Trilhas do tempo, Jorge Luiz Calife. 176 páginas. Capa de Vagner Vargas. São Paulo: Devir Livraria, 2012. Coleção Pulsar.
Jorge Luiz Calife é um patrimônio da ficção científica brasileira. O nome do autor já se tornou marca de qualidade e sua literatura está entre as mais republicadas do gênero. Foi um dos autores brasileiros mais editados na Devir, com uma linha quase que exclusiva para seus romances, entre os quais estão a Trilogia padrões de contato (2009), reunindo os romances Padrões de contato, Horizonte de eventos e Linha terminal, mais a “prequência” Angela entre dois mundos (2011) e, publicado no finalzinho de 2012, a coletânea Trilhas do tempo, a segunda do autor. A primeira foi As sereias do espaço, publicada em 2001 pela editora Record.
Trilhas do tempo reúne textos que Calife escreveu para diversas revistas ao longo dos anos 1990, principalmente as masculinas EleEla e Playboy, o que a princípio pressupõe um livro com forte pendão erótico. Contudo, também aparecem textos vistos nas revistas Isaac Asimov Magazine e SciFi News Contos, ambas especializada em fc, e até uma novela inédita exclusiva da edição.
Ao todo são sete ficções, mais um posfácio e um levantamento cronológico para a série Padrões de contato, também escritos por Calife. A seleta é apresentada por Clinton Davisson, autor do romance Hegemonia: O herdeiro de Basten, que confessa ser fã de Calife e o cobre de elogios, como não poderia deixar de ser. Embora não o sejam necessariamente, todos os textos parecem inseridos no universo de Padrões de contato, pois dele guardam as mesmas característica e textura geral.
Abre a coletânea o conto “O primeiro voo para as estrelas”, originalmente publicado na revista EleEla em 1987. Conta a história da primeira viagem a um planeta distante, realizado por uma grande tripulação a bordo uma espaçonave convencional. A viagem é feita em velocidades relativísticas e, quando finalmente chega ao seu destino, encontra o lugar habitado por homens que chegaram lá muito antes deles.
“Trajetória de fuga”, publicado nem 1984 na mesma revista, conta a história de uma jovem e promissora atriz de cinema que, por causa de um defeito numa espécie de simulador de realidade virtual, tem sua alma absorvida por uma espaçonave e, dessa forma, avança imortalizada rumo ao infinito.
“A sereia do espaço”, primeiro publicado em 1992 na extinta Isaac Asimov Magazine, conta a aventura de uma jovem astronauta que, em missão burocrática nas luas de Netuno, tem um inesperado contato imediato com uma entidade alienígena que a modifica definitivamente. Tornada em uma trans-humana imortal, ela volta à Terra para resgatar seu amante e levá-lo em sua companhia para viajar eternamente pelas estrelas.
A história se repete em “A espada de Herschel”, noveleta assumidamente inserida na série Padrões de contato, releitura para o clássico 2001: Uma odisseia no espaço, de Arthur C. Clarke. Conta a aventura de uma adolescente em missão às luas de Saturno a bordo de uma espaçonave movida por bombas atômicas. Chegando lá, a garota, e somente ela, entra em um portal que a leva para mil anos no futuro, de onde volta em seguida para alertar a humanidade contra uma grande catástrofe cósmica que se aproxima. A primeira publicação desta novela aconteceu em 2001 na também extinta SciFi News Contos.
O conto seguinte é “Viagem ao interior do Halley”, que a Playboy publicou em 1985, explorando o interesse pela passagem do famoso cometa. Este é único conto pessimista de toda a antologia e provavelmente de toda a carreira do autor. Conta o destino de uma malfadada missão de salvamento ao Halley, prestes a se fragmentar e desaparecer para sempre. Calife sugere que a tragédia não foi um acidente, mas uma manobra calculada pela inescrupulosa megacorporação Norland (o que mais se aproxima de um vilão na saga de Padrões de contato), tão somente para explorar os recursos minerais do Halley em seu próprio benefício.
“A estrela e o golfinho” é uma noveleta inédita, também inserida na cronologia de Padrões de contato. Enquanto Angela Duncan faz sucesso intergaláctico como cantora de um conjunto musical, a Terra está sendo visitada por uma entidade alienígena que parece manipular a radiação solar. Este texto contrasta asperamente com o anterior, porque Calife parece ter se arrependido ao vilanizar a Norland. Num diálogo final, uma executiva da empresa, que nesta história já não é mais uma simples iniciativa privada, mas o governo central da humanidade, faz um discurso positivista que não soa muito bem.
O último conto do livro é “A derradeira paixão”, uma história quase mística, se é que podemos usar esse termo para descrever um texto de Calife. Publicada em 1984 na EleEla, conta também sobre uma tragédia, esta fortuita, causada pela incapacidade humana de entender completamente o universo – um conceito também pouco comum na ficção do autor. A bordo de uma nave capturada por um buraco negro, um casal de jovens amantes tem sua última relação sexual estendida pela eternidade por conta do efeito relativístico.
Completa o volume o ensaio “Arthur C. Clarke, mulheres nuas e a ficção científica”, no qual Calife contextualiza os textos reunidos na coletânea.
Apesar das tentativas explícitas, os textos de Calife aqui reunidos não são mais eróticos que a ficção científica corrente que lemos em toda parte. As longas e detalhadas descrições das espaçonaves e suas tecnologias, bem como a beleza estonteante dos fenômenos cósmicos frente às recatadas cenas de sexo e nudez feminina, revelam onde está a verdadeira paixão destes textos.
Trilhas do tempo é um tributo de Calife à ciência redentora e à imortalidade que um dia, ele acredita, a tecnologia permitirá de uma forma ou de outra.
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