Livros sobre quadrinhos são raros no Brasil e, quando aparecem, geralmente são fruto do trabalho acadêmico de algum pesquisador brasileiro sobre detalhes da arte no País. Ensaios estrangeiros raramente são traduzidos aqui, o que é frustrante para os interessados na história geral dos quadrinhos, que precisam buscar por publicações originais para terem acesso a um material de referência mais confiável que o Wikipedia.
Por isso, é uma surpresa a publicação no Brasil, pela Editora LeYa, de Marvel Comics: A história secreta (Marvel Comics: The untold story) volumoso ensaio do jornalista Sean Howe, editor da Entertainment Weekly, lançado em 2012 nas livrarias americanas.
Trata-se de um levantamento minucioso sobre a construção de um dos mais lucrativos impérios da cultura pop internacional, que reúne um conjunto invejável de personagens amados em todo o mundo, cheios de histórias para serem lembradas. A Marvel movimenta um faturamento gigantesco amealhado em diversas mídias, e o livro é igualmente monumental, com 560 páginas em papel pólen soft, surpreendentemente leve e confortável de ler.
A pesquisa está dividida em cinco partes principais. A primeira, "Mitos e criações", relata as origens da editora desde a fundação, em 1930, por Martin Goodman, então sob o nome de Timely Comics. Mas a história para valer só começa em 1961, quando Stanley Martin Lieber, ou Stan Lee, então com mais de vinte anos de trabalho na empresa, teve a ideia de reunir personagens antigos em um grupo, como fez a editora concorrente, a Detective Comics, com a Liga da Justiça. Assim nasceu o Quarteto Fantástico que, devido a uma inovadora abordagem realista nos roteiros, repercutiu favoravelmente entre os leitores.
O relato avança ao longo dos dez anos seguintes, período em que surgiu a maior parte das ideias e personagem que iriam caracterizar a franquia, através da relação entre Lee e seus colaboradores, como o recluso Steve Ditko – que concebeu o Homem-Aranha – e, principalmente, Jack Kirby, que deu forma a praticamente todo o resto.
A segunda parte, "A nova geração", inicia com a saída de Kirby em 1970. Vemos a editora tornar-se um ambiente de maturidade artística com nomes como Roy Thomas, Archie Goodwin, Jerry Conway, Marv Wolfman, John Romita, Gil Kane e Jim Starling, entre outros, aproveitando o relaxamento gradual do famigerado Comics Code que, até então, era um garrote na indústria americana dos quadrinhos.
A terceira parte, "Trouble Shooter", inicia em 1978, com a entrada de Jim Shooter como editor e muitos problemas decorrentes da competitividade profissional. Foi nesse período que Chris Claremont e John Byrne estruturaram o que viria a ser o carro-chefe da Marvel dali em diante: os X-Men, e Frank Miller iniciou sua carreira meteórica em O Demolidor, enquanto o mercado era agitado por processos judiciais que os artistas moviam contra as editoras pleiteando direitos autorais sobre suas criações, que acabou com a decisão a favor deles. A última fase deste capítulo trata da famigerada minissérie Guerras Secretas, elaborada, entre outras coisas, para ajustar os muitos problemas que atravancavam o trabalho de uma equipe de artistas cada vez maior.
A quarta parte, "Expansão e queda", acompanha a evolução dos quadrinhos da Marvel ao longo dos anos 1980, sob o comando editorial de Ton DeFalco e Mark Gruenwald, que adotaram a estratégia de sucessivos cruzamentos entre os títulos da casa, e investiram em minisséries e grafic novels com acabamento sofisticado de custo elevado. Apesar de terem existido iniciativas anteriores, são desse período as primeiras tentativas sérias de adaptar os personagens Marvel para o cinema.
O relato conclui com o capítulo "Uma nova Marvel", acompanhando os anos 1990 quando a editora quase foi a falência, da qual se recuperou em 1997, a partir do sucesso do filme Blade e da lucrativa adaptação cinematográfica do Homem Aranha, em 2001, culminando em um negócio bilionário com a Disney, que comprou a Marvel em 2009. Isso reavivou antigas rusgas entre Stan Lee e seus primeiros parceiros, Steve Ditko e Jack Kirby, uma vez que o velho marechal da "Casa de Ideias" recebeu todo o crédito pela criação dos personagens, e o que aconteceu nos tribunais pode até não ter sido bonito de ver, mas é muito divertido de ler com a devida perspectiva histórica.
O volume ainda traz um apêndice organizado pelo tradutor Érico Assis, com uma ampla lista das edições da Marvel no Brasil, relacionando quando e por qual editora cada título citado no livro foi aqui publicado.
Marvel Comics: A história secreta fala especialmente àquele leitor que passou os últimos 40 anos ao lado de personagens e artistas dessa grande família, mas fala muito também ao leitor interessado em destrinchar cases mercadológicos, estratégias de negócios e demandas reais entre empresas e seus colaboradores.
Sem dúvida, a leitura de Marvel Comics: A história secreta vai desmistificar muitas das lendas que correm há décadas no imaginário dos fãs. E talvez acabe criando outras.
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