quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Arquétipos de massa: Labirintos

Está aberta a campanha de financiamento coletivo para publicação da coletânea Arquétipos de massa: Labirintos, do escritor, tradutor e professor Fábio Fernandes, pela editora Kafka.  
Diz o texto de divulgação: "Uma das (muitas) funções da ficção, de modo geral, é servir de espelho do cotidiano, através de símiles, comparações, contradições. A vida imita a arte, dizem uns. Outros afirmam que a arte, se não emula necessariamente a vida, lhe fornece inspirações.
Foi pensando nas semelhanças entre arquétipos ficcionais e certos aspectos de nossa realidade que Fábio Fernandes começou a escrever microficções que batizou de Arquétipos de Massa: pequenos fragmentos do cotidiano revistos sob outras luzes. Na fronteira onde o lúdico atravessa o trágico, os Arquétipos de Massa reúnem apocalipses diários, alienígenas que praticam a banalidade do mal, princesas enclausuradas nas próprias fantasias, imperadores da galáxia do próprio quarto, personagens cômicos e sombrios que se cruzam em labirintos, em diversos percursos de leitura oferecidos pela multiplicidade de tramas."
A campanha oferece três modalidades de apoio: na mais básica, o apioador recebe um exemplar do livro, na intermediária, o livro vem acompanhado de um poster e, na avançada, além do livro e do poster, o apoiador também recebe um exemplar do livro Mulher com avestruz, da escritora curitibana Regina Benitez. 
A campanha, que ficará aberta aqui até meados de março, é do estilo fexível, isto é, o livro será publicado e entregue aos apoiadores independentemente de atingir a meta proposta, o que é uma boa garantia neste modelo de produção.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Lançamento: O mundo dos mil homens, Walter Kateley

O mundos dos mil homens
(Room for the super race) é o 16º volume da coleção Andarilhos, clube de assinaturas da Editora Andarilho dedicado à publicação mensal de livros de bolso de ficção fantástica clássica e inédita, de autores pouco conhecidos. 
A novela, publicada originalmente em 1932, é de autoria do escritor americano Walter Kateley. O ISFDB relaciona apenas dezoito trabalhos publicados entre 1928 e 1934 do autor,  sobre o qual se sabe tão pouco que mesmo publicações especializadas, como o Science-fiction: The Gernsback years, não determinam as datas em que ele nasceu e morreu, e consideram inclusive que o nome seja um psedônimo.
Diz o texto da quarta capa: "Dois pesquisadores de pássaros, Tower e Watson, sofrem um acidente e ficam isolados no ártico até que um objeto semelhante a um asteroide surge no horizonte, prometendo trazer grandes mudanças a todos os seres humanos". 
O livro tem 172 páginas, tradução de Gustavo Terranova Aversa e, junto ao volume, os assinantes recebem um marcador de páginas e um apoio de cartão para copos, ambos personalizados.
Os livros do Clube Andarilhos são comercializados inicialmente por assinaturas, mas após algumas semanas são oferecido para venda no saite da editora, aqui.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Resenha do Almanaque: Ordem Vermelha: Filhos da Degradação, Volume 1, Felipe Castilho

Ordem Vermelha: Filhos da Degradação,
Volume 1, Felipe Castilho. 448 páginas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.

No ano de 2017 já era possível antecer as sombras que se infiltravam no cenário brasileiro. Golpe de estado em 2016, crise econômica, perda de direitos trabalhistas, fake news em profusão nas redes sociais e o crescimento de um discurso de intolerância que sabemos bem para onde nos levou. Associado a tudo isso, desenvolvia-se uma profunda crise editorial que iria abater o mercado de publicações em sua base. Grandes editoras e redes de livrarias internacionais estavam abandonando o país enquanto as locais rolavam dívidas cada vez maiores, afigurando o calote que viria. 
Mas ainda havia fôlego para investir, pois o golpe prometera novos tempos para a economia nacional, combalida por anos de uma campanha de desmoralização política e econômica. Talvez seja o que animou a publicação do ousado romance de fantasia Ordem Vermelha: Filhos da Degradação, numa parceria da editora carioca Intrínseca com o evento midiático ComiCon Experience-CCXP, realizado em São Paulo no final de 2017. Foi promovida uma gigantesca campanha de divulgação do lançamento do volume, com cartazes enormes espalhados pela cidade, e a CCXP daquele ano foi uma grande vitrine para ele. A ousada estratégia, nunca antes vista para um autor nacional de ficção fantástica – arrisco dizer que nem para qualquer outro autor de qualquer gênero – funcionou muito bem, até proque a CCXP é toda projetada para vender, haja vista o entusiasmo consumista de seu público. 
Ordem Vermelha: Filhos da Degradação é assinado pelo escritor paulistano Felipe Castilho (autor da série de fantasia juvenil O legado folclórico). Apesar de não estarem creditados na capa, a autoria é dividida com Rodrigo Bastos Didier e Victor Hugo Sousa, ambos artistas do ambiente de games eletrônicos e RPG. Didier, ilustrador, e Sousa, animador, contribuíram de forma importante para a construção do ambiente e dos personagens do romance, bem como na construção do enredo. De fato, Castilho foi contratado para dar forma textual à história que, ao que tudo indica, é propriedade da própria CCXP. O plano original prevê mais volumes pois a página de rosto estampa a expressão "Volume 1".*
O formato do romance tem cacoetes de um jogo de RPG e talvez seja mesmo resultado de algo do gênero. O ambiente emula o modelo cosmológico de O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien, e de As crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis, no qual a magia é a "tecnologia" corrente e diversas raças míticas convivem em equilíbrio instável de intolerância e violência. No romance de Castilho há humanos e anões, e também sinfos e kaorshs, que são correlatos de duendes e elfos, além de uma miríade de animais fantásticos, como os betouros (amálgama de besouros com touros) e outras feras.
A história se passa em Untherak, cidadela medieval muralhada que se acredita ser o último refúgio da civilização assolada pela Degradação, decadência ambiental que tornou o mundo um lugar desértico e pouco hospitaleiro. Untherak é governada por uma monarquia teocrática de castas, controlada pelo culto à deusa imortal Una, e por uma poderosa polícia estatal cujo comandante supremo é o General Proghon, um tipo que em tudo lembra o personagem Darth Vader, da fanquia Star Wars. A liderança científica é exercida pelo cruel Centípede, feiticeiro cuja consciência se espalha em uma legião de indivíduos. O poder da deusa Una é mantido pelo medo e pela violência, com o povo escravizado por uma elite administrativa chamada de "Autoridades", que vive segregada em bairros nobres enquanto o povo sofre em condições de miséria. 
Nessa situação praticamente sem esperanças acontece o Festival da Morte, competição de artes marciais na qual é prometida a liberdade ao derradeiro sobrevivente. A kaorsh Raazy decide participar dele, para ter a chance de, vitoriosa, aproximar-se de Una na cerimônia de premiação. Seu objetivo é matá-la,  provar que Una não é imortal e levar Untherak a uma insurreição. O plano funciona parcialmente, mas Raazy acaba morta por Proghon e a revolta é abafada. 
Inspirado por um mítico rebelde conhecido como Aparição, um grupo de paladinos formado pela korsh Yanisha, viúva de Raazy, o sinfo Ziggy e o falcoeiro Aelian, um escavo humano que também viu seu pai ser morto na arena do Festival da Morte, tenta o que parece impossível: derrubar a tirania da deusa Una. No processo, eles terão o apoio pouco confiável do anão negro Harun, que é um Autoridade, mas cujo objetivo de vida é localizar e recuperar a armadura sagrada de seu povo, que esté escondida em algum lugar de Untherak. Juntos, eles lutarão pela libertação do povo oprimido pelo governo de Una e seus generais. Contarão ainda com a ajuda da própria Aparição, cuja identidade é o segredo mais bem guardado de Untherak.
O livro é dividido em três partes principais: "O Miolo", que introduz o ambiente de Untherak e os principais atores da trama, "O coração de todo o medo", em que a revolta é planejada, e "O fio da espada", que conta a ação dos rebeldes e a batalha do povo contra as hostes de Proghon. Cada um dos capítulos é antecedido por trechos de um epílogo, impresso em negativo, que narra a volta da Aparição à Untherak após anos de exílio. Ainda que criativo, a estrutura descontextualiza os trechos e confunde o entendimento da história, tornando a leitura truncada e quase incompreensível. Recomendo que o leitor deixe para ler as páginas negras após a leitura do romance inteiro, que funciona muito melhor. 
Há uma grande quantidade de personagens e, apesar de estarem bem integrados à história, alguns deles são bastante esquemáticos. O romance tem bons momentos e a leitura entretém. Temas como o protagonismo feminino e a diversidade de gênero são evidenciados e contribuem para a formação de um conceito mais contemporâneo para ficção fantástica brasileira, quase sempre preconceituosa e misógena. Há um comprometedor "deus ex machina" no confronto entre os rebeldes e o Centípede mas, excluindo-se esse problema, o texto de Castilho é limpo e agradável, com boas cenas de ação e descrições vívidas da topografia e da arquitetura de Untherak. Um mapa impresso em papel diferenciado, encartado no meio do volume, ajuda a visualização geral da cidadela. 
A apresentação do livro é sofisticada, com impressão em papel pólen levemente amarelado; a capa tem laminação fosca com reserva de verniz no título e uma bela ilustração de Rodrigo Bastos Didier. O livro é dedicado ao escritor Max Mallmann (1968-2016) e Lucas S. Souza (este sem maiores referências).
Talvez Ordem Vermelha: Filhos da Degradação tenha sido um romance um tanto superestimado, notadamente pela desproporcional campanha publicitária que se fez, mas não é um trabalho nada desprezível e revela que, desde que exista disposição e capital, é possível levar a literatura fantástica a um patamar mais profissonal e popular. À fc&f brasileira nunca faltou bons autores e boas ideias, temos dúzias deles. O que nos falta mesmo é, e sempre foi, o mercado, que se faz com editoras e pontos de venda. Algo que está a cada dia mais em falta, infelizmente.

*Ordem Vermelha: Crianças do silêncio é o segundo volume da série, lançado em 2023 pela Intrínseca.

sábado, 27 de janeiro de 2024

Lançamento: História e ficção científica

Já está disponível aqui o livro História e ficção científica: locomotivas, androides e outras viagens do metaverso, ensaio acadêmico de Luiz Aloysio Rangel, publicado pela editora Contexto.
O volume de 224 páginas traz, como anuncia o título, um estudo sobre a relação da ficção científica com a História. Diz o texto de apresentação "É possível entender o mundo em que vivemos a partir de obras de ficção científica? Articulando diversas áreas, como Antropologia, Sociologia e Semiótica, além da História, este livro aborda o processo histórico de formação da contemporaneidade a partir de livros e filmes de ficção científica. As obras escolhidas expressam de maneira singular o contexto mental e cultural dos autores que as conceberam e das sociedades que as fruíram. Assim, fornecem pistas de ideias, desejos e anseios manifestados em face do fervor do desenvolvimento científico, bem como das respectivas transformações sociais e políticas que definiram os contornos do mundo atual." 
Luiz Aloysio Rangel é bacharel e mestre em História Social pela PUC-SP. Uma boa entrevista com o autor, conduzida por Tiago Meira, pode ser acompanhada no podcast Viva Sci-Fi, aqui.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Juvenatrix 254

Está circulando a primeira edição de 2024 do fanzine eletrônico de horror e ficção científica Juvenatrix, editado por Renato Rosatti. 
Em onze páginas, traz mais um capítulo da novela de horror "Os guardiões dos escudos negros e de prata", de Caio Alexandre Bezarias, iniciada na edição 248, resenhas do  editor aos filmes Vingança do túmulo (1943), Corrida silenciosa (1972), Marte precisa de mulheres (1968) e Attack of the mayan mummy (1964), além de uma longa lista com os títulos de todos os filmes dos gêneros fantásticos nos cinemas brasileiros em 2023. A edição é completada com notícias e divulgação de publicações alternativas e bandas de metal extremo, e a capa exibe uma ilustração de Angelo Junior.
Cópias em formato pdf podem ser obtidas pelo email renatorosatti@yahoo.com.br.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Literartes 18

Ainda em 2023, foi lançada a edição 18 da revista acadêmica LiterArtes, publicação eletrônica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, dedicada ao estudo dos diálogos contemporâneos da literatura infantil e juvenil com outras linguagens, sob coordenação editorial das professoras Karin Volobuef, Maria Zilda da Cunha Nathalia Xavier Thomaz. 
Junto à edição anterior, este número compõe um painel amplo sobre a ficção científica contemporânea. Em 265 páginas traz dez artigos e três resenhas, assinadas por Rhuan Felipe Scomacao da Silva, Jucélia de Oliveira Martins, Samuel Renato Siqueira Sant’Ana, Cido Rossi, Fernanda Aquino Sylvestre, Alexander Meireles da Silva, Ana Carolina Lazzari Chiovatto, Gabriele Cristina Borges de Morais, Damásio Marques da Silva, Gabriella Menczel, Raquel Mayne Rodrigues e Amanda Berchez. Ainda apresenta uma entrevista com a escritora e pesquisadora Ana Rüsche, que também assina uma das resenhas. A ilustração da capa é de Raphael Berthoud Oliveira. 
A publicação pode ser lida online ou baixada gratuitamente aqui. Edições anteriores também estão disponíveis.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Literatura Fantástica 10

Está disponível a décima edição da revista Literatura Fantástica, editada por Jean Gabriel Álamo, dedicada ao fantástico brasileiro contemporâneo. 
Agora com periodicidade quinzenal, a publicação tem 160 páginas e traz doze textos inéditos de fantasia, ficção científica e horror assinados por Djone Pereira, Gabriel Madalena, JVC Brandão, Bàbá Àkẹ̀renà, Robson Muniz, Paulo Fidelis, Caio Cesar, S. Malizia, Antônio Almeida e Caio Bezarias.
Literatura Fantástica é publicada unicamente em formato digital e está a venda aqui. Edições anteriores também estão disponíveis.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

HQ memories 15

HQ Memories
é um fanzine de e sobre quadrinhos editado pelo cartunista Luigi Rocco sob a chancela do selo Inumanos Agrupados, dedicado a resgatar trabalhos e autores esquecidos dos quadrinhos brasileiros e estrangeiros.
A  edição 15 foi lançada em janeiro de 2024 e traz, em 36 páginas, os quadrinhos "Robotim" (1965), de Minami Keizi, "O velho gentil" (1963), de Steve Ditko, "Ficção: Terceira aventura" (1967), de Paulo Ernesto Nesti e Paulo Hamasaki, "Os rejeitados" (1968), de Wallace Wood, "Marimbondo" (1988), de Affonso, "Sujismundo" (1979) e "Zé Trabuco e Lenga-Lenga" (1961), ambos de Ruy Perotti, e "Walkie e Talkie: Casa, doce casa", de Giorgio Cavazzano e Giorgio Pezzin. 
Imagens e detalhes de cada um dos trabalhos apresentados podem ser conferidos no blogue da publicação, aqui.
HQ Memories pode ser encomendado diretamente com o autor, pelo email luigirocco29@gmail.com.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Somnium 123

Está disponível o número 123 do Somnium, fanzine digital do Clube dos Leitores de Ficção Científica, editado por Rubens Angelo, Eduardo Torres, Gerson Lodi-Ribeiro e Luiz Felipe Vasques. 
A edição tem 64 páginas e é especialmente dedicada à pessoa de Dantos Dumont, que tem sido bastante referenciada nas obras nacionais do subgênero steampunk. Dumont aparece nos contos e artigos publicados, e inclui uma biografia redigida por Dario Andrade. Os contos são assinados por Roberto de Sousa Causo e Marcelo Rabello dos Santos, quadrinhos de L. C. Braga e J. J. Marreiro, e uyma entrevista com o escritor Cirilo S. Lemos, que recebeu o Argos 2023 pelo romance de horror Estação das moscas (Draco). A capa tem uma ilustração de Rubens Angelo trabalhada em IA, bem como uma série de ilustrações também mediadas por IA.
A edição está disponível para download gratuito aqui e segue fora do saite oficial do Clube, que segue indisponível depois de um breve funcionamento; portanto todas as edições anteriores continuam inacessíveis. Depois de tanto tempo sem solução, é de se supor que esse será o "novo normal". 

