Depois de uma prolongada fase de experimentalismos formais e narrativos, as histórias em quadrinhos demonstram ter chegado à maturidade com o lançamento de O gosto do cloro (Le goût du chlore), uma crônica em quadrinhos do francês Bastien Vivès, originalmente publicado em 2008, quando o autor tinha apenas 22 anos. É o primeiro trabalho de Vivès publicado no Brasil, através do selo Barba Negra da Editora LeYa, numa edição de alto luxo com 144 páginas belamente coloridas.
Conta a história de um jovem que é intimado por seu terapeuta a praticar natação para ajudar no tratamento de uma escoliose severa. Relutante, ele vai a uma piscina pública e passa a conviver ali num micro universo social, uma comunidade de anônimos colocados juntos por apenas alguns minutos por semana. E são todos realmente anônimos, uma vez que o leitor sequer fica sabendo os nomes dos personagens principais.
O jovem chega à piscina um tanto inseguro, pois o que ele conhece da natação é suficiente apenas para não morrer afogado. Só sabe boiar e nadar de costas, e muito mal. Mesmo assim, fica elaborando competições imaginárias com os demais freqüentadores, entre os quais está uma garota bonita, que nada muito bem, mas sua timidez galopante impede que se aproxime dela.
Até o dia em que um amigo o acompanha à piscina, um jovem em tudo diferente dele. Animado e extrovertido, logo está de conversa com a garota que ele observava a distância, e essa é a deixa para que, enfim, ele lhe dirija a primeira palavra, um prosaico "oi" na hora de ir embora. Na semana seguinte, a moça toma a iniciativa de falar com ele e começa então uma espécie de amizade de bolso, restrita aquele universo molhado. Todas as semanas, os jovens encontram-se na piscina e a experiente nadadora passa a instruir o rapaz nos fundamentos da arte. Durante um desses treinamentos, ele sugere atravessar a piscina de ponta a ponta, totalmente submerso, e passa então a treinar natação em apnéia. Num desses momentos, a garota fala-lhe alguma coisa sob a água, através de mímica labial, que ele não chega a compreender, muito menos nós, visto que os movimentos são em francês. Isso, somado a um desfecho ambíguo, ao mesmo tempo trágico e anticlimático, conduz o leitor a participar da história decidindo pelo destino das personagens.
O gosto do cloro foi o terceiro trabalho publicado de Vivès e tornou-se sua obra prima ao receber o Prêmio Revelação do Festival de Angoulême, em 2009. O que destaca o trabalho entre o que geralmente se vê nos quadrinhos modernos é a delicadeza narrativa, tanto no roteiro quanto nos desenhos, numa estética minimalista e econômica. O ambiente da piscina, não muito rico em detalhes, transforma-se num universo de tons e texturas, onde a expressão física predomina. Reconhecemos os personagens mais por sua movimentação corporal do que por qualquer outro detalhe. A superfície água, quase sem movimento, marca a fronteira entre dois mundos distintos, cada um com seu próprio tempo e história, e o texto mínimo, sem grandes tensões, favorece um ritmo ágil e agradável na leitura. O efeito sequencial ganha relevância, com angulações e enquadramentos belos e cinematográficos.
Hoje com 28 anos de idade, Vivès continua produtivo, publicando de dois a três títulos por ano. Só em 2012 já lançou em seu país os álbuns
Le Jeu Vidéo e
La Famille. Aqui está um autor que deve ser observado de perto.