terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

HQ Memories 3

Está disponível o terceiro número de HQ Memories, fanzine impresso de e sobre quadrinhos editado por Luigi Rocco e dedicado a resgatar trabalhos e autores esquecidos dos quadrinhos brasileiros e estrangeiros, com a chancela do selo Humanos Agrupados. 
A edição tem capas coloridas em cartão, 30 páginas internas em preto e branco, e apresenta tiras do lendário "Vizunga" de Favio Colin (que ilustra a capa), "Animan", de Wallace Wood, "O bosque encantado" de Joel Linck, e "Maxime, o motoqueiro", de Allain Voss, cuja página final – estampada da última capa – é colorida. 
Esta e outras edições do HQ Memories podem ser adquiridas diretamente com o editor, pelo email luigirocco29@gmail.com.

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Juvenatrix 232

Edição de março do fanzine eletrônico de horror e ficção científica Juvenatrix, editado por Renato Rosatti.  
Em suas quinze páginas, traz contos de Kátia Oliveira dos Santos Andrade e Maria Ferreira Dutra, resenha literária à coletânea Tripulação de esqueletos, de Stephen King, por Marcello Simão Branco, resenhas do editor aos filmes de cinema Day the world ended (1955), The astro-zombies (1968), The crawling eye (1958) e The brain eaters (1958), além de ilustrações de Adriano Siqueira, Maria Ferreira Dutra, Rynaldo Papoy e Kátia Oliveira dos Santos Andrade. Divulgação e curiosidades sobre fanzines, livros, filmes e bandas independentes de metal extremo complementam a edição. 
Cópias em formato pdf podem ser obtidas pelo email renatorosatti@yahoo.com.br.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Literomancia 10

Apesar de ter anunciado a suspensão das atividades no final de 2021, a revista eletrônica Literomancia, editada Luana Nicolaiewsky e dedicada à ficção de fantasia, ficção científica, terror, suspense e policial em todas as mídias, acaba de disponibilizar sua edição número 10. 
O editorial declara que, com ela, a equipe quer agradecer aos leitores e aos colaboradores pelo apoio durante o período de publicação.
Trata-se, portanto, de uma verdadeira antologia que integraliza, num único volume de 304 páginas, todos os contos publicados nas edições anteriores. São sessenta e sete contos ao todo: dezessete de fantasia, dezessete de fc e trinta e três de horror. 
O volume pode ser baixado gratuitamente no saite da publicação, aqui. As edições anteriores que, além dos contos aqui republicados, trazem  artigos, entrevistas, resenhas, quadrinhos e galerias com ilustrações de diversos autores, também estão disponíveis. 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Eita!


Editada por Iana Araújo, André Colabelli, Lucas Rafael Ferraz e Vanessa Guedes, Eita! é mais uma revista eletrônica dedicada à ficção científica e à fantasia escrita por autores brasileiros. O que torna a Eita! diferente das outras publicações similares é ser publicada inteiramente em inglês com o objetivo divulgar a fcf brasileira entre os leitores estrangeiros.
Já foram lançadas três edições. O número zero saiu em dezembro de 2020 e trouxe textos de Isabor Quintiere, Miguel Dracul, Lais Dias, Thiago Ambrósio e Machado de Assis. O número 1 saiu em junho de 2021, com textos de Amanda Nunes Avarenga, Santiago Santos, Marina Melo, Michel Peres e Lima Barreto.O número 3 saiu em fevereiro de 2022, com textos de Frederico Toscano, Giu Yukari Murakami, Luísa Montenegro, Saren Camargo, Wilson Júnior e Thomaz Lopes. O trabalho de tradução para a língua de Shakespeare é dos próprios editores, com a colaboração de Natalle Moura.
Posso até entender os motivos que levam uma revista brasileira a esse tipo de aventura, mas certamente não compartilho deles. O mesmo foi tentado diversas vezes por editores de quadrinhos brasileiros no século passado, objetivando o poderoso mercado norte americano. Vários títulos foram publicados em inglês, tanto por artistas independentes como por editoras bem representadas comercialmente mas nenhum foi adiante e penso que o motivo, além do absoluto desinteresse do público alvo, foram as dificuldades com a tradução, que é o mais ingrato trabalho da atividade editorial. 
Ainda que a Eita! não tenha sido criada para o leitor brasileiro, o conteúdo da edição zero está disponível para leitura no saite da revista, aqui. As demais edições, contudo, precisam ser compradas.. em dólares!

