Uma coisa sobre a qual trato pouco aqui é cinema. Apesar de ser uma arte muito popular e manter amplo diálogo com a ficção especulativa, como podemos comprovar pelas superproduções internacionais de maior audiência entre os brasileiros, são raros os casos de fc&f no cinema nacional. Tirando José Mojica Marins e Ivan Cardoso, os cineastas locais não se mostram entusiasmados com o gênero. Sem dúvida que há alguma produção, especialmente no âmbito dos curta metragens e das animações, mas nos longas o panorama segue o mesmo visual árido que Fausto Cunha afirmou ser o da ficção científica na literatura brasileira no ensaio "Um planeta quase desabitado", prefácio à edição brasileira de No mundo da ficção científica, de L. David Allen.
Alguns pesquisadores têm feito levantamentos interessantes sobre o assunto, como o escritor João Batista Melo no livro Lanterna mágica (Civilização Brasileira, 2011) e o professor Alfredo Suppia, da Universidade de Federal de Juiz de Fora, que publicou no Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2011 (Devir, 2012) um artigo detalhando essa relação conflituosa. Ainda assim, é preciso ser criativo para reunir alguma filmografia, aproveitando histórias de realismo mágico e absurdismo que nem sempre são reconhecidas como ficção especulativa. Mas parece que as coisas estão mudando. Em 2014, estrearam pelo menos quatro longas metragens cujos argumentos focam efetivamente o gênero fantástico.
Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós, lança mão da ficção científica para denunciar o apartheid social que impera na capital do país. Nele, um viajante de 2073, vindo numa máquina do tempo montada em um contêiner, chega ao nosso tempo para investigar um incidente de violência no qual um homem – Marquim, o protagonista – perdeu uma das pernas. O futuro de onde ele vem mostra uma Brasília sofisticada e poderosa, ilhada por favelas, na qual só se pode entrar com passaportes. O filme foi vencedor do Festival de Brasília.
O amuleto, de Jeferson De, investe num drama de terror para contar uma história de mistério e violência numa floresta assombrada por fantasmas de bruxas.
A narrativa segue o padrão das histórias de psicopatas sobrenaturais como Sexta-feira treze e A hora do pesadelo, com jovens sendo mortos de formas bizarras. Apesar de um elenco formado por celebridades globais e do prestígio do diretor, que também filmou Bróder e Carolina, o filme foi esculhambado pela crítica. Mas quem é que liga para isso?
Outro filme de horror que estreou em 2014 foi Isolados, de Tomas Portella, no qual um casal enfrenta o sobrenatural num casarão isolado na região serrana do Rio de Janeiro, onde já aconteceram casos de violência. Trata-se de uma releitura de um dos temas mais recorrentes do gênero, o das casas assombradas, que tem recebido muita atenção dos realizadores do gênero. A ideia remete, é claro, a clássicos como A casa da noite eterna, The evil dead e Horror em Amityville mas, sendo Portella um diretor que tem no currículo filmes como Meu nome não é Johnny e Qualquer gato viralata, dá para esperar coisas um tantinho diferentes.
Enfim, mas não necessariamente completando a lista que deve ter mais filmes perdidos em meio a produção independente, O menino no espelho, de Guilherme Fiúza Zenha, fantasia inspirada numa história de Fernando Sabino, sobre um menino que ganha um duplo de si mesmo quando este sai do espelho. É o título mais enfronhado na tradição do cinema brasileiro para crianças, que utiliza a fantasia de forma mais frequente, como visto em Castelo Ratimbum, O menino maluquinho e Os Xeretas, entre outros. Mas, mesmo assim, é importante que um filme como este tenha vindo complementar a grade dos subgêneros da ficção fantástica num mesmo ano. Tomara que não tenha sido apenas uma coincidência e que a fc&f tenha vindo para ficar também no cinema nacional.
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