Romance de fantasia heróica com conceitos de ficção científica, segundo volume de uma série cujo primeiro episódio, O arqueiro e a feiticeira, foi primeiro publicado em 2003 pela Devir Livraria.
A autora, Helena Gomes, natural de Santos (SP), é jornalista e professora universitária. Estreou com o livro Memórias da hotelaria santista (1997), não ficção em coautoria com Viviane Pereira e Laire José Giraud, e também publicou em 2006 o romance de horror Lobo Alpha (Rocco).
Aliança dos Povos divide-se em três partes, cada uma com cerca de duzentas páginas: “Herdeiro”, “Mudu-Za” e “Terceiro guerreiro”. Inicia com os jovens irmãos Gothilan e Caleb, e como eles foram tocados pelos cristais mágicos conhecidos como Parenthis. Gothilan viria se tornar um grande líder militar e espiritual, e seria traído por seu irmão. Mas isso é apenas o primeiro capítulo dessa primeira parte: a história começa mesmo milhares de anos depois, quando vivem os irmãos Thomas e Vince, reencarnações de Gothilan e Caleb que mantêm, ao longo de todo o romance, um triângulo amoroso com a garota Erin.
A Terra está praticamente desabitada, exceto por tribos isoladas vivendo em organização feudal. O reino dos protagonistas chama-se, com efeito, Britanya. Thomas e Vince têm poderes especiais, concedidos pelas parenthis e herdados de suas vidas passadas. As parenthis também permitem alguma comunicação com os bondosos seres extradimensionais chamados eloras.
Para dar combate à Mudu-Za, líder dos anjos negros conhecidos como nergals – poderosa força alienígena enfrentada no primeiro volume da série –, os três jovens vão ao planta Gaia, capital da Aliança dos Povos – uma espécie de federação interplanetária –, para encontrar o mago Tolkien, o último guardião do universo. Para isso, tomam posse de uma espaçonave abandonada, envolvem-se com piratas espaciais e, finalmente, chegam ao destino auxiliados pelos amigos de Vince, que vêm em seu resgate.
Vince sente-se em casa, pois já vivera em Gaia, mas Thomas e Erin deparam-se com uma realidade muito diferente da que conheceram em Britanya. Gaia é um planeta moderno, tecnologicamente similar à Terra dos nosso dias, porém, com espaçonaves e um governo mundial que acaba de sair de uma ditadura, mas ainda guarda aspectos de um estado policial.
A busca por Tolkien é facilitada pelos poderes das parenthis, sendo ele, na verdade, o escritor de best sellers conhecido como Nicolas Sheridan. Entretanto, o encontro não passa despercebido da polícia de Gaia que, influenciada pelos nergals, tenta eliminar tanto Tolkien quanto os jovens heróis medievais. Os garotos conseguem escapar e, acompanhados do mago escritor, fogem de Gaia num cargueiro espacial.
Durante a viagem, ficam sabendo de um iminente ataque nergal à Gaia, e decidem sacrificar sua missão principal contra Mudu-Za para trabalhar na defesa da capital da Aliança dos Povos antes que seja tarde demais. Durante a aventura, os jovens isolam-se uns dos outros, cada um acreditando que os demais estão mortos.
A segunda parte do romance conta o que acontece a cada um deles enquanto estão separados, como se lhes revelam as identidades de Mudu-Za e dos eloras, e como despertam a totalidade de seus poderes.
Na terceira parte, todos reencontram-se em Britanya, para onde a batalha contra os nergals se desloca. Ali se prepara o confronto final entre as forças sombrias de Mudu-Za e as forças do bem dos eloras, com muitos conflitos de consciência entre os personagens, traições e superação frente a forças irresistíveis.
As quase 600 páginas do romance impressionam a primeira vista. Ainda mais quando percebemos que é apenas o segundo volume de sete previstos pela autora, uma das mais ambiciosas séries da ficção fantástica brasileira.
Não há dúvida que Helena Gomes sabe escrever. Seu texto é limpo e fácil de entender, não soa grandiloquente nem infantil, situando-se adequadamente naquele agradável modelo que caracteriza a ficção fantástica juvenil. Mas a narrativa é lenta, mesmo com as incontáveis cenas de ação que a autora espalhou pela história. As batalhas são caracterizadas por uma violência caricata, com longos diálogos em que os adversários se provocam mutuamente com piadas infames e citações da cultura pop da nossa época. A autora nem tenta disfarçar as inúmeras citações e homenagens a franquias populares como Guerra nas estrelas, Galactica, Babilon 5, O senhor dos anéis e muitas outras, recurso comum entre os autores-fãs brasileiros que nos faz pensar que o futuro da humanidade não acrescentará mais nada à história da cultura popular interplanetária, com prejuízos à delicada suspensão da incredulidade na qual a ficção fantástica brasileira tem deficiências históricas. Além do mais, há um evidente discurso proselitista religioso por detrás da história. Não que isso seja um pecado mortal: muita da boa ficção fantástica mundial é proselitista, seja religiosa, seja política, eventualmente ambas. Mas esse proselitismo só é justificável quando suscita a continuidade das discussões depois da última página, como acontece com Os despossuídos (The dispossessed), de Ursula K. LeGuin, Tropas estelares (Starship troopers), de Robert Heinlein, ou Além do planeta silencioso (Out of the silent planet), de C. S. Lewis.
Para os leitores que superarem as partes mais lentas do romance, há a promessa de uma movimentada e bem articulada terceira parte, que retoma o modelo de fantasia medieval visto no primeiro volume. Os personagens ganham corpo e os seus dramas pessoais vêm à tona, com ações firmes e definitivas. Mas o cansaço cobra um alto preço: a ideia de ler mais cinco volumes para chegar ao fim dessa história não é muito animadora.*
* A Idea publicou, em 2008, o terceiro volume de A caverna dos cristais: Despertar do dragão, e, no ano seguinte, republicou o primeiro volume, O arqueiro e a feiticeira. Em 2015, a editora Rocco lançou o quarto volume, A tríade, além de A herança da bruxa (2014) e O primeiro guerreiro (2014) A adaga mágica (2015), ebooks com aventuras no mesmo universo da série.
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