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Tricerata 9

Está disponível a edição número nove da revista digital Tricerata, editada por Lucas Lorran e Maurício Coelho pela Editora Cyberus, dedicada à produção literária nacional de fc, fantasia e horror. 
Lançada em fevereiro, a revista tem trinta páginas e apresenta contos de Bruno M. Garcia, Sergio Boni e Igor Moraes. Completa a edição um artigo de Lucas Havoc Suzigan que se esforça para explicar o que vem a ser o obscuro termo "lunarpunk". 
Incomodou-me profundamente ler o seguinte parágrafo no expediente da revista: "Este número não teve revisão final, foi revisado apenas pelos próprios autores de seus respectivos textos. Caso tenha interesse em revisar voluntariamente, mande-nos um e-mail". Num fanzine isso já seria bastante comprometedor mas, numa revista com ISSN e de uma editora que publica livros comercialmente (inclusive de autores estrangeiros), é indesculpável. 
Esta e outras edições podem ser baixadas gratuitamente no saite da editora, aqui.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Planeta Lem

Em junho de 2021, o Curso de Letras Polonês (Departamento de Polonês, Alemão e Letras Clássicas), o Centro de Estudos Poloneses, Kurytybski Klub Studenta e Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPR com o Observatório Polonês da Unespar e o Clube Literário Władysław Reymont, promoveram o curso online "Planeta Lem", inteiramente dedicado a discutir a obra do escritor Stanislaw Lem.
Todos os encontros do curso foram gravados e estão disponíveis no canal da UFPR, aqui. Cada encontro aborda o autor e sua obra sob um determinado ponto de vista, sempre com a participação de acadêmicos especialistas seja em Lem, seja na língua polonesa. Também há leituras de alguns de seus textos, com especial destaque para a jóia "Como o mundo foi salvo", uma peça que certamente está entre os dez melhores contos de fc já escritos, nunca publicado em língua portuguesa.
São estes os temas e participantes dos encontros:
1- "LEMbranças de LEMberg - O Holocausto e o passado de Lwów no Stanisław Lem", com Piotr Kilanowski (UFPR)
2- "LEMofóbicos, mas sem medo de LEM (Leituras Estudantis Moderadas)". Com Adriano Fonsaca (UFPR), Fabiana Gramonski (UFPR), Dierik Leon Miranda Aguiar (UFPR), Regina Pimentel (UFPR) e Marcos Nogas (UFPR).
3- "Para aLÉM do LEM. A mente plurilíngue", com Karim Siebeneicher Brito (Unespar)
4- LEMNISCATA 1 - os infinitos de Lem", com Olga Guerizoli Kempińska (UFF) e Izabela Drozdowska-Broering (UFSC).
5- "LEMNISCATA 2 - os infinitos de Lem", com Henryk Siewierski (UnB), Rita Mara Netto de Moraes e Ivan Eidt Colling (UFPR).
Ainda que não seja mais possível obter o certificado de participação, vale a pena assistir as aulas que, certamente, formam o maior e mais detalhado estudo do autor disponível em língua portuguesa.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Os salgueiros tem campanha

