A comunidade de autores de ficção científica no Brasil não tem o
costume de privilegiar a produção de histórias do gênero para os leitores jovens. Há um interesse predominante por se produzir para adultos, histórias violentas e repletas de referências que só um leitor com mais de 30 anos poderia perceber. Os enredos são herméticos, muitas vezes inseridos em séries cujos episódios anteriores são propriedade quase que exclusiva de grupos de interesse muito restritos.
Os editores também têm um comportamento elitista em relação ao que publicam quando se trata de ficção científica. Procuram por autores cultuados, com fama de pós-modernos, distantes do interesse e do alcance dos leitores jovens. Publicam pouco e mal, com tiragens pequenas, preço de capa altíssimo e distribuição tão deficiente que mal chega aos fãs mais ardorosos do gênero. É claro que esse tipo de política comercial também não colabora para que as histórias do gênero sejam acessíveis aos leitores que estão sendo apresentados à literatura.
Décadas dessa atitude criaram um mercado com um grande lapso de oferta de literatura de antecipação para jovens, que passaram a consumir ficção científica exclusivamente em outras mídias, principalmente a televisão e o cinema que, com filmes altamente digestivos, são um prato atraente para as mentes jovens famintas por aventuras fantásticas.
É aqui que se insere a obra do escritor carioca Miguel Carqueija, autor de ficção científica que, apesar de ter neste volume seu primeiro romance publicado profissionalmente, é veterano no gênero dentro do ambiente dos fãs de ficção científica – o conhecido fandom –, publicando em fanzines e revistas eletrônicas.
Miguel Carqueija está envolvido com a arte de escrever ficção fantástica desde os primeiros momentos do fandom, mais exatamente desde 1983, quando surgiu o já extinto fanzine Antares, editado em Porto Alegre pelo Clube de Ficção Científica Antares. Nesse e nos fanzines que vieram depois, tais como Megalon, Somnium, Juvenatrix, Notícias do Fim do Nada e outros, publicou uma enorme quantidade de trabalhos, principalmente ficção curta, mas também uma e outra novela, sempre de forma amadora e de distribuição restrita.
Como editor amador, apoiei o trabalho de Miguel Carqueija exatamente porque percebi nele essa dedicação aos leitores jovens. Além de vários contos publicados no meu fanzine Hiperespaço, publiquei três livrinhos de bolso com suas novelas de ficção científica: A âncora dos argonautas (1999), A Esfinge Negra (2003) e As luzes de Alice (2004), todas editadas pelo selo Hiperespaço. Recentemente, Carqueija teve publicada a novela O fantasma do apito (2007) pela Coleção Scarium Fantástica.
Mas Carqueija não passou todo esse tempo sem publicar profissionalmente. Participou da importante antologia Dinossauria Tropicália (GRD, 1994) e publicou em revistas como HorrorShow (Escala), Dragão Brasil (Trama), Magazine Perry Rhodan (SSPG) etc. Também é autor cativo nos luxuosos livros Banco de Talentos publicados pelo Banco do Brasil. O conto "O tesouro de Dona Mirtes", publicado num desses livros, chegou a ser transformado em curta-metragem.
Invariavelmente, Carqueija busca escrever histórias construtivas, que enalteçam qualidades humanas como a amizade, a honra, a compaixão e a esperança. Aprecia trabalhar com personagens com senso de humor e também faz lá suas referências, mas elas são geralmente de natureza infanto-juvenil, parte do universo de identidade dos leitores jovens.
Assim, Carqueija tem ultimamente buscado nos mangás e animês, produtos japoneses de grande aceitação entre os jovens de hoje, inspiração para seus trabalhos mais recentes. Este é o caso do romance agora publicado pela Giz Editorial, Farei meu destino, uma história de ação com a doçura comumente encontrada nas narrativas orientais. Segue