sábado, 20 de janeiro de 2024

Teatro de horror em dose dupla

A temporada de espetáculos teatrais de 2024 começou com duas estreias sensacionais para quem gosta de boas histórias de horror.
Para sentir medo de verdade, está em cartaz Misery, peça inspirada no romance de 1987 do escritor americano Stephen King, considerado o mestre do horror moderno. Misery já teve montagens anteriores para o teatro brasileiro e também um filme de cinema em 1990, que valeu o Oscar para a atriz Kathy Bates. 
Diz a sinopse: "Após sofrer um grave acidente de carro, o famoso escritor Paul Sheldon, conhecido pela série de best-seller sobre a personagem Misery Chastain, é resgatado pela enfermeira Annie Wilkes. Autointitulada a principal fã do autor, Annie se revolta com o desfecho trágico da personagem Misery descoberto em um manuscrito de Sheldon e o submete a uma série de torturas e ameaças."
A montagem traz no elenco Marcello Airoldi, Mel Lisboa e Alexandre Galindo. O roteiro original é de William Goldman, adaptado por Claudia Souto e Wendell Bendelack e direção de Eric Lenate. 
Em exibição no TUCA (Teatro da PUC-SP), que fica na Rua Monte Alegre, 1024, em São Paulo. A temporada vai até o dia 31 de março, com sessões às sexta às 20h30, sábados às 20h, e domingos às 17h.
A outra peça, esta bem menos assustadora, é a comédia musical O jovem Frankenstein, adaptação do espetáculo da Broadway inspirado no ótimo longa metragem homônimo de 1974 dirigido por Mel Brooks que, por sua vez, foi inspirado na obra seminal de 1818 da escritora britânica Mary Shelley, sendo considerado uma das melhores adaptações já realizadas. 
A peça "conta a história do Dr. Frederick, neurocirurgião que dá aulas em uma Faculdade de Medicina sobre o sistema nervoso central. Ao descobrir que recebeu de herança de seu avô, Victor Frankenstein, um castelo na Transilvânia, o médico viaja até lá e conhece o livro deixado pelo parente ilustre sobre a experiência em reanimar mortos. Ele resolve, então, fazer uma experiência e reativar a teoria do avô, mas as coisas não saem muito como o esperado."
A montagem brasileira também traz nomes conhecidos no elenco, como Marcelo Serrado (Frederick Frankenstein), Dani Calabresa (Elizabeth Benning), Totia Meireles (Frau Blücher), Malu Rodrigues (Inga), Fernando Caruso (Igor), Bel Kutner (Inspetora Hans Kemp), Claudio Galvan (o ermitão) e Hamilton Dias (o monstro), com traduão de Claudio Botelho e direção de Charles Möeller. 
O espetáculo está em exibição no Teatro Bradesco (R. Palestra Itália, 500, São Paulo), até 10 de março, com sessões de quinta a domingo Às 16 e às 21 horas.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Lançamento: Ugh-Lomi e Uya: Uma história da Idade da Pedra, H. G. Wells

A Sociedade das Relíquias Literárias é um projeto da Editora Wish para viabilizar a tradução e publicação em ebook de textos raros de ficção fantástica internacional, resgatando assim obras desconhecidas de autores em domínio público, quase sempre inéditas em português. Uma assinatura mensal dá ao apoiador o direito de um novo ebook a cada mês, entre outras recompensas aditivas. 
A relíquia de janeiro é a novela Ugh-Lomi e Uya: Uma história da Idade da Pedra (A story os stone age, Ugh-Lomi and Uya), do escritor inglês H. G. Wells, originalmente publicada em 1897.
Considerado um dos precursores da ficção científica moderna e tendo em seu currículo obras fundadoras do gênero, como A máquina do tempo (1895), A guerra dos mundos (1898) e O homem invisível (1897), Wels aqui se volta ao passado pré-histórico da humanidade, numa ficção que se reflete em obras como e A guerra do fogo (1909), de J.-H. Rosny aîné (1856-1940) e a série O clã da Caverna do Urso (1980), de Jean M. Auel. 
Diz o texto de apresentação da obra: "Esta narrativa é de uma época além da memória da espécie humana, antes do início da história... Há 50 mil anos, em meio aos bosques, pântanos e pradarias costeando o Rio Wey, pouco se diferenciava os seres humanos dos animais selvagens habitantes da região. Em meio a conflitos tribais e ameaças constantes, Ugh-Lomi e a jovem Eudena precisam se unir para sobreviver juntos e, quem sabe, dar início a uma nova história."
O volume tem 90 páginas, tradução de Camila Fernandes e traz também a biografia do autor. A capa tem uma ilustração de Eduardo Hy Mussi.
Para fazer parte da Sociedade, basta formalizar o apoio na página do projeto, aqui.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Resenha do Almanaque: Oneironautas, Fabio Fernandes & Nelson de Oliveira

Oneironautas
, Fabio Fernandes & Nelson de Oliveira, 88 páginas. São Paulo: Patuá, 2018. 

Um jogo muito popular nas ofinas de escrita criativa é o round robin, uma dinâmica que consite em, a partir de uma fragmento de texto inicial, outro autor é estimulado a dar-lhe continuidade. Por sua vez, após ter escrito o trecho que lhe cabia, este passa a tarefa a outro autor e assim por diante até que o texto seja finalizado. Cada autor pode dar ao texto o encaminhamento que quiser, mas deve respeitar o que foi feito antes dele e deixar um gancho dramático que desafie o autor seguinte. O resultado dessa dinâmica costuma ser um tanto desconjuntado, mas isso é o que menos importa: o importante é exercitar a criatividade e a capacidade de improviso. 
Por isso é supreendente o resultado que Fabio Fernandes e Nelson de Oliveira obtiveram na curiosa Oneironautas, noveleta construída no molde de um round robin. É claro que o fato de termos aqui autores experientes e de muitos recursos, além de serem apenas dois, contribuiu para que a narrativa tivesse um padrão mais regular e os conceitos propostos não fossem abandonados pelo caminho. 
Fabio Fernandes é um autor da Segunda Onda da ficção cinetífica brasileira, que fez parte ativa do fandom dos anos 1980/1990, quando a produção nacional era praticada principalmente nos fanzines. Mais recentemente, Fernandes tornou-se referência no fandom digital e forte influenciador dos autores da terceira onda. Seu livro Back in the U.S.S.R., editado pela Patuá em 2019, figurou entre os dez finalistas do Prêmio Jabuti na categoria Entretenimento. Já Nelson de Oliveira é uma sumidade no ambiente mainstream literário, por duas vezes vencedor do Prêmio Casa de Las Americas. Ficou mais conhecido no ambiente dos fãs de ficção científica com o heterônimo Luiz Brás, que criou especialmente para assinar seus trabalhos nesse gênero. É um escritor consagrado, portanto. 
Logo, não se podia esperar pouco de Oneironautas. A história é um cabo de guerra entre os dois autores, cada um deles retesando a corda o mais que pode para derrubar o oponente. Mas quem venceu a disputa foram os leitores.
Oneironautas é uma viagem lisérgica na qual os dois autores, que se colocam como personagens da história, deslocam-se loucamente pelos sonhos um do outro, encontrando personalidades alternativas de si próprios e de seus acompanhantes, com as quais interagem em situações imprevisíveis e absurdas. Em alguns momentos a narrativa ganha ares de ficção científica, com divertidas referências à elementos da cultura pop, como personagens de desenhos animados, séries de tv, cinema e histórias em quadrinhos. 
De qualquer forma, a história é o que menos importa, já que o grande mérito de Oneironautas é o prazer estético formal da narrativa que, em muitos momentos, flerta com a poesia – embora nunca abandone o padrão de prosa – em quinze capítulos curtíssimos de trezentas palavras cada (uma regra do jogo), mais um epílogo, nomeados de forma nem sempre legível. A edição enxuta vem ilustrada por padrões gráficos que dão ao conjunto uma estética concretista que também remete a uma certa poética. A leitura pode ser tão rápida quanto se queira. Dá para ler o volume todo em pouco mais de meia hora, mas aí se vai perder boa parte da graça, que é vaguear sem freios pelos sonhos absurdos destes dois oneironautas.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Resenha do Almanaque: A mão que pune - 1890, Octávio Aragão

A mão que pune: 1890
, Octávio Aragão. 212 páginas. Rio de Janeiro: CJD, selo Caligari, 2018.