A editora Clock Tower, em parceria com a editora Ex Machina, ambas especializadas em ficção de horror da era Weird, lançaram no último dia 7 de fevereiro uma campanha de financiamento coletivo para publicação da coletânea Os salgueiros e outros assombros da natureza, do escritor britânico Algernon Blackwood (1869-1951), cuja obra entrou em domínio público em 2021. 
O volume será composto por cinco novelas: "Os salgueiros" (1907), "Antigas feitiçarias" (1908), "O wendigo" (1910), "O homem que as árvores amavam" (1912) e "Descida ao Egito" (1914), com tradução de Ronaldo Gomes, Maurício Búrigo, José Geraldo Gouvêa e Bruno Costa. A introdução é assinada por J. T. Joshi, especialista na literatura desse período, e conta ainda com ilustrações exclusivas de Alexandre Teles. 
Como acontece nas campanhas desse tipo, há diversos níveis de colaboração e cada um dá direito a recompensas exclusivas como marcadores de páginas, ecobags personalizadas e outros títulos do catálogo. 
Para colaborar e garantir um exemplar, é preciso se cadastrar na plataforma de financiamento e escolher um dos pacotes oferecidos na página do projeto, aqui. A campanha vai durar sessenta dias e, a depender da superação de uma escala de metas pré-estabelecidas, o livro poderá contar mais textos além dos citados acima, tanto de pesquisadores como do próprio Blackwood.
Apoiei diversas dessas campanhas nos últimos anos e, até hoje, não fiquei decepcionado por fazê-lo. As edições da Clock Tower são muito bem feitas e é bastante difícil obter os livros depois, então aproveite a oportunidade.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Axxón 2022

Uma das mais tradicionais revistas de ficção científica latino americana, a argentina Axxón, editada por Eduardo Carletti, enfrenta dificuldades para sustentar seu acervo de mais de trezentas edições, e para isso está movendo uma campanha internacional de financiamento de modo a manter todo o gigantesco arquivo online e seguir com o trabalho de publicar novas edições. 
O site oficial da revista não tem funcionado muito bem, com páginas que não carregam e arquivos com erros, o que talvez seja efeito das dificuldades de armazenamento. Mas a página de entrada anuncia a publicação do número 303 em novembro de 2021, com ficções de Néstor Darío Figueiras & Laura Ponce (Argentina), Daniel SanMateo (México), Juan David Cruz Duarte (Colômbia) e Mike Jansen (Holanda). 
Em tempos passados, a Axxón chegou a publicar ficções de brasileiros mas, a exemplo desta edição, o conteúdo nos últimos anos tem sido principalmente de escritores de países da América Latina, o que não é nada mal, diga se passagem. Afinal, os brasileiros já lemos por aqui mesmo. Mas essa ausência revela o afastamento de dois fandons que já foram bem mais próximos, especialmente nos anos 1990, quando havia um valioso intercâmbio entre os eventos especializados organizados aqui e lá, que sempre contavam com a participação de brasileiros e argentinos. O próprio Carletti esteve no Brasil algumas vezes e, em pelo menos uma oportunidade, tive o prazer de conversar pessoalmente com ele. Havia até um projeto de se realizar uma grande convenção de fc latino-americana no Brasil, que nunca decolou devido às enormes dificuldades pelas quais ambos os países passaram, mas houve pelo menos um grande evento em 1990, a I ConSur, organizada em Buenos Aires pelo CACyF - Círculo Argentino de Ciencia Ficción y Fantasía.  
Contudo, nada está perdido. Toda a coleção da Axxón, do número zero (1989) ao 300 (2021), está disponível aqui para download nos formatos epub, mobi e pdb. Vale a pena garimpar porque, além de textos de autores castelhanos e brasileiros, há muitos de língua inglesa, incluindo clássicos de figurões do gênero e textos de grandes nomes da fc&f internacional nunca traduzidos no Brasil.
Aproveite também para visitar a Enciclopedia de la Ciencia Ficción y Fantasía Argentina, criada e organizada pela Axxón, bem como a fanpage da publicação nas redes sociais, aqui. E, se puder, colabore para manter a Axxón viva. 

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Filhos de sangue e outras histórias, Octavia E. Butler

Filhos de sangue e outras histórias
(Bloodchild and other stories)
, Octavia E. Butler. Tradução de Heci Regina Candiani. 240 páginas. São Paulo: Morro Branco, 2020.

