Um dia, no futuro imaginado por Carlos Orsi, um grande meteoro vai se abater sobre a Terra Santa, transformando-a em pó e deixando uma enorme cratera onde antes havia as bases mais sagradas das religiões ocidentais, abalando a fé ao ponto de eliminar do mundo todas a religiões conhecidas. No vácuo desse cataclisma, emerge um novo profeta – o Pontífice – que funda uma religião apoiada na tecnologia de ponta, cujo santuário fica em órbita da Terra, numa estação espacial.
Essa nova teologia, chamada de Quinta Revelação, ganha poder no mundo graças a capacidade do Pontífice para prever o futuro. Sua igreja torna-se, rapidamente, um governo mundial todo poderoso, um estado policial teocrata que literalmente controla a vida de todos através de implantes de alta tecnologia, decidindo os rumos da política internacional e determinando quem vive ou morre nas inevitáveis tragédias naturais.
Mas há pessoas que não concordam com o predomínio dessa força política e movem um plano secreto para desacreditá-la. Uma delas é Rebeca, infiltrada na estação espacial da Quinta Revelação. Ela rouba dados importantes do santuário e é morta durante a fuga, mas não antes de encaminhar esses dados ao seu destino, uma inteligência artificial chamada Ma Go que, com essa informação, adquire a mesma capacidade do Pontífice para antecipar acontecimentos futuros e estabelece um outro pólo de poder para confrontar a hegemonia da Quinta Revelação.
Rebeca tem uma irmã, Rafaela, pesquisadora de implantes de processamento a serviço da Quinta Revelação, que é abordada pelo grupo de dissidentes a qual sua irmã fazia parte. Ela é levada à Ma Go e lá confronta toda a verdade por trás da doutrina da Quinta Revelação e dos supostos poderes de seu lider espiritual. Ma Go pretende usar Rafaela para presentear o Pontífice com um poder ainda mais refinado, que pode colocar a igreja da Quinta Revelação num caminho menos impiedoso.
Carlos Orsi é um dos autores mais interessantes da Segunda Onda de Ficção Científica Brasileira. Seus contos estão entre os melhores que essa geração produziu, alguns deles publicados nas suas coletâneas Medo, mistério e morte (Didática Paulista, 1996), Tempos de fúria (Novo Século, 2006), Campo total (Draco, 2013) e Mistérios do mal (Draco, 2016), além de participações em diversas antologias.
Guerra justa foi seu primeiro romance, embora seja bastante curto. Pelo menos trinta de suas 150 páginas não têm texto, pois foram usadas como respiro entre os capítulos. Pelos padrões americanos, trata-se de uma novela, portanto. Mas esse tratamento gráfico deu ao romance uma leveza visual incomum e muito personalizada, usando inclusive o interessante recurso de páginas em negro, com texto vazado em branco.
Inteligências artificiais, pós-humanidade, manipulação da opinião pública e da informação a serviço de uma religião hegemônica revelam uma visão pessimista do autor com relação às religiões, que nada teriam a oferecer ao homem além de dor e sofrimento. Entrevistado no Anuário brasileiro de literatura fantástica - 2005, Orsi afirmou que acredita que, um dia, tudo o que existe será explicado pela ciência: Guerra justa é assim o seu libelo contra o misticismo religioso.
Apesar de ter apontado suas baterias às religiões, Orsi acabou acertando em outro alvo, qual seja, a absoluta incapacidade do ser humano para fazer o bem, pois nesse futuro distópico e violento, quem redime a humanidade é a inteligência artificial Ma Go. Orsi cria, assim, sua própria versão de Deus.
Contudo, algumas coisas não convencem no enredo, a começar da premissa algo exagerada de que todas as religiões desabariam caso as cidades sagradas dos cristãos, judeus e muçulmanos fossem destruídas por uma tragédia cósmica. Afinal, estas não são as únicas religiões do mundo e tanto o judaismo quanto o cristianismo já sobreviveram, em outras épocas, a destruição de seus templos mais sagrados.
O autor demostra habilidade ao emular o estilo de autores como Willian Gibson e Bruce Sterling – os mais populares fundadores do movimento cyberpunk – como, por exemplo, a forma episódica, com uma porção de personagens cujas histórias vinculam-se frouxamente, e uma espécie de globalização narrativa que lança a trama para os quatro cantos do mundo e até para fora dele, num mosaico expressionista em que a sensação vale mais que o enredo. A única personagem mais elaborada é Rafaela, que ancora levemente a trama mas não chega a causar identificação com o leitor. Seu destino, ainda que importante para o desfecho da história, é de somenos relevância damática.
Ainda que não esteja entre seus trabalhos mais expressivos, Guerra justa é um texto autoral interessante porque Orsi expõe nele algo de sua íntima convicção filosófica, indo além do simples exercício estético literário ou do entretenimento descomprometido que geralmente caracteriza a ficção científica brasileira. Um pouco de polêmica só pode fazer bem a um gênero que tem o talento histórico de discutir temas difíceis.
Inteligências artificiais, pós-humanidade, manipulação da opinião pública e da informação a serviço de uma religião hegemônica revelam uma visão pessimista do autor com relação às religiões, que nada teriam a oferecer ao homem além de dor e sofrimento. Entrevistado no Anuário brasileiro de literatura fantástica - 2005, Orsi afirmou que acredita que, um dia, tudo o que existe será explicado pela ciência: Guerra justa é assim o seu libelo contra o misticismo religioso.
Apesar de ter apontado suas baterias às religiões, Orsi acabou acertando em outro alvo, qual seja, a absoluta incapacidade do ser humano para fazer o bem, pois nesse futuro distópico e violento, quem redime a humanidade é a inteligência artificial Ma Go. Orsi cria, assim, sua própria versão de Deus.
Contudo, algumas coisas não convencem no enredo, a começar da premissa algo exagerada de que todas as religiões desabariam caso as cidades sagradas dos cristãos, judeus e muçulmanos fossem destruídas por uma tragédia cósmica. Afinal, estas não são as únicas religiões do mundo e tanto o judaismo quanto o cristianismo já sobreviveram, em outras épocas, a destruição de seus templos mais sagrados.
O autor demostra habilidade ao emular o estilo de autores como Willian Gibson e Bruce Sterling – os mais populares fundadores do movimento cyberpunk – como, por exemplo, a forma episódica, com uma porção de personagens cujas histórias vinculam-se frouxamente, e uma espécie de globalização narrativa que lança a trama para os quatro cantos do mundo e até para fora dele, num mosaico expressionista em que a sensação vale mais que o enredo. A única personagem mais elaborada é Rafaela, que ancora levemente a trama mas não chega a causar identificação com o leitor. Seu destino, ainda que importante para o desfecho da história, é de somenos relevância damática.
Ainda que não esteja entre seus trabalhos mais expressivos, Guerra justa é um texto autoral interessante porque Orsi expõe nele algo de sua íntima convicção filosófica, indo além do simples exercício estético literário ou do entretenimento descomprometido que geralmente caracteriza a ficção científica brasileira. Um pouco de polêmica só pode fazer bem a um gênero que tem o talento histórico de discutir temas difíceis.
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