Depois de um prolongado hiato (seu último livro, Reis de todos os mundos possíveis, foi publicado em 2013 pela Draco), o professor e escritor carioca Octavio Aragão, que muitos conhecem como o pai da franquia Intempol, retornou em 2018 com o romance A mão que pune: 1890, pela Caligari, selo da Editora CJT, do Rio de Janeiro. Trata-se de uma aventura de ficção científica de contorno steampunk, pulpesca e movimentada, no mesmo ambiente de seu primeiro romance A mão que cria (Mercuryo, 2006), com uma profusão de personagens da ficção contracenando com personalidades históricas, num resultando que fica entre a ficção alternativa e história alternativa. 
A história de A mão que pune: 1890 ocorre numa realidade histórica já bastante alterada pelos eventos do volume anterior. A França, ambiente dos primeiros movimentos da narrativa, é uma república presidencialista que tem o escritor Julio Verne como chefe de Estado. A confiança de Verne na ciência e suas ideias tecnologicamente inovadoras tornaram o pais uma potência do século XIX, na qual cientistas pesquisam todo tipo de bizarrices. Experiências com seres humanos, por exemplo, são muito frequentes e os resultados deles trarão muitos problemas para o protagonista, o jornalista Angelo Agostini, cartunista ítalo brasileiro que inicia a história em Paris, desolado com a morte recente da amante e um filho bebê para cuidar. Ao visitar a Feira Mundial de Paris, em 1890, Agostini reconhece D. Pedro II, imperador do Brasil, que está em Paris em segredo para tentar obter a cura para uma doença misteriosa que está matando seu filho. Mas a França está a beira de uma guerra promovida por um grupo extremista que pretende fazer uso dos mortos-vivos de Dr. Frankenstein como principal força de ataque contra os híbridos entre homens e animais advindos das pesquisas de um certo Dr. Moreau, que formam a guarda pretoriana do regime verniano. A essa problemática já bastante complicada, acrescente-se o sequestro do filho de Agostini e uma batalha de dirigíveis nos céus do Brasil, regada a generosas doses de violência e pirotecnia, e temos como resultado final uma história extremamente movimentada e muito difícil de compreender. 
A estrutura narrativa barroca é uma das assinaturas estilísticas de Aragão, que geralmente começa suas histórias em ritmo leve e convencional, mas acelera constantemente de forma que, a certa altura, a narrativa fica tão frenética que é como tentar acompanhar um filme projetado em alta velocidade. Além disso, a grande quantidade de personagens similares – todos são maus e violentos – torna a identificação de quem matou quem num complexo quebra cabeças no qual as peças não se encaixam muito bem. Fica a amarga sensação de que perdemos alguma coisa pelo caminho, justamente aquilo que seria a chave para o entendimento pleno da história. 
Mas, na verdade, não há nem nunca houve chave alguma. Aragão é um autor que trabalha mais no nível das sensações do que da racionalidade, ou seja, suas histórias são para serem sentidas, não compreendidas. A tecitura narrativa não-linear soa algo desordenada, como uma história contada através de fragmentos aleatórios extremamente intensos. É como se o leitor fosse um soldado no front de uma batalha, tão absorvido pela necessidade de manter-se vivo em meio a barafunda que não consegue ter uma visão geral do que está acontecendo. Por ver a coisa de muito perto, perde toda a perspectiva.
É praticamente impossível ser mais preciso quanto aos contornos da história deste romance. Isso pode ser uma vantagem, pois também é praticamente impossível dar spoillers. Mas é certamente uma peça impressionante, tanto que conveceu os conservadores membros do Clube dos Leitores de Ficção Científica a dar-lhe o prêmio Argos de melhor romance de 2018 (o Prêmio Argos é votado apenas pelos associados do referido Clube e escolhe, anualmente , os melhores textos originais longo e curto da ficção fantástica brasileira). 
Christopher Kastensmidt, escritor texano radicado no Brasil e autor dos contos da série A Bandeira do Elefante e da Arara, assina um prefácio que entra na brincadeira de Aragão, antecipando o nonsense que se multiplicará nas páginas seguintes. 
Por isso tudo, não há necessidade de ler A mão que cria para fruir A mão que pune. Se você ficar com a impressão que perdeu algo, relaxe. A ideia é essa mesmo.

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Resenha do Almanaque: O estranho oeste de Kane Blackmoon, Duda Falcão

O estranho Oeste de Kane Blackmoon
, Duda Falcão, 184 páginas. Porto Alegre: Avec, 2019.

Uma das primeiras manifestações editorialmente articuladas da literatura de gênero foi a Weird Fiction, que levou esse nome por estar associada à revista "pulp" Weird Tales, que circulou entre 1923 e 1954 nos Estados Unidos da América. Weird Tales era basicamente uma revista de contos de horror, mas como naqueles tempos pioneiros ainda não havia protocolos claros que estabelececem as características de cada um dos gêneros, os autores da revista costumavam misturá-los em receitas muito variadas, de modo que é quase impossível classificá-las em um gênero específico. São, portanto, Weird Fiction. Autores como H. P. Lovecraft, Robert E. Howard e Clark Ashton Smith são representantes destacados desse período. E como não havia limite algum, não raro os autores acrescentavam doses generosas de dramas épicos, e um dos período mais recorrentes era faroeste que, mais tarde, tornou-se também um gênero em si.
Para um autor americano do início do século XX, colocar histórias estranhas num ambiente de faroeste não era uma coisa incomum, afinal, em muitos lugares dos EUA, os cenários contuavam sendo os mesmos do século anterior. Contudo, esse tipo de narrativa acabou por ganhar corpo próprio, de forma a se tornar ele mesmo um gênero, que é hoje conhecido como Weird West. 
Pode parecer estranho um autor brasileiro se interessar por esse gênero tão estravagante e distante da cultura local, até porque temos ambientes similares ainda pouco explorados, como o visto na novela de horror O fascínio, de Tabajara Ruas, e o filme longa metragem Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Mas visto de dentro do fandom, é natural que um autor fã apaixonado pela Weird Fiction sinta o impulso de fazer algo nessa linha. Tanto que já tivemos, em anos recentes, as antologias Cursed City (2011, Estronho), Sagas Volume 2:  Estranho Oeste (2012, Argonautas) e os romances Areia nos dentes, de Antonio Xerxenesky (2008, Não) e O peregrino: Em busca das crianças perdidas (2011, Draco), de Tibor Moricz.
Este é também o caso de Duda Falcão, escritor gaúcho que há anos vem desenvolvendo uma robusta carreira como autor de horror sobrenatural. Sua especialidade são as narrativas curtas, que já reuniu em quatro volumes: Protetores (2012, Underworld)), Mausoléu (2013, Argonautas), Treze (2015, Avec) e Comboio de espectros (2017, Avec). Seu trabalho mais recente é justamente um fix-up (romance construído a partir de contos independentes de um mesmo contexto) de Weird West com o pitoresco título O estranho Oeste de Kane Blackmoon, publicado em 2019 pela Avec, editora que nos últimos anos tem executado um trabalho muito consistente no ambiente da ficção fantástica.
O estranho oeste de Kane Blackmoon conta a história de um mestiço de branco e índio que sustenta sua vida como caçador de recompensas. Numa de suas caçadas, Blackmoon conhece Sunset Bison, xamã lakota (sioux, para os inimigos) que pede sua ajuda na missão sagrada de recapturar um demônio e o inicia nos mistérios do xamanismo. Mas, na luta contra o ente sobrenatural que ocupava o corpo de um pistoleiro cruel, o xamã acaba por ser ferido de morte. Nos seus últimos momentos, Sunset Bison passa para Blackmoon a tarefa de encontrar e prender o demônio. Para isso, ele terá de desenvolver suas capacidades místicas ainda incipientes, pois o demônio não é nem de longe o único ente do mal que se arrasta pelos desertos e pradarias do oeste selvagem. 
O romance é composto de oito contos dispostos linearmente na ordem dos acontecimentos: "Homem-urso", Bisão do Sol Poente", "Armadilha", Resgate do mundo inferior", "Procurado", Sob os auspícios do Corvo", "Nevasca", "O trem do inferno". Não há pretenção de situar as histórias de Kane Blackmoon num contexto histórico realista, como acontece, por exemplo, na série italiana de quadrinhos Mágico Vento, na qual circulam personalidades famosas em ambientes e fatos historicamente reconhecíveis, que dão à narrativa um caráter elegante e sofisticado. Neste aspecto, o romance de Falcão tem uma pegada mais similar ao primeiro volume da série A Torre Negra, de Stephen King: o estranho Oeste de Blackmoon é uma ambiente mítico, totalmente descolado do real, no qual anacronismos não são relevantes e podem até ser elementos dramáticos que fazem parte das histórias. 
A leitura do romance é agradável, muito por conta do talento de Falcão em contar histórias. Percebe-se a preocupação do autor em criar um texto que possa ser prazeroso e compreensível para leitores de todas as idades. Não há cenas grotescas e sanguinolentas em exagero, e a violência intrínseca ao gênero tem a estética das histórias em quadrinhos. O resultado é mais para uma aventura de dark fantasy do que de horror gore, embora tenha potencial para isso. Ainda traz, em camadas mais profundas, a questão do preconceito, uma vez que o personagem é um pária tanto entre os brancos quanto entre os indígenas, mas esse tema não foi explorado em profundidade. 
Kane Blackmoon acaba por se tornar um dos personagens de referência da literatura nacional de horror e teve ótima repercussão quando do lançamento do livro, em 2019. Ainda que o romance tenha um desfecho bastante satisfatório, acredito ser possível dar sequência às suas histórias, pois o mal do mundo é inesgotável. Mas isso é lá com Duda Falcão.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Táquion 3