Por muito tempo, os leitores brasileiros de ficção científica se perguntaram por que os livros de Octavia Butler não eram traduzidos no país. Acreditava-se que talvez fosse o fato da escritora não ser conhecida aqui, apesar de ter conquistado uma coleção dos principais prêmios do gênero e ter alguns contos publicados na edição brasileira da revista Isaac Asimov Magazine. Embora a maior parte dos escritores vistos na IAM também sofrerem do mesmo mal, essa nunca pareceu ser uma explicação suficiente, pois alguns tiveram chances, como Kim Stanley Robinson, Connie Willis e George R. R. Martin, por exemplo. 
Alguns dos motivos ficaram mais claros quando a editora Morro Branco lançou-se à aventura de publicar no Brasil o melhor da ficção científica e fantasia escrita por mulheres. E, entre todas elas, nenhuma é mais contundente que Octavia Butler, considerada hoje a grande dama da fc mundial. Já no primeiro título de Butler traduzido aqui, Kindred: Laços de sangue (Kindred), o motivo vem a tona de forma clara: a ficção de Butler é muito diferente daquilo que o leitor brasileiro estava acostumado a  receber. A começar pelo tema que trabalha questões de preconceito e intolerância com uma crueza dolorosa. Butler não embarca no conceito da golden age de que a ficção científica deve tratar dos problemas com positividade e universalidade, geralmente extrapolados em futuros distantes para não perturbar os homens brancos que formam o grosso do público do gênero não só no Brasil, mas em toda parte. Butler não faz concessões; sua faca está afiada e cutuca bem em cima da ferida ainda aberta. 
Desde então, Butler tornou-se a autora de fc mais publicada da Morro Branco e uma das mais traduzidas no Brasil, com oito títulos: Kindred (2017), Despertar (2108), Ritos de passagem (2019), Imago (2021), A parábola do semeador (2018), A parábola dos talentos (2019), Semente originária (2021), Elos da mente (2022), e Filhos de sangue e outras histórias (2020), que é o objeto desta resenha. 
Publicada originalmente em 1996, Filhos de sangue e outras histórias é uma coletânea de contos e ensaios que reúne boa parte da produção curta da autora. Sua republicação em 2005, com acréscimos, é a base da tradução brasileira. Portanto, a coletânea reunia, a época, toda a sua produção curta. A outra única coletânea da autora é Unexpected stories, de 2014, ainda inédita aqui. Butler confessa, no breve prefácio, que tem enorme dificuldade em trabalhar com a ficção curta e que se sente muito mais à vontade nos textos longos. 
O volume é formado por três divisões principais. A primeira, nomeada "Histórias", apresenta os cinco contos antes publicados, sendo que dois deles foram vistos na já citada versão brasileira da IAM. A segunda parte é "Dois ensaios"  e a terceira, "Novas histórias", apresenta dois contos escritos para a segunda edição da coletânea. Todos os textos são complementados por notas da autora que ajudam na contextualização e no entendimento dos problemas ali apresentados, isso quando não complicam ainda mais as coisas. 
O conto que abre a primeira seção é "Filhos de sangue", originalmente publicado em 1984, ganhador dos prêmios Hugo e Nebula. É bastante difícil resumir o contexto principal deste conto, certamente um dos mais expressivos momentos da fc em todos os tempos. Conta a história de uma família, mais precisamente de um jovem pertencente a ela, que vive em um planeta em relação de interdependência biológica com os seres dali, uma antiga raça inteligente que estava em franca decadência até que os humanos lá chegaram. Essa relação implica que os homens humanos servem como hospedeiros dos ovos alienígenas, que se desenvolvem em seu interior até eclodirem em larvas famintas. Nesse momento exato é preciso fazer a retirada das larvas, antes que elas devorem o hospedeiro de dentro para fora. Por sua vez, os alienígenas protegem os humanos das dificuldades da sobrevivência naquele ambiente hostil, alimentando-os com um tipo de leite narcótico que secretam. Apesar do horror que parece significar ser hospedeiro dos ovos alienígenas para um garoto prestes a ser incubado, especialmente depois de testemunhar um parto é extremamente sanguinolento, há uma relação de afeto profundo entre o hospedeiro e alienígena, bem como entre as famílias humanas e alienígenas que não pode ser deixada de lado.
À primeira leitura, parece uma metáfora para a escravidão, mas a própria autora diz que não foi essa a ideia. De fato, a discussão está mais vinculada ao dom da maternidade que, neste caso, cabe tanto às mulheres humanas, que geram seus próprios descendentes, quanto aos homens humanos, que incubam as futuras gerações de alienígenas. Ou seja, trata-se mesmo é de uma estranha história de amor. 
O segundo conto é "O entardecer, a manhã e a noite", de 1987. Aqui, estamos às voltas com algum tipo de doença genética altamente disseminada na população, que ataca o sistema nervoso e leva as pessoas a se mutilarem até a morte. Acompanhamos a visita de um casal à mãe de um deles, interna de uma clínica que trata de pessoas com a doença. Ambos são filhos de pessoas que tiveram a doença, o que significa que também a têm e terão de enfrentar as consequências em algum momento no futuro. A questão é: seria justo ter filhos eles mesmos nessa circunstância? Há algo de bradburyano nesta história, porém Butler deriva mais para o drama familiar do que para o horror, que geralmente caracterizava o mestre. 
