O humor na ficção fantástica é um tema incômodo. De fato, o humor não é comum no ambiente literário, embora a situação seja bem diferente em outras artes, como o cinema, que está repleto de títulos que tratam os gêneros fantásticos com bom humor, indo da paródia escrachada à ironia tão sofisticada que muita gente sequer a entende. Na televisão não é incomum que a ficção científica, o humor e a fantasia sejam tratados de forma divertida. Nas histórias em quadrinhos o assunto também não é raro, embora seja desconfortável para certos leitores encararem seus personagens preferidos em situações cômicas, mesmo que de leve.
Por isso é tão interessante a leitura de
O incrível Cabeça de Parafuso e outros objetos curiosos (
The amazing Screw-On Head and other curious objects), obra autoral de Mike Mignola publicada no Brasil pela Editora Nemo.
O álbum reúne histórias curtas que Mignola produziu para publicações diversas, junto com algumas peças feitas especialmente para a edição. Os trabalhos têm o mesmo clima gótico e selvagem das histórias de Hellboy, mas o personagem de maior sucesso do autor não comparece em nenhuma delas.
E não é que Mignola é um hábil manipulador do humor? O que já podia ser vislumbrado nas histórias de Hellboy, aparece aqui com toda a sua criatividade, agregado ao já rico caldo de mistura de gêneros com o humor nonsense que, por falta de uma definição melhor, vamos classificar como humor negro.
A primeira história, que dá nome ao álbum, conta uma aventura – a única que Mignola fez até hoje – do agente secreto Cabeça de Parafuso, uma espécie de robô que troca de corpo conforme a necessidade da missão. Ele é convocado pelo presidente Abrahan Lincoln para recuperar o antigo Fragmento do Kalakistão, intraduzível manuscrito de Gung o Magnífico, roubado pelo Imperador Zumbi, gênio morto-vivo que almeja dominar o mundo, é claro. Esta história, publicada em edição única, ganhou o prêmio Eisner de Melhor Publicação de Humor em 2003.
A segunda peça da seleção é "Abu Gung e o pé de feijão", uma narrativa da juventude de Gung o Magnífico, releitura macabra do conto de fadas "João e o pé de feijão", originalmente publicada em 1998 na antologia
Scatterbrain, da Dark Horse, especialmente redesenhada para esta publicação.
Em seguida, temos "O mágico e a cobra", curiosa adaptação para os quadrinhos que Mignola fez a partir de uma história criada por sua filha aos sete anos de idade. Conta sobre um mago, sua cobra e três sólidos simples. A história, também ganhadora do prêmio Eisner 2003 de Melhor História Curta, foi publicada originalmente em 2002 no álbum
Happy endings.
"A bruxa e sua alma" é a história curta de dois marionetes criados por uma velha bruxa que são amaldiçoados pelo demônio.
Em "O prisioneiro de Marte", a mais divertida de todas as histórias do volume, um homem relata animadamente aos amigos sua experiência com a morte e consequente viagem ao planeta Marte, onde frustrou os preparativos dos traiçoeiros alienígenas para uma invasão à Terra – citação óbvia ao clássico
Guerra dos mundos, de H. G. Wells.
Completa a coletânea "A capela dos objetos curiosos", um
tour visual por uma macabra exposição que reforça a tessitura intertextual dos contos publicados.
Além de tudo, o álbum traz um caderno de 11 páginas com esboços do autor, desenhos de concepção das histórias tão divertidos de olhar quanto as próprias hqs.
O incrível Cabeça de Parafuso e outros objetos curiosos tem 104 páginas em cores, encadernação em capa dura e preço sugerido de R$49,00. Uma obra de arte para quem gosta de humor incomum e principalmente para aqueles que são fãs do traço deste que é um dos maiores quadrinhistas da atualidade.