Terceiro número do periódico literário digital Táquion, editado por Renato A. Azevedo para o Clube Brasileiro de Ficção Científica, dedicado ao gênero da ficção científica, cujo número de estreia foi lançado em novembro de 2022. 
A edição tem 134 páginas e traz contos de Bertoldo Schneider Jr., Rubem Cabral, João Maselli Gouvêa, Davi M. Gonzales, Marcelo Henrique Pereira, Marcelo Luiz Dias, Vilto Reis e Pedro Coppola, selecionados na primeira etapa de um concurso permanente que, de acordo com os editores, contou com centenas de textos inscritos e valeu a Schneider, Cabral e Coppola significativos prêmios monetários. Interessante que, dessa primeira leva de textos, o editor só selecionou textos de autores homens. Será que não havia nenhuma escritora entre os concorrentes que merecesse estar entre eles?
Traz ainda um conto do escritor canadense Matthew Hughes, artigo de Gilson Luis da Cunha, e entrevista com o artista Sword Speed, responsável pela ilustração da capa. A edição é completada com resenhas de filmes, jogos e séries de tv. 
Taquion 3 pode ser baixada gratuitamente aqui, nos formatos pdf, epub e mobi. Edições anteriores também estão disponíveis.

sábado, 13 de janeiro de 2024

Horror e ficção científica clássicas têm periódicos

A editora Tramatura, que em meados de 2023 lançou o primeiro número do periódico literário Científica Ficção, anunciou para breve a publicação do primeiro número do também periódico Gritos de Horror, igualmente apoiado na publicação de contos de autores estrangeiros, muitos dos quais caídos em domínio público. Essa parece ser uma tendência do mercado, que já oferece diversos projetos editorais nessa linha, e deve se ampliar, visto que muitos autores importantes de ficção científica, fantasia e horror também atingirão, em breve, setenta e cinco anos de suas mortes. 
A editora promete uma primeira edição de Gritos de Horror com mais de 250 páginas, com textos de Algernon Blackwood, Orville R. Emerson, Ambrose Bierce, Arthur Leo Zagat, Robert Bloch, August Derleth, Paul Compton e ainda, um texto do autor brasileiro Jefferson Sarmento. Completarão o volume uma coluna sobre o cinema de horror e uma entrevista com Edilton Nunes, editor do saite Stephen King Brasil
Mais informações no saite da editora, aqui.
E está disponível aqui a segunda edição de Científica Ficção, lançada no final de 2023, com 266 páginas e contos de Isaac Asimov, Frederik Pohl, Bradner Buckner, Tom Godwin, Ross Rocklynne, Paul W. Fairman, John W. Campbell Jr. e o escritor brasileiros Rubens Angelo.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Resenha do Almanaque: O homem fragmentado, Tibor Moricz

O homem fragmentado
, Tibor Moricz. 214 páginas. São Paulo: Terracota, 2013.

Um dos temas que tem sido mais utilizados pela mídia recente nas séries e filmes de fc&f é o dos mundos ou realidades paralelas. Basicamente, não há muita diferença: são realidades geralmente similares, mas com pequenas alterações que foram consequência de alguma sutil decisão passada. Mas pode haver também grandes alterações, que tornam uma realidade absolutamente irreconhecível diante da original. Essas ideias foram exploradas primeiro pelos escritores de ficção científica, como por exemplo no conhecido O homem no castelo alto, de Philip K. Dick, recentemente adaptado para uma série de tv pelo canal de streaming Amazon Prime, em que duas realidades paralelas distintas acabam por interagir de alguma forma. Vimos isso também na série de tv Fringe, e no romance pós-modeno A cidade e a cidade, de China Miéville.
Tais especulações renderam até um gênero a parte, o da história alternativa, que consite em dramas históricos nos quais alguma alteração no passado mudou os rumos da história, como por exemplo em A máquina diferencial, de Bruce Sterling e Willian Gibson, obra fundadora do movimento steampunk. Também podemos recordar do subgênero da ficção alternativa, que propõe obras alternativas de uma outra, como O outro diário de Phileas Fogg, de Philip José Farmer, e Frankenstein unbound, de Brian Aldiss. Ou ainda, na mistura de ficção alternativa e história alternativa, como em Anno Dracula, de Kim Newman. 
Enfim, há inúmeras variações sobre o tema. Seria surpreendente que os autores brasileiros apaixonados por ficção científica nunca tivessem enveredado por esses caminhos. A maior parte deles preferiu, contudo, seguir os caminhos da história alternativa, da ficção alternativa e do steampunk. São raros os exemplos de uma história sobre realidades paralelas. E é justamente este o caso do romance O homem fragmentado, do escritor paulistano Tibor Moricz.
Conta a história de um escritor que, sofrendo de culpa pela morte acidental de seu único filho, num momento de depressão intensa decide dar cabo da própria vida com um tiro de revólver na cabeça. Ao acionar o gatilho, porém, nada acontece: a arma parece ter falhado. Mas ao abrir os olhos adepois da grande tolice que havia intentado, dá de cara com a expressão assustada de seu filho não mais morto. 
É claro que a arma funcionou e, na sua realidade original, ele estourou os miolos. Mas sua consciência escapou da morte e passou a saltar entre as múltiplas realidades. A partir daí, a realidade desse homem infeliz vai se tornar um turbilhão de jornadas alucinantes por diversas realidades paralelas nas quais as coisas são cada vez mais bizarras. A certa altura, quando as coisas já pareciam totalmente fora de controle, ele encontra uma outra viajante entre as realidades, que vai ajudá-lo a entender e aceitar o novo modelo da sua vida, no qual a morte é apenas um episódio como outro qualquer.
Moricz é um dos nomes mais destacados da fase inicial da terceira onda da ficção científica brasileira, ainda na primeira década do século XXI. Seu romance de estreia foi Síndrome de Cérbero (2007), seguido de Fome (2009) e O peregrino (2011). Mais recentemente, o autor estabeleceu sua base editorial na internet, publicando exclusivamente em ebooks, inclusive reeditando os seus primeiros trabalhos no formato digital, mas O homem fragmentado segue existindo apenas no formato impresso. O autor sempre se mostrou ousado nas temáticas de seus textos e, apesar de ter iniciado já com boa técnica, ganhou maturidade ao longo do tempo. O homem fragmentado é certamente seu livro mais maduro e intimista, aquele com o qual ficou mais a vontade como autor. A história é intrigante e tem mistério suficiente para motivar o leitor a continuar lendo, mesmo nas situações mais absurdas nas quais lança o protagonista. 
Infelizmente, Moricz parece ter reduzido o ritmo: seu romance  mais recente, a ficção científica planetária Dunya, foi publicada em 2017, há já quatro anos. Talvez esse lapso tenha a ver com a crise editorial que desmotiva a publicação de livros no país, ou porque o Brasil pareça cada vez mais com os cenários absurdistas que o protagonista de O homem fragmentado tem que lidar. O que é uma pena, pois a ficção de Tibor Moricz é cada vez mais necessária no Brasil. 

