Nas últimas semanas acompanhamos a estreia de duas novelas na Rede Globo que decidiram arriscar pelo menos um pé no fantástico.
Morde e assopra estreou no dia 21 de março, escrita pelo experiente Walcyr Carrasco com um elenco de alto gabarito que conta com Adriana Esteves, Cássia Kiss, Ary Fontoura, Elisabeth Savalla, Flávia Alessandra, Drica Moraes e Marcos Pasquim, entre outros. Duas narrativas paralelas, ambas com toques de ficção científica, prometiam fazer dessa história um marco na teledramaturgia recente. Uma delas conta a história de uma paleontóloga que encontra uma ossada de titanossauro nas terras de um fazendeiro ranzinza, e a outra um cientista que projeta e constrói uma andróide para substituir o amor de sua vida. Apesar da estreia promissora, com muitos efeitos especiais bem realizados, aos poucos a narrativa assentou no convencional e perdeu boa parte do seu brilho. O texto pouco inspirado e o lugar comum das situações não empolgaram o público, que tem correspondido com uma audiência considerada baixa para o padrão dessa emissora.
Cordel Encantado estreou no dia 11 de abril, escrita por Duca Rachid e Thelma Guedes, que afirmam ser um projeto antigo acalentado por muitos anos. Por ser uma história de época, a produção é luxuosa, com figurinos exuberantes e cenografia caprichada gravada em alta definição, sem esquecer o elenco de estrelas no qual se destacam Débora Bloch, Luiz Fernando Guimarães, Reginaldo Faria, Matheus Nachtergaele, Claudia Ohana, Berta Loran, Tony Tornado, Osmar Prado, Marcos Caruso, Zezé Polessa, Heloísa Périssé e as presenças especias de Thiago Lacerda e Alline Moraes, entre outros.
A história é uma fantasia épica que se passa no sertão nordestino onde, vinte anos antes, durante uma expedição de resgate de um tesouro perdido, a família real do imaginário reino europeu de Seráfia – recém saído de uma guerra civil – é atacada por um bando de cangaceiros. Durante a confusão, uma duquesa, auxiliada por seu mordomo, tentam assassinar a rainha e sua filha ainda bebê. Antes de morrer, a rainha entrega a princesa para uma sertaneja desconhecida que a adota e cria como se fosse sua.
Anos depois, o desconsolado rei de Seráfia recebe a notícia de que sua filha ainda pode estar viva, e realiza uma nova expedição com toda a corte para tentar resgatar a princesa. Mas a menina, agora uma linda jovem que desconhece sua origem nobre, já está noiva do amor de sua vida que é filho secreto do mais perigoso cangaceiro da região.
A fantasia apareceu com mais expressividade nos primeiros três capítulos, quando foram mostradas cenas da guerra civil em Seráfia e a malfadada expedição em que a rainha e a princesa se perderam. Debora Bloch está ótima como a vilã da história e Luis Fernando Guimarães, que faz seu malvado mordomo, é engraçado mesmo quando não é essa a ideia. Matheus Nachtergaele faz um beato que anuncia a volta do rei, numa citação ao sebastianismo, mas que, em muitos, momentos, parece dialogar mais com a saga O senhor dos anéis, de J. R. R. Tolkien.
A história demorou a se fixar numa data reconhecível, que deveria ser o início do século XX. O maior problema foi a falta de cuidado da produção com a recriação da época, exagerando em anacronismos que tiraram qualquer consistência que se podia pretender. Enquanto no denvolvido reino de Seráfia em guerra usavam-se lanças, espadas e garruchas de pederneira de um tiro, no sertão nordestino os cangaceiros já dispunham de fuzis de repetição e pistolas. Em Seráfia usam-se carruagens puxadas por cavalos, enquanto que no Brasil rural, os fazendeiros viajam em trens a vapor e automóveis. Sem esquecer que, a certa altura, o rei de Seráfia faz de sua mesa real um DDI para o prefeito de Brogodó, a também imaginária cidade cenográfica do sertão nordestino onde acontece toda a trama. Além do mais, parece que o Reino de Seráfia passou incólume pela Primeira Guerra Mundial. Algo realmente não se encaixa nessa salada épica.
Após a primeira semana, Cordel Encantado abandonou o ritmo alucinante e assentou num cotidiano repetitivo, numa narrativa regional com poucos elementos fantásticos e muitos lugares comuns e citações. Seria mais interessante se os autores assumissem os anacronismos e seguissem com uma narrativa steampunk, que está na moda.
Eu não sou um bom analista de novelas, pois minha ótica está comprometida pela atuação no ambiente de FC&F, mas pelo que observo nas pessoas ao meu redor, que curtem boas novelas, nenhuma delas se convenceu. Minha filha e minha esposa, por exemplo, já desistiram em favor do seriado americano Todo mundo odeia o Chris, exibido diariamente pela Record entre as 16h30 e as 19h.
A esperança para ambas as novelas são os possíveis desempenhos individuais de seus elencos estelares, que já fizeram a diferença em outras produções, e o uso criativo do humor, que muitos dos atores dominam muito bem. Do contrário, temo que a FC&F vai novamente se distanciar da TV por algum tempo.
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