O conto seguinte é "Parentes próximos", publicado em 1979. Este não é um conto de fc, mas segue alguns de seus protocolos. Trata-se de um diálogo entre uma mulher jovem e o irmão de sua mãe recentemente falecida, e a conversa vai revelar verdades ocultas que estiveram sempre à vista. Esta história me lembrou muito o conto "Entre irmãos", de José J. Veiga, mais pela situação em si, do que pelo enredo. 
"Sons de fala" é o outro texto que já havia sido traduzido na IAM brasileira, também ganhador do Hugo. Trata-se de um conto publicado originalmente em 1983, que relata os fatos dramáticos que uma jovem senhora tem de enfrentar num mundo pós-apocalíptico no qual uma pandemia emudeceu todas as pessoas. Mas não só isso: além de desprovidas de linguagem, as pessoas também perderam a capacidade de entender a escrita, de modo que a comunicação ficou absolutamente comprometida. Forçada a sair da segurança de sua casa, a mulher pega um ônibus mas uma briga acaba fazendo todos desembarcarem num lugar perigoso. Num mundo em que a civilização caiu, uma bela mulher sempre será a vítima perfeita e é assim que a história inicia. 
Histórias sobre o fim da civilização por causa de pandemias mundiais são muito comuns na fc. E sempre funcionam, porque é uma premissa muito factível, como todos podemos confirmar. A contribuição de Butler ao subgênero é centralizar a narrativa no problema do esvaziamento das palavras, que nem sempre é discutido e, mesmo quando é, passa em segundo plano, como em 1984, de George Orwell. Um conto filosófico que implica em importantes discussões a respeito do valor das palavras na sociedade.
O conto seguinte é "Atalho", de 1971, certamente um dos primeiros escritos da autora e o mais curto do volume. Também é um texto mainstream, embora pudesse perfeitamente ser ambientado num cenário distópico qualquer. Quem quiser, pode imaginar que a história se passa em algum assentamento decadente em um planetóide qualquer, nos subterrâneos de Marte ou num futuro pós apocalíptico, mas o caso é que as coisas narradas podem muito bem acontecer neste exato momento em algum lugar do mundo, porque as pessoas levam suas desgraças para qualquer parte que forem. Conta a história de uma mulher trabalhadora que tenta sobreviver num ambiente machista e preconceituoso que a vê apenas como um objeto. 
A seção de ensaios traz o artigo "Obsessão positiva", de 1989, no qual Butler oferece um relato autobiográfico de sua carreira na escrita, e "Furor scribendi", de 1993, que é uma espécie de manual e escrita, com conselhos valiosos para quem pretende se aventurar no nada maravilhoso mundo da literatura comercial. 
A seção final traz os contos "Anistia" e "O livro de Martha", escritos em 2003 para a reedição da coletânea publicada em 2005.
"Anistia" narra uma entrevista de emprego, mas não um emprego qualquer, uma vez que os contratantes são alienígenas que invadiram a Terra há algumas gerações. O planeta está agora definitivamente ocupado por duas raças inteligentes, mas tudo leva a crer que os alienígenas são os atuais donos dele, pois são mais inteligentes, mais poderosos e mais tolerantes. As comunidades humanas são até deixadas razoavelmente em paz a maior parte do tempo, mas os alienígenas precisam dele nós por vários motivos. O principal é que somos uma espécie de droga para eles, que se sentem muito bem depois de manter uma relação psíquica conosco. Para se relacionar com os humanos, os alienígenas - que são formados por comunidades de minúsculos seres sensientes - contratam tradutores, e é um deles o protagonista deste conto, na verdade uma jovem que foi abduzida quando criança e relata sua experiência para os candidatos a contratação. Esta história guarda algumas semelhanças com "Filhos de sangue". Embora o panorama e as premissas sejam bem diversas, também conta uma relação de simbiose entre humanos e alienígenas, na qual os homens tornam a vida dos alienígenas menos difícil enquanto estes impedem que nos exterminemos a nós mesmos, ainda que muitos acreditem que tenhamos esse direito. 
"O livro de Martha" é um conto curiosíssimo. Narra a discussão entre uma mulher e Deus, que O acusa de não fazer o melhor pelos homens que criou. Deus argumenta que fez o melhor em todos os aspectos, que se não parece é porque a visão da mulher é limitada. Deus então propõe que ela diga o que Ele deveria fazer para tornar o mundo melhor. Mas somente uma coisa, pois o excesso de alterações levaria a humanidade ao autoextermínio. E a proposta de mulher é um tanto inusitada.
Fecha a edição, o apêndice "Questões para discussão", com treze questões propostas nos contos para serem aprofundadas pelos leitores, o que torna o livro um material interessante para ser trabalhado em salas de aula no ensino médio e até na universidade, tal é a profundidade das questões.
Filhos de sangue e outras histórias é o livro perfeito para se iniciar nos temas e problemas da ficção de Octavia Butler, que são continuamente retomados em sua ficção longa e caudalosa, que merece ser conhecida e frequentada. 
Cesar Silva

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Conexão Literatura 80

Está disponível a edição de fevereiro da revista eletrônica Conexão Literatura, editada por Ademir Pascale. A revista tem 160 páginas traz em destaque na capa o diplomata e escritor gaúcho Bert Jr., que é entrevistado e também comparece com um poema e o curioso "Espécies esquisitas ameaçadas", ficçõ em estilo de artigo que lembra as experiências narrativas borgeanas e as crônicas ficcionais de Braulio Tavares. 
Também traz contos de Ney Alencar, Clóvis Rezende, Fernando Gimenez, Idicampos, Iraci José Marin, Míriam Santiago e Robert Schima; poemas de Wanda Rop, Denise Peres Martins Rezende, Antonio Di Bianco e Alexandra Gomes dos Santos Matos; crônicas de Mônica Palácios e artigos de Cristiane de Mesquita Alves, Gilmar Rocha Duarte, Rafael Botter, Clayton Alexandre Zocarato, Vera Lúcia Alves Mendes Paganini, Mirian Menezes de Oliveira, Fernando Luiz Chaves. E ainda, entrevistas com os escritores Aristides Corbellini, Bel Wells, Felipe Helderich, Graziela Barduco, Joaquim Cândido de Gouvêa, Juliana Fernandes, L. J. Freitas, Marcela Alves Moura, Michael Ruman, Neumar Silva, R. W. Costa e Tania Costa. 
Tanta efervescência é fruto de um inteligente esquema comercial da revista, que loteia suas páginas aos interessados em serem ali focalizados. Em tempos de desmoronamento do mercado editorial e de lógica comercial invertida - na qual os escritores são responsáveis únicos por sua própria divulgação - a revista oferece exatamente aquilo que os escritores procuram, por preços muito acessíveis. Se funciona, não sei dizer, mas a vitalidade da publicação parece afirmá-lo de modo muito evidente. 
Conexão Literatura é uma publicação gratuita e pode ser baixada aqui. Edições anteriores também estão disponíveis.