segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Doberman

Há muita dificuldade em se tratar a plenitude da arte dos quadrinhos no meio digital. Muita gente está pesquisando o assunto, mas quanto mais avançam, menos o resultado se parece com os quadrinhos que nos acostumamos a ler nas revistas. Talvez esteja aí o nascedouro de uma nova arte narrativa, que pode ou não ser como os quadrinhos, contudo, a maior parte dos autores não está muito preocupada com isso. Porque a história em quadrinhos já é uma arte madura em si mesma e sustenta uma estrutura narrativa satisfatória para aqueles que a amam e querem usá-la, tal como é, para contar histórias ou exorcizar pesadelos.
É o que parece ter sido a ideia de Felipe D'Andrea e João Pirolla em Doberman, novela gráfica na tradição das revistas impressas, que se utilizou da internet unicamente para divulgar o trabalho, publicado em arquivo digital e distribuído gratuitamente.
Doberman conta a história de Míriam, adolescente judia em crise de identidade, que tem que confrontar suas dúvidas e certezas numa situação em que cada uma delas parece ter virado do avesso. Míriam tem problemas com seu namorado católico pois, devido aos seus valores familiares, resiste em consumar um relacionamento com ele. Por outro lado, também está em conflito com sua família, que exige dela um envolvimento mais efetivo com a religião. Também está em luta com seu próprio íntimo, devido aos medos e preconceitos que carrega por conta da trágica história de sua avó, uma sobrevivente do holocausto nazista. E tudo fica ainda mais premente depois que Míriam e seu namorado são atacados por um animal desconhecido.
A história tem 70 páginas em preto e branco, com um tratamento gráfico que fica a meio caminho entre o underground e o profissional. O desenho de Pirolla é estiloso, com muitas hachuras e aplicações de aguada, bem diverso do claro-escuro pesado que geralmente caracteriza a histórias em quadrinhos de horror, gênero que se apresenta aqui de uma forma transversal, uma vez que o foco narrativo é muito mais dramático. O texto é bom e correto, mas o letreiramento foi improvisado, às vezes espalhando-se para além dos limite dos balões ou variando sem motivo o tamanho da fonte.
Como geralmente ocorre com conteúdos gráficos de arquivos digitais, a leitura não é confortável. A ampliação necessária para se ler os balões prejudica a visualização da página como um todo, e a exibição individual das páginas compromete a experiência estética do espelhamento das mesmas.
Mas, de acordo com o texto de divulgação, os autores consideraram estes prejuízos amplamente compensados pelo alcance que a obra conquistou, sendo vista por leitores nos Estados Unidos, Reino Unido, Portugal, Colômbia e Sudeste Asiático.
O álbum está disponível em português e inglês, e pode ser lido on-line ou baixado gratuitamente aqui.

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