Luiz Bras estreou no restrito ambiente da ficção especulativa literária há menos de dez anos, mas já faz parte dos grandes nomes do gênero no país. Fica fácil entender o por quê quando descobrimos que Bras é clone de Nelson de Oliveira, importante escritor mainstream que se retirou da lida para algum refúgio paradisíaco, para curtir os mimos proporcionados pelos milhões de dólares de seu bem merecido patrimônio. Bras herdou de Oliveira a habilidade com as palavras, que tem aplicado no exercício da ficção especulativa, a qual está empenhado em entender e interagir.
Entre os muitos títulos do autor estão as bem avaliadas coletâneas de contos Paraíso líquido (2010), Máquina Macunaíma (2013) e Pequena coleção de grandes horrores (2014), os romances Sozinho no deserto extremo (2012), Sonho, sombras e super-heróis (2011) e Babel Hotel (2009), a não ficção Muitas peles (2011) e uma porção de antologias, como autor selecionado, como organizador ou ambos.
Um dos traços de Bras é sua busca constante por uma voz particular, que se aproveita de um estilo maduro com traços pós-modernos e poesia concretista abusando de aliterações e pleonasmos, além de propostas narrativas que fogem do padrão convencional sem perder de vista os elementos especulativos, geralmente da ficção científica mas também da fantasia e do horror, com um diálogo próximo ao do estilo que se convencionou chamar de cyberpunk, com o qual o autor parece se identificar. Outra característica de Brás é sua facilidade para lidar com temas nacionais de todos os matizes, desde elementos folclóricos até a política nacional. E é exatamente este o caso de Distrito Federal, romance que o autor nomeou como "rapsódia tupinipunk", que revela muito sobre a forma como o autor a compôs.
Trata-se de um texto experimental, com pendão inegavelmente poético, que retoma ideias testadas em dois contos homônimos vistos em suas antologias anteriores. A história é um vitral formado por pequenas narrativas focadas nas ações e solilóquios de um curupira – o último de sua espécie – que, enlouquecido com a destruição das matas brasileiras, toma o corpo de um jovem humano e passa a assassinar, com requintes de artística crueldade, a população corrupta da capital do país: deputados, senadores, ministros, governadores, prefeitos, secretários, banqueiros, tesoureiros, políticos de forma geral pois, para o curupira, a corrupção fede terrivelmente.
As ações deste improvável anjo vingador, que sempre escapa de qualquer tentativa de captura, faz surgir um exército de imitadores que matam da mesma forma que ele. Há algum conflito quando o curupira encontra, por acaso, o último saci, que também tomou o corpo de alguém e está matando, mas como são inimigos naturais, acabam não se entendendo.
Na medida em que o curupira e o saci promovem sua cruzada sangrenta, a realidade vai sendo sobreposta pela de um popular jogo eletrônico online, justamente chamado de Distrito Federal, que mistura política, mitologia e muita violência. O surgimento de uma criança especial, que não é nem menino nem menina, exacerba ainda mais os acontecimentos, o que pode levar ao fim da humanidade sobre o planeta.
A leitura do texto é fácil e ligeira, com abundância de frases muito curtas, mas a narrativa fragmentária não dificulta o entendimento do enredo, embora este seja algo secundário na obra. A experiência estética literária é bem mais importante aqui, por isso é recomendável que o leitor esteja aberto à ela.
Distrito Federal é uma publicação da editora paulista Patuá, cujo lema "livros são amuletos" combina perfeitamente com este romance, que tem 280 páginas em papel polem e acabamento luxuoso, encadernado com capas duras e ilustrado por Teo Adorno – outro clone que Nelson de Oliveira deixou para trás.
Uma última observação que se pode fazer sobre Distrito Federal está expressa, de forma clara e absoluta, na última página do volume: "...reunião de ciência & religião, passado, presente & futuro, cultura popular & alta cultura..."; é a receita de Luiz Brás para resolver o histórico impasse entre a ficção de gênero e o mainstream, que tem buscado desde a sua estreia. Desta forma, Distrito Federal é a proposta mais bem acabada do autor para a ficção de gênero brasileira. Resta saber se o fandom e o mainstream, monstros ferozes, cheios de tentáculos e presas afiadas, vão entender isso. Se não entenderem, azar deles. Luiz Bras entendeu muito bem.
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