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Barbárie Fantástica 3

Está disponível o terceiro número da revista Barbárie Fantástica, editada por Jean Gabriel Álamo, inteiramente dedicada à aventura de fantasia. A revista é uma publicação do selo FantasticHub em parceria com a revista Literatura Fantástica, o Fórum Conan e o canal Explorando Segredos e Mistérios.
A revista tem 338 páginas e traz contos de Tarcísio Farias, Tessa Olivier, Ricardo José Dunder, Marco Antonio Collares, Ricardo Quartim, Robson Muniz, Oghan N'Thanda, Robilam C. Jr., Haeckel Almeida e do editor. Cada conto é introduzido por um desenho do ilustrador Apollo. Traz ainda uma entrevista com a atriz Sarah Douglas (a Rainha Taramis do filme Conan, o destruidor) e um artigo assinado por Marco Antonio Collares. A capa traz uma ilustração de Edgard Rupel.
Barbárie Fantástica é publicada unicamente em formato digital e pode ser adquirida aqui

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Múltiplo 87

Está disponível a edição de janeiro do fanzine de quadrinhos Múltiplo, editado por André Carim pelo Estúdio Múltiplo, voltado à produção brasileira independente de quadrinhos de ação e aventura. 
A edição tem 60 páginas e traz quadrinhos de Luiz Iório e Omar Viñole, artigos de Andrej Biasic e Quiof Thrul, e ainda, as colunas "Vi, Li e Gostei..." por Adalberto Bernardino, e "Múltiplos Projetos HQs BR"  pelo editor. A ilustração da capa é de Luiz Iório.
Todas as edições do Múltiplo podem ser baixadas gratuitamente aqui. Também possível encomendar cópias impressas aqui.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Conexão Literatura 103

Está disponível a edição de janeiro do periódico eletrônico Conexão Literatura, editado por Ademir Pascale, dedicado à divulgação de novos autores e obras da literatura brasileira. 
A edição tem 147 páginas e traz contos de Idicampos, Luiz F. Haiml, Iraci J. Marin, Luciana Simon de Paula Leite, Ney Alencar, Roberto Schima e Sellma Luanny. Também entrevista os escritores Joaquim Cândido Gouveia (destacado na capa), Bert Jr., Emerson Sitta, Fábio Uchôa, Hélio Bacelar Viana e João Vitor Faria, além de poemas, crônicas, resenhas e artigos de assuntos variados.
A revista tem distribuição gratuita e esta edição pode ser baixada aqui. Números anteriores também estão disponíveis.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Lançamento: O fantástico como gênero e modo atemporal

Está disponível para download gratuito a antologia O fantástico como gênero e modo atemporal, organizada por Fernanda Aquino Sylvestre (UFU) e Aparecido Donizete Rossi (UNESP) para a Editora Projetium, de Uberlândia. 
O livro tem 268 páginas e reúne nove ensaios acadêmicos sobre o fantástico na literatura, dos pesquisadores Silvia T. Zangrandi, Lúcio Reis Filho, Alexander Meireles da Silva, Luciana Colucci, Débora Furtado Moraes, Josilene Pinehiro-Mariz, Cynthia Beatrice Costa e Cinthia Raquel de Castro Silva, com a participação dos organizadores em alguns deles. 
Diz Cido Rossi na apresentação do volume: "As narrativas insólitas, em seus mais variados modos e gêneros, têm envolvido tanto leitores quanto espectadores – um fenômeno de longa data, que descende das narrativas orais de cunho maravilhoso, como contos de fada e outras manifestações do folclore, o que abarca
vampiros, bruxas, monstros, gênios, dragões, demônios, seres mitológicos e outras tantas personagens intrigantes, misteriosas e assustadoras que habitam um universo no qual nos confrontamos com o impossível. [...] Pensando nessa permanência dos diversos “fantásticos” e na sua extensão para diversos suportes, o livro O fantástico como gênero e modo atemporal acolheu textos do fantástico de maneira ampla, em suas diversas manifestações artísticas."
Este é o segundo livro publicado pelo Grupo de Pesquisa Vertentes do Fantástico na Literatura (CNPq/UNESP). O primeiro foi Entornos do gótico e do fantástico, publicado no primeiro semestre de 2023.

domingo, 7 de janeiro de 2024

Mystério Retrô 16

Mystério Retrô
é um periódico dedicado à literatura de mistério, terror e ficção de crime, editada por Tito Prates. Publicada desde 2019, a revista tem edição exclusivamente impressa é viabilizada através de financiamento direto na plataforma Catarse. 
Neste momento, está aberta a campanha para a edição 16, que traz contos de Ricardo Vitor, Anne van den Bedum, Lucas Freitas, O Narrador, Will Santos, Bettina Stingelin, De Ann, Debora Gimenes, Rafael Delboni, Régis Amoretti, Roger Reis e Yvna Lobo, dois contos do editor da série "O antiquário portenho", além de artigos de pesquisa assinados por Washington Soares e Kykha Santos e a coluna "Agatha Christie' de Chrystal Siqueira. 
Um dos diferenciais das campanhas da Mystério Retrô é a entrega imediata, uma vez que a reviste impressa antecipadamente. 
Mystério Retrô 16 pode ser adquirida aqui. Também há ofertas para aquisição de combos com várias edições ou com outras publicações do coletivo.

sábado, 6 de janeiro de 2024

Literatura Fantástica Vol. 9

Esta disponível a edição de janeiro da revista Literatura Fantástica, editada por Jean Gabriel Álamo, dedicada ao fantástico brasileiro contemporâneo. 
A publicação tem 310 páginas e traz textos de Ricardo Quartim, Carlos Rocha, Fellipe Ruwer, Miguel Lincar, Robson Muniz, Paulo Moreira, Oghan N'Thanda, Franco Balest, Daniel da Rosa, Geraldo Campos Trindade e do editor. 
Diz o texto de divulgação: "Conheça os mistérios de uma casa assombrada em um planeta alienígena, participe de conspirações políticas junto a rebeldes exilados da antiga Lemúria, enfrente criaturas num pântano e conheça uma mercenária relutante e seu estranho mascote, conheça os dramas e motivações de um carrasco voluntário não-remunerado, participe de um banquete junto a um ser imortal após uma chacina, comemore um Natal sobrenatural, viaje da China para planos etéreos em busca da imortalidade, desvende a liturgia de uma aldeia do futuro que não deixou de lado a sua relação com seus orixás, desbrave o perigoso deserto de um planeta alienígena, conheça a rotina de São Paulo ao fim deste século, conheça os mistérios da Serra da Capivara e os segredos de um clube de entusiastas do Opala". 
Interessado? Literatura Fantástica é publicada unicamente em formato digital e está a venda aqui. Edições anteriores também estão disponíveis.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Axxón 305

Os editores do periódico argentino Axxón, voltado à ficção científica literária, anunciaram nas redes sociais que, por motivos financeiros, devem desativar seu saite online dentro de algumas semanas, de modo que o acervo de mais de 300 edições publicadas desde 1989 ficará indisponível. Já há algum tempo que a Axxón enfrenta dificuldades. Tanto que só publicou duas edições entre 2022 e 2023, uma a cada ano. 
Diz a mensagem dos editores em sua página oficial no Facebook: "Amigos: Este é o último mês do Axxón On Line. Não vou poder pagar a taxa de seis meses em fevereiro. Estou descobrindo onde posso hospedar meus domínios (são três), apenas para manter meus endereços de e-mail. Caso contrário, terei que usar o Gmail e fazer um trabalho enorme em meus acessos por email/chave. Ouço ideias, propostas, ajuda, sugestões. A taxa anterior foi 147 dólares. Sugiro que baixem o que for importante para vocês."
As edições da Axxón têm extremo valor, porque publicam textos de praticamente toda a América Latina e Espanha, além de traduções de autores de outras línguas. Algumas edições até trouxeram autores brasileiros. 
Axxón 305, publicada em setembro de 2023, demonstra bem o conteúdo multinacional que caracteriza a publicação, com contos de Zacarías Zurita Sepúlveda (Chile), Dennis Mombauer (Sri Lanka), Louis Evans (EUA), Sanmartín Espada (Espanha) e Saurio (Argentina). A capa é de Marina Sol Abdala.
Todas as edições, do número zero até o 300, ainda estão disponíveis para download gratuito aqui. As edições 301 em diante não podem ser baixadas mas podem ser conferidas online no saite da revista.
É sempre lamentável quando uma publicação desta área tão desfavorecida deixa de existir, especialmente uma do porte e da tradição da Axxón, mas esse é um fenômeno algo familiar ao fandom brasileiro que, desde há muito tempo, convive com o apagamento deliberado de sua memória. Como diria o saudoso Dr. Ruby Felisbino Medeiros, editor do fanzine Notícias do Fim do Nada: "Mais uma publicação que vai para o cemitério da FC."*

*Boa notícia: Após a publicação desta nota, os editores da Axxón divulgaram nas redes sociais que receberam dações suficientes para sustentar a hospedagem do banco de dados da publicação por mais um ano. Dessa forma, o acesso ao acervo está garantido pelo menos até fevereiro de 2025. 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Relançamento: O palácio de Ifê, Simone Saueressig

Uma das primeiras publicações anunciadas para 2024 é o relançamento de O palácio de Ifê, novela de fantasia da escritora gaúcha Simone Saueressig originalmente publicada pela LP&M em 1989, que há tempos estava fora de catálogo. A nova edição vem pela editora Bennu, com 80 páginas e ilustrações de Rubem Filho. 
Diz o texto de divulgação: "Uma casa apertada, no morro, com condições socioeconômicas precárias, mas com moradores felizes e orgulhosos de sua escola de samba. De repente, o irmão mais novo, Pingo adoeceu. E essa doença misteriosa se espalhou, atingindo a todos. Quem não estava doente, já não saía de casa ou usava máscara para não se contaminar, e o mundo se perguntava como sair disso. Dedé e Apito, irmãos mais velhos de Pingo, resolveram fazer alguma coisa. Embrenharam-se em uma aventura fantástica, em um outro mundo, o mundo dos Orixás, nas terras de Ifê. Em uma mistura de encantamento, fé e aventura sobrenatural, imersos em muita cultura e também preocupação ambiental, os pequenos personagens mostram sua força e determinação para conseguir, com a ajuda dos orixás, uma solução para salvar seu irmão e o mundo."
Não se trata de um fruto deste momento em que muitos autores têm enveredado no caminho da ficção folclórica e do afrofuturismo, pois Saueressig é uma das pioneiras em utilizar mitos e religiosidades do povo brasileiro na construção de textos de ficção fantástica para jovens, sendo este um de seus exemplos mais bem realizados. 
Uma bem vinda republicação que certamente vai encantar os leitores das novas gerações.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Resenha do Almanaque: A Liga Extraordinária, Volume II

A Liga Extraordinária, Volume II (The League of Extraordinary Gentlemen, Vol. II), Alan Moore & Kevin O'Neill. 232 páginas. Tradução de Marquito Maia. São Paulo: Devir, 2004.

Segunda parte da novela gráfica steampunk do festejado roteirista e escritor inglês Alan Moore, cuja história se passa numa realidade alternativa na qual os personagens da ficção fantástica existem de verdade.
A princípio, como foi visto no primeiro volume da mesma história, publicado no Brasil em três edições pela Editora Pandora Books em 2001, não estava muito claro até onde ia o delírio do autor. Nela protagonizavam uma quantidade restrita de personagens da fc&f europeia, quais sejam, o estoica Guilhelmina Murray (criada por Bram Stoker em Drácula), o aventureiro decadente Allan Quatermain (criado por Henry Rider Haggard em As minas do Rei Salomão), o pirata terrorista Capitão Nemo (criado por Júlio Verne em Vinte mil léguas submarinas), o esquizofrênico Dr. Henry Jeckyll (criado por Robert Louis Stevenson em O médico e o monstro) e o psicopata Halley Griffin (criado por H. G. Wells em O homem invisível) que, em maio de 1898, são reunidos pela Inteligência Britânica numa espécie de comando suicida para enfrentar o perigosíssimo e louco Moriarty (arqui-vilão criado por Arthur Conan Doyle para a série Sherlock Holmes) que pretende nada menos que dominar o mundo jogando a Inglaterra no caos com a ajuda de um exército de imigrantes chineses e a tecnologia desenvolvida por um certo Dr. Cavor (personagem que não aparece na história, exceto pela presença da cavorita, que é uma citação de Os primeiros homens na Lua de H. G. Wells).
Nesse volume já havia uma quantidade um tanto exagerada de citações que, a certa altura, aproximou-se perigosamente do pastiche. Nas mãos de um autor de talento menor, essa característica negativa certamente seria potencializada num resultado indigesto (como geralmente são as histórias que se apoiam em citações, homenagens e outras formas de colagem dramática), mas o roteiro elaborado de Moore manteve a consistência dos personagens já ricos e deu mais substância aos outros, como o caso da Srta. Murray que, em Drácula, tem uma presença apenas coadjuvante. O mais surpreendente é Nemo, com características bem diversas da adaptação para o cinema pela Disney, que é a versão mais popular do personagem.
Entretanto nesse primeiro volume o elemento principal era mesmo a história, a qual todos os personagens serviam. Essa qualidade narrativa, enaltecida pela arte criativa do ilustrador britânico Kevin O'Neill, rendeu sucesso imediato a obra que, em pouco tempo, chegou as telas de cinema numa adaptação bem abaixo das expectativas dos leitores.
A Liga Extraordinária II segue a história do ponto em que a primeira parou, uma vez que o último quadro daquela já antecipava o que viria, numa citação sutil a A guerra dos mundos de H.G.Wells.
A primeira sequência mostra a batalha final entre Lemuel Gulliver, John Carter e os exércitos marcianos para expulsar definitivamente de Marte a presença invasora e beligerante de uns alienígenas cefalópodes que haviam se instalado por lá. A batalha é bem sucedida para os marcianos, mas os alienígenas apontam seus módulos de fuga para a Terra e... bem, a Liga Extraordinária terá de entrar em ação novamente. Porém, desta vez as coisas serão mais difíceis.
Primeiro porque os invasores vindos de Marte têm uma tecnologia muito superior, contam com uma arma de calor poderosíssima e devastam rapidamente toda a região onde desembarcam. Segundo porque as relações entre os cavalheiros extraordinários está um tanto abalada pelos eventos dramáticos da primeira aventura. E, finalmente, porque há um traidor entre eles.
Na busca por um modo de derrotar os invasores, enquanto Nemo, Hyde e Griffin ficam em Londres para combater os alienígenas e impedir seus trípodes de guerra de atravessarem o Sena e chegarem ao Parlamento, Quatermain e Murray são enviados a uma floresta densa, próxima a Watterloo, para encontrar um certo médico geneticista que lá é mantido secretamente pelo governo britânico. Com ele devem pegar uma arma experimental chamada de H142. É claro que eles vão encontrá-lo. É claro que a arma secreta lhes será cedida. E é claro que ela vai derrotar os invasores alienígenas, mas... desta vez o que menos importa é a história. Ela é apenas um background no qual Moore e O'Neill esbanjam suas artes.
Moore deu extrema profundidade a cada um dos personagens, indo muito além da mera citação. Desta vez o que está no foco é a interrelação dos personagens da Liga, as paixões de cada um e as consequências, algumas vezes fatais, de suas atitudes. Cada personagem é individualizado como num romance e, apesar de haver muito mais citações do que no volume anterior (com espaço até para a tira de quadrinhos do Urso Rupert), elas caem para um plano secundário frente a dramaticidade exacerbada do roteiro, ampliada pelos desenhos de O'Neill que estão mais detalhados e grotescos do que no volume anterior.
Mas não é só. Quando a história acaba é que vem a melhor parte.
A editora Devir incorporou ao volume vários apêndices, como jogos e passatempos espirituosos, muitas páginas com ilustrações – incluindo as usadas nas capas das edições originais – e o surpreendente Almanaque do novo viajante, um guia de viagem de 50 páginas com ilustrações magníficas e inspiradoras de O'Neill. O Almanaque apresenta relatos de viagens pelo mundo da Liga Extraordinária, com depoimentos de Mina Murray, Lemuel Gulliver, Capitão Nemo e o ambíguo Orlando entre outros viajantes.
O texto tem mais de 50 mil palavras – um verdadeiro romance dentro do álbum –, no qual Moore usa e abusa de uma infinidade absurda de citações e homenagens, ultrapassando qualquer barreira que esse tipo de argumento poderia enfrentar, criando toda uma geografia alternativa para o nosso mundo, baseado em centenas de livros e mitologias. Todas as possíveis referências que um leitor perspicaz puder  imaginar lá estão, distribuídas em capítulos, um para cada continente.
No Almanaque do novo viajante Moore também nos apresenta pelo menos mais três formações da Liga Extraordinária: uma no século XVII que ficou conhecida como Os Homens de Próspero, liderados por um certo Duque de Milão. A segunda, no século XVIII, comandada por Lemuel Gulliver, na qual esteve também o americano Nutty Bumppo (criação do escritor americano James Fenimore Cooper). O grupo liderado por Mina Murray foi o terceiro, desmantelado após os eventos deste segundo volume, e teria havido ainda um quarto grupo que lhe sucedeu, ainda com a participação de Mina Murray, um misterioso " filho"  de Allan Quatermain a quem a Srta. Murray se refere como "A", e participações ocasionais de um tal Professor Challenger. Cita ainda a Expedição Bellman, um grupo formado em 1870 para explorar um buraco misterioso no qual uma garotinha (a Srta. A. L.) desapareceu por algumas horas. Neste caso não houve muito o que se registrar devido ao desastre final do projeto: todos os membros da Expedição Bellman enlouqueceram e/ou morreram depois de voltar do fatídico mundo subterrâneo. A Srta. A. L. também viria a enlouquecer e falecer em decorrência de uma doença estranha contraída numa segunda abdução, desta feita através de um espelho.
Por este breve relato dá para imaginar o universo delirante que Alan Moore desenhou para sua Liga, no qual não faltaram referências a Opar, Narnia, a Lagoa Negra, Arkhan, Laputa, Xanadu, Shagri-La e as Montanhas da Loucura. É claro que Moore não citou tudo, é impossível arrebanhar todas as mitologias e fantasias escritas pelo mundo, mas ele se esforçou bastante, citando até obras de Gabriel Garcia Marques e Jorge Luiz Borges entre muita coisa absolutamente inidentificável, e só posso imaginar até onde Moore iria se conhecesse metade da fantasia brasileira.
Após da leitura, chega-se a conclusão que só o Almanaque já faz valer o investimento na aquisição do volume, sendo ele uma das melhores fantasias já publicadas em língua portuguesa. Além do mais, o acabamento da publicação é caprichado, com capa cartonada, plastificada e com orelhas.

Obs: A Devir publicou posteriormente outros volumes da saga: Dossiê negroSéculo 1910, Século 1969, Século 2009 e A tempestade, além de republicar a série original e Nemo, spin-off em três partes protagonizado pela filha do Capitão Nemo.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Resenha do Almanaque: Dampyr

Dampyr (Dampyr), Mauro Boselli e Maurizio Colombo, ilustradores diversos, Sergio Bonelli Editore, 98 páginas. Tradução de Julio Schneider. São Paulo: Mythos, 2004/2005.

O mito do vampiro parece ser um manancial inesgotável. Desde as histórias folclóricas dos romenos, passando pelos monstros góticos de Sheridan Le Fannu e Bram Stoker, pelas centenas de filmes de cinema mais ou menos inspirados neles, até os livros de Anne Rice e Stephen King, os chupadores de sangue sobreviveram a todo tipo de intempérie, incluindo o talento discutível e o gosto duvidoso de muitos  artistas que ousaram se utilizar do mito ao longo desse tempo.
Há alguns anos ocorre no Brasil uma espécie de culto aos vampiros, formado a partir do jogo de representação Vampiro: A máscara (Vampire, the masquerade) de Mark Rein Hagen, publicado em 1991, em nome do qual já foram registrados até assassinatos verdadeiros. O jogo expandiu-se de tal forma que se tornou um gênero particular dentro dos jogos de representação, superando inclusive o interesse pelas aventuras baseadas em mitologias celtas e medievais que originaram esse tipo de jogo.
O interesse dos jogadores de Vampiro expandiu-se para além do jogo. Em busca de novas aventuras, os gamers buscaram inspiração nos romances, gerando uma onda de consumo de literatura vampiresca. Os autores oportunistas manifestaram-se imediatamente, sendo que alguns realmente atingiram uma espécie de estrelato, com títulos listados entre os dez mais vendidos por semanas seguidas.
Autores brasileiros e estrangeiros ousaram dar roupagem diversa aos seus vampiros, instalando-os em outros gêneros como fantasias históricas, ficção científica e histórias alternativas. Nas histórias em quadrinhos eles também ganharam versões tradicionais e criativas. Há vampiros tanto como vilões quanto como heróis.
Mas não tem jeito, um vampiro é sempre um vampiro e não passa mesmo de uma variação, nem sempre sutil, do velho Conde Drácula, não importa o que lhe façam. Por isso, são muito interessantes as histórias de Dampyr, revista de quadrinhos originalmente italiana (fumetti), produzida pela Sergio Bonelli Editore, roteiros de Mauro Boselli e Maurizio Colombo e primeiro traduzida no Brasil pela Mythos Editora.
Dampyr não é exatamente um vampiro, mas um meio-vampiro. Uma abominação, filho de vampiro e humana, personagem lendário tanto entre os vampiros quanto entre humanos, pois quando esse tipo de união profana acontece, o fruto é um vampiro de vampiros, um ser superpoderoso que pode destruir os vampiros apenas com o contato de seu sangue que, para qualquer vampiro, é um veneno potente.
O dampyr desta história chama-se Harlan Draka, e ele não sabe que é um dampyr. Entretanto ele ganha a vida fingindo ser um, visitando aldeias em algum lugar no Leste Europeu e ludibriando os aldeões com pantomimas de exorcismo combinadas com seu colega de trapaças, Yuri. Harlan tem visões estranhas e aterrorizantes, que ele imagina serem algum sintoma de desequilíbrio mental.
Desse modo, Harlan Draka viveu sem conhecer seu destino, até que se vê diante da guerra. Uma guerra terrivelmente brutal mas ainda humana (não é claro, mas nota-se referências à guerra na Bósnia). Mercenários a soldo do governo marcham contra a aldeia de Yorvolak para fincar posição no território inimigo, mas a encontram abandonada. Apenas uma senhora idosa é encontrada, que tentar alertá-los para procurar um dampyr, pois um perigo terrível assola o lugar, mas ela é imediatamente assassinada. Liderando os mercenários está Kurjak, um veterano impiedoso mas consciente de suas obrigações militares. Ele tem dificuldade em dominar a tropa acostumada a fazer o que bem entende, e precisa impor sua autoridade pela força.
Kurjak não acredita em demônios, por isso surpreende-se ao ter de enfrentar um bando de vampiros que ataca ao anoitecer. Lembra-se então do aviso da velha e manda dois de seus homens buscarem ajuda. E eles encontram Harlan Draka, que se dizia um dampyr, levando-o a força para Yorvolak.
Na aldeia abandonada, Harlan confronta Kurjak e descobre que o mercenário havia capturado um dos vampiros, uma garota chamada Tesla. Para sua sorte, a vampira quer abandonar o bando, pois é muito maltratada pelo seu mestre, o impiedoso Gorka, um dos vampiros originais. E assim, desse encontro bizarro surge o trio que vai se tornar companheiro ao longo da saga do dampyr.
Nem preciso dizer como a aldeia será atacada por Gorka e seu bando e que será difícil para Harlan e seus novos amigos enfrentá-los. Assim como a forma como Yuri é morto por Gorka e volta da morte como seu escravo, para destruir seu antigo amigo Harlan.
Ao longo desta aventura introdutória em duas edições, Harlan descobrirá que é realmente um dampyr, filho Draka, um dos vampiros originais mais poderosos. A cada história seguinte, que vai se desenvolver em diversas partes do mundo, Harlan enfrentará um desses arcanos senhores da morte para reunir todos os fragmentos de sua vida, pois ele pode absorver o poder e a memória bebendo o sangue dos vampiros que derrota. No processo também enfrentará a pior escória da humanidade, como guerrilheiros sádicos, gangues urbanas, mafiosos e respeitáveis membros da alta sociedade, sempre com a ajuda valiosa e muito bem armada de Kurjak, que desertou de sua guerra suja, e de Tesla, sempre de grande auxílio nos combates corpo a corpo.
Os desenhos dos dois primeiros número de Dampyr, subtitulados "O filho da vampiro" e "A estirpe da noite", são de Mario "Majo" Rossi, ilustrador de primeira linha que elabora imagens de uma crueza tremenda, com um realismo pouco visto nos quadrinhos modernos. Armas, veículos e edificações são apresentados em todos os detalhes como bem se recomenda às histórias de guerra, com o clima pesado da narrativa gótica ressaltado pela técnica perfeita de claro/escuro, especialidade dos artistas dos fumetti.
O número três, "Fantasmas de areia", é desenhado por Luca Rossi e o número quatro, "A guerra dos vampiros", tem a arte assinada por Maurizio Dotti, e ambos mantém a excelência do trabalho.
Dampyr aproveita cada detalhe das tradicionais histórias de vampiros, mas não deixa de também se utilizar de abordagens criativas e conceitos ainda não vistos nas milhares de histórias de vampiros já narradas.
No Brasil, a revista Dampyr durou apenas até o número 12 (publicado em 2005), quando foi suspensa. 
A Editora 85 retomou a publicação no país, reiniciando desde seu primeiro número em edições de 388 páginas que reúnem quatro episódios da série original. O último publicado foi o nº10, lançado em agosto de 2023, levando a edição brasileira até o número 40 da série italiana, que continua a ser publicada até hoje e tem mais de 280 edições. 
Em 2022, o personagem chegou às telas de cinema com roteiro do próprio Mario Boselli e direção de Riccardo Chemello.