Magda, Rafa Campos Rocha. 144 páginas. Editora Companhia das Letras, selo Quadrinhos na Cia, São Paulo, 2016.
Por muito tempo restrita ao ambiente amador, publicada em fanzines e edições de autor, a ficção científica agora ocupa espaços bem mais evidentes, em editoras de porte com boa distribuição nas livrarias. Outra prova que o gênero deixou de ser o patinho feio do mercado é a frequência com que o gênero tem sido abordado pelas histórias em quadrinhos, com produções de porte sendo oferecidas com alguma regularidade, inclusive por autores brasileiros, o que há alguns anos era impensável. Isso é decorrente do crescimento do interesse pela arte, mas também do desenvolvimento de uma consciência do gênero entre os autores da nova geração, mais acostumados à tecnologia e aos apelos da cultura pop.
É por isso que temos a chance de ter publicado Magda, de Rafa Campos Rocha, pela editora Companhia das Letras, no selo Quadrinhos na Cia, novela gráfica de ficção científica de grande impacto visual, que trafega também pelas sendas do horror splatter, que é aquele que espirra sangue e vísceras para todos os lados.
Tudo começou quando cientistas brasileiros desenterraram uma rocha, que pensavam ser um meteorito. Ao partirem a pedra, libertaram um vírus poderoso do longínquo passado do planeta que, antes que se dessem conta, escapou do complexo e contaminou a sociedade, transformando pessoas em assassinos furiosos descerebrados literalmente sedentos de sangue humano. Rio de Janeiro e São Paulo se transformam em áreas de contenção, bombardeadas continuamente para evitar que a praga se alastre.
Contudo, não foi apenas o vírus que saiu daquele ovo. Ali também hibernava uma entidade que, ao ser despertada, invadiu o corpo de uma das cientistas - Magda - e com ela estabeleceu uma relação simbiótica. Magda passou a partilhar sua consciência com a invasora, a qual chama de Máquina, que lhe deu uma séria de poderes, mas cobra um preço alto por isso: a fome por sangue e carne humanos.
A história começa num campo de sobreviventes em algum lugar no interior do país, onde a praga dos transformados ainda não se estabeleceu. Os poucos transformados que ali aparecem tornam-se alimento de Magda, que mantém sua condição mutagênica em segredo dos membros da comunidade. Porém, a ausência de incidentes com os transformados chama atenção das forças armadas, que para lá enviam uma força de ocupação que pretende investigar o fenômeno. Instigada pela Máquina, Magda retorna para o local em que as coisas começaram, e o caminho será repleto de confrontos violentos, carnificina e desmembramentos.
Há ecos aqui de várias obras do cinema e da tv, como se pode perceber. A mais evidente é o seriado The walking dead, sucesso dos quadrinhos e da tv, que conta a história de um grupo de sobreviventes depois do apocalipse zumbi, mas também é forte a influência da franquia de videogame e cinema Resident evil, e mais particularmente do filme de cinema Species (A experiência, 2001). Apesar disso, Magda consegue sustentar independência autoral, na medida em que se apoia em cenários e maneirismos brasileiros (como não poderia deixar de ser), no estilo despojado, quase amador, dos traços do autor - que continuamente roubam do leitor a suspensão da incredibilidade - e o também evidente diálogo com "A metamorfose", de Franz Kafka: a máquina tem a aparência de uma barata enorme que muitas vezes assume a forma física da personagem.
Por trás dessa trama por si só subversiva, acontece o drama familiar entre Magda, sua amante e uma jovem que ambas têm como filha, e a velha falácia da maldição hereditária que vai dar tom humano à essa narrativa fantástica e grotesca.
O paulistano Rafa Campos Rocha é um artista experiente, professor de História da Arte, cenógrafo e artista plástico, publicou na Piauí, Folha de S. Paulo, e Vice, entre outros. Magda é seu segundo álbum pela Quadrinhos na Cia; o primeiro foi Deus essa gostosa, de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário