Padrões de contato (1985), de Jorge Luiz Calife, é a nossa melhor
hard fiction já publicada. Comentado no
Anuário 2005, o romance narra a história de uma jovem que, depois de contatada por uma entidade alienígena, torna-se imortal, e dessa forma, testemunha toda a história do futuro, na qual a humanidade se lança às estrelas. O romance teve duas sequências,
Horizonte de eventos e
Linha terminal que, em 2009, foram reunidas num único volume pela editora Devir Livraria, uma ótima oportunidade para os leitores experimentarem a totalidade dessa que é a mais vultosa obra da ficção científica brasileira, que muitos especialistas consideram a pedra fundamental da Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira.
Blecaute (1986), de Marcelo Rubens Paiva, também é um título que merece estar nesta lista. A prosa naturalista e cheia de estilo de Paiva contribui para o estranhamento da história de três jovens espeleólogos que, ao voltarem de sua última exploração subterrânea, encontram a cidade de São Paulo completamente paralizada, com todas as pessoas congeladas como manequins. Trata-se de um dos maiores sucessos editoriais da ficção científica nacional.
Mais ousado que Paiva, o escritor franco-brasileiro Daniel Fresnot foi extremamente feliz ao escrever A terceira expedição (1987), com toda a certeza, o melhor romance de toda a Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira, comentado no Anuário 2007, quando completou vinte anos de publicação. Fresnot conta a aventura de um grupo de moradores do interior de São Paulo, sobreviventes de uma hecatombe mundial, que realizam uma expedição às ruínas da capital do estado. As descrições que Fresnot faz das regiões metropolitanas em total abandono são fortes e emocionantes, especialmente para quem conhece a cidade.
O escritor mineiro Luis Giffoni, que tem sua obra mais vinculada ao mainstream, brindou os leitores com seu intrigante Infinito em pó (2004), uma história sobre uma espaçonave gigante numa jornada de décadas rumo a uma estrela distante. Os tripulantes têm uma relação tensa e complicada, com uma verdadeira espada de Dâmocles sobre suas cabeças: uma mini buraco negro, que é a fonte de energia da espaçonave, mas que também pode destruí-la. Giffoni não faz conceções para uma narrativa fácil: o primeiro diálogo do romance via acontecer apenas por volta da página 100. Mas vale a pena acompanhar a história até o final, pois é um dos raros exemplos de um romance brasileiro sobre uma espaçonave de gerações. O trabalho foi resenhado no Anuário 2004.
Quintessência (2004), de Flávio Medeiros Jr., foi uma grata surpresa e foi resenhado no Anuário daquele ano. Estreia literária do escritor, é um movimentado tecnotriller com elementos de ficção científica muito bem posicionados. Medeiros aproveitou sua origem mineira e instalou a história em uma Belo Horizonte da segunda metade do século XXI. Depois de um atentado fatal num shopping center, o detetive que investiga a ação é arrolado como mandante, e isso vai levá-lo a um torvelinho de situações, com fugas e perseguições dignas de um filme hollywoodiano.
Domingos Pellegrini é outro autor mainstream que se aventurou na ficção científica com ótimos resultados. Não somos humanos (2005), comentado no Anuário 2005, é um romance sobre a escravidão, desta vez a de pessoas geneticamente manipuladas para esse fim. Um jovem casal de escravos foge da fazenda de seus proprietários e, depois de muita luta, encontram uma espécie de quilombo em meio às montanhas. Ainda que a vida ali não fosse fácil, era bem melhor que aquela que eles levavam na fazenda, e eles resolvem ficar por ali. Contudo, como os senhores mantém seus capitães do mato em ação, a comunidade de escravos fugidos vai ter que se envolver mais efetivamente com um movimento de libertação que de desenvolve nos bastidores das grandes cidades.
A ira da águia (2006), do médico carioca Humberto Loureiro, também foi uma boa surpresa. Trata-se de um romance ousado, com vários níveis narrativos, que conta a história de um físico brasileiro que cria uma arma tão poderosa que pode colocar o Brasil na liderança política mundial. Quando um pequeno navio brasileiro põe a pique uma poderosa força-tarefa norte americana, o serviço secreto dos EUA convence-se de que é fundamental conseguir os segredos dessa arma misteriosa, custe o que custar, pois está em jogo o seu predomínio no mundo. O livro foi resenhado no Anuário 2006.
Autor formado durante a Segunda Onda da Ficção Científica Brasileira, Roberto de Sousa Causo exercitou-se um bocado nos fanzines ao longo dos anos 1980 e 1990. Contudo, apesar dessa longa experiência com o gênero, sua literatura tem crescido ainda mais depois que começou a publicar regularmente no mercado editorial. O par: Uma novela amazônica (2008), é um de seus trabalhos mais maduros e intensos, foco de vários de seus temas preferidos, especialmente a vida militar, alienígenas e as profundas matas da Amazônia. Neste romance, um soldado desertor experimenta um contato imediato com um OVNI e a partir disso desenvolve um abscesso na perna esquerda, de onde, depois de algum tempo, surge uma jovem que lembra a sua antiga esposa. Juntos, eles continuam a fuga e vão encontrar um acampamento de contrabandistas que pode ser o final de sua jornada. O romance venceu o concurso Projeto Nascente 11, promovido pela Universidade de São Paulo em 2001.
Encerro aqui este artigo, porém sem fechar a lista. Ainda há muitos livros que eu não li, e que talvez mereçam ser citados, e a cada ano renovo a minha esperança por um novo grande trabalho da ficção científica brasileira. Neste momento, por exemplo, a excelente escritora gaúcha Simone Saueressig está publicando, em forma de folhetim na internet, o interessantíssimo romance
NCA 4468, que conta os dramas de um grupo de jovens tripulantes de uma espaçonave encalhada na órbita de um buraco negro, um trabalho detalhado e denso, que tem tudo para figurar nesta lista e vale a pena acompanhar.