com ilustrações de Giselda Leirner.
Trata-se de uma história extremamente significativa em termos humanos e emocionais. Uma narrativa tocante e de estilo incomum que, através de um instrumental exclusivamente léxico, transporta o leitor para seis séculos no passado com uma eficiência rara. Ainda mais porque não segue os parâmetros protocolares da fc convencional. As descrições são ligeiras e não há muitas explicações para situar o leitor. Toda a ambientação emana do estilo rebuscado, que lança mão de uma infinidade de palavras desusadas. Esse estilo, com um quê de barroco, pode parecer estranho ao leitor moderno, mas se deve a escolha do autor, que se fez passar pelo próprio Chaucer.
Contos de Cantebury relata as histórias de trinta peregrinos (entre eles, o próprio Chaucer) a caminho da Catedral de Cantebury, ao sul de Londres, local em que o santificado Arcebispo Becket foi imolado pelos cavaleiros de Henrique II. Cada um dos romeiros assume um arquétipo social e por ele é batizado. Por isso os personagens não têm nomes, mas classificações: o Pároco, o Padre da Freira, o Frade Mendicante, o Monge, a Prioresa, a Mulher de Bath, o Tecelão, o Tapeceiro e o Tintureiro (que formam uma trindade importante na narrativa de Scavone), o Mercador, o Vendedor de Indulgências, o Estudante de Oxford, o Cozinheiro, o Carpinteiro, o Magistrado, o Cavaleiro, o Escudeiro, o Moleiro, o Cônego e seu Criado, o Médico, o Provedor, o Lavrador, a Freira, o Homem do Mar, o Feitor, o Proprietário Rural, o Beleguim e o Estalajadeiro.
Scavone aproveita a narrativa para fazer considerações muito interessantes sobre o Roteiro dos Peregrinos (há um mapa do mesmo na quarta capa do livro, desenhado por James Scavone) que guarda ligações com a mitologia de São Tiago e, por sua vez, remete aos primórdios de outro caminho de peregrinação, Santiago de Compostela, com uma surpreendente explicação da origem desse termo que justifica perfeitamente a releitura fantástica que Scavone dá a obra de Chaucer.
Chaucer/Scavone conta a história de um até então não citado trigésimo primeiro peregrino, que se une aos romeiros a meio caminho. Trata-se da Mulher Grávida, cujo estado parece ter relação com o sobrenatural e alarma os peregrinos católicos que, naturalmente, são muito supersticiosos.
A história relatada pela Mulher Grávida é, em si, uma jóia do horror gótico medieval, que reporta aos clássicos do sobrenatural que formam o caldeirão no qual foram cozidos todos os gêneros fantásticos modernos.
Entretanto, O 31º peregrino é uma novela de fc. É claro que, para ser classificada assim, há que se encontrar nela algum componente explícito do gênero, e ele surge à altura devida, quando a Mulher Grávida abandona o grupo durante a noite e vai encontrar seu destino, que é testemunhado pelo narrador Chaucer/Scavone. Mas isso é menos importante que os conflitos humanos que emanam das relações entre os arquétipos definidos por Chaucer e das elucubrações filosóficas, históricas e sociológicas do autor/personagem.
O livro ainda guarda muitas outras qualidades. É uma novela que mergulha no cristianismo e dele faz um discurso ambivalente. Se o afirma ou o rejeita, fica ao leitor a responsabilidade por decidir.
O 31º peregrino está entre os melhores textos da fcb, ao lado de "A escuridão", de André Carneiro, e A hora dos ruminantes, de José J. Veiga e, como tais, deve ser leitura obrigatória para aqueles que apreciam a literatura fantástica brasileira e querem experimentar seus limites.