sábado, 26 de julho de 2014

Resenha: Garoto zigue-zague

Algumas crianças são quadradas, outras são redondas, e até triangulares, por que não? Mas uma poucas, bem poucas, podem ser zigue-zague. Assim é Nono, ou melhor, Amnon Feierberg, garoto de 13 anos extremamente inteligente e irrequieto.
Uma coisa que não se pode dizer sobre Nono é que ele seja um garoto normal, porque isso ele não é mesmo. Órfão de mãe, ele vive em Jerusalém com o pai Iacov – que é investigador da polícia de Israel – e com Gabi, secretária do Departamento de Investigações. Gabi cuida de Nono desde que ele era um bebezinho e até se parece um pouco com uma mãe, mas não é. Gabi tem seu próprio jeito de cuidar de Nono e ele realmente gosta da forma como ela o faz. Gosta tanto que queria muito que ela e seu pai ficassem juntos para sempre, mas as coisas não vão muito bem entre eles. E quando o dia de seu 14º aniversário está chegando – idade em que todos os meninos judeus comemoram o bar mitzvah, a chegada a maioridade – Nono é enviado numa viagem de trem para passar uns dias em Haifa com o tio Shmuel, o mais chato de todos os tios sobre a face da Terra, um pedagogo empedernido com o qual Nono já teve experiências amargas. Nono não conheceu sua mãe, da qual só sabe o nome – Zohara – e o que aconteceu com ela é um mistério que seu pai nunca revelou.
Sozinho e deprimido na cabine do trem, a caminho do que ele espera sejam os piores dias de sua vida, o menino desconfia que, na verdade, sua viagem é uma desculpa para que Gabi e seu pai se separem de vez. Mas, repentinamente, a situação muda. Um policial, algemado a um prisioneiro com cara de perigoso, entram na cabine e a situação fica muito bizarra. Quando o par finalmente se retira, algum tempo depois, o menino assutado encontra um envelope sobre o banco, no qual está uma carta escrita por Gabi e Iacov, oferecendo a Nono uma viagem de sonhos. Ele só precisa ir até outra cabine e dizer a pessoa certa a frase "Quem sou eu?" Animado, Nono segue as instruções, mas acaba entrando em outra cabine, onde um senhor distinto e simpático o recebe com atenção e boa vontade incomuns. Nono vai descobrir que esse homem é Felix Glick, famoso vigarista internacional do qual Gabi nunca se cansava de falar. E mais: ele sabe exatamente quem é Amnon Feierberg, e Nono decide fazer a pergunta a ele. Maravilhado, o menino conclui que Felix foi contratado por Gabi e seu pai para conduzi-lo a essa grande aventura. Afinal, sendo seu pai um policial de renome que o tem treinado desde muito jovem nas técnicas da investigação, Nono está certo que o objetivo dessa viagem é fazer com que ele aprenda na prática como pensa e age um criminoso, para saber o que fazer quando precisar capturar um deles.
Felix conduz Nono até à locomotiva e, com toda a sua lábia de vigarista, convence o maquinista a permitir que o menino a pilote, o que, por si só, já valeria aturar todos os sermões do tio Shmuel. Mas isso é só o começo, pois tudo fica imprevisível quando Felix saca uma pistola e obriga o maquinista a parar o trem. Nono e Felix saltam no meio do nada e embarcam em um moderno e carísssimo automóvel superesportivo que os aguardava na beira da linha, em direção aos dias mais empolgantes de sua vida nada tediosa, como iremos descobrir pelas palavras do próprio Nono.
Felix mostra-se extremamente seguro e meticuloso em seu trabalho de cicerone. Mas, aos poucos, o que Felix faz e diz, apesara de divertido e emocionante, faz Nono desconfiar que tudo o que está acontecendo pode não ser exatamente o que Gabi e seu pai planejaram para seu presente de aniversário. Muito mais que proporcionar a Nono alguns dias de entretenimento, Felix vai levar o menino para uma viagem de revelações e descobrimentos pelas ruas de Tel Aviv, para fazê-lo descobrir, por si mesmo, quem realmente ele é.
Garoto zigue-zague (Yesh yeladin zigzag) é um romance divertido e emotivo, de autoria do escritor israelense David Grossman, publicado originalmente em 1994 e lançado no Brasil em 2014 pela editora Companhia das Letras, traduzido do hebraico por George Schlesinger. David Grossman, nascido em Jerusalém em 1954, é um dos maiores escritores israelenses vivos. Entre seus grandes sucesso estão Duelo, Ver: amor, Fora do tempo, A mulher foge, entre outros. Ao lado de Amós Oz, Grossman é grande defensor de uma solução pacífica para o conflito entre judeus e palestinos.
A história não é claramente fantástica, mas tampouco é realista. A fantasia está amalgamada à narrativa, seja pela visão romântica e imaginativa de Nono, que vive num mundo todo especial, seja pelas situações inusitadas as quais Felix leva o garoto, uma sucessão de aventuras que vão de missões secretíssimas nas quais Nono tem que usar de toda a sua experiência como policial mirim, até a primeira tourada em solo judeu.
Garoto zigue-zague é um daqueles livros com inúmeras camadas de interpretação, que fala muito bem ao leitor jovem – para o qual evidentemente foi escrito – mas que não deixa de satisfazer plenamente ao leitor experiente.
O romance tem muitas qualidades narrativas, tal como um ritmo suave, imagens saborosas e personagens redondos com idiossincrasias e sotaques que ficarão na memória do leitor para o resto da vida. A peregrinação de descobrimento de Nono ressoa de tal forma no espírito que é impossível impedir que as lágrimas surjam em diversos momentos. Quando menos se espera, Grossman lança a frase perfeita que faz desmoronar toda a resistência, e é melhor estar preparado.
Garoto zigue-zague foi adaptado para o cinema em 2012 na produção holandesa Nono, het zigzag kind, com direção de Vincent Bal, com a italiana Isabella Rosellini no papel de Lola Ciperola, estrela do teatro por quem Nono nutre uma admiração toda especial.
Para resumir Garoto zigue-zague, é possível dizer que se trata de um conto de fadas sobre o final da infância. Mas isso, de forma alguma, abarca todas as características desta sensível história, que merece atenção de todos os que tiveram infância um dia.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Excelente romance juvenil de um escritor bastante versátil.
    Pena que a capa em preto e branco não faça justiça a essa narrativa tão vibrante e colorida.
    Gostei demais de “Garoto zigue-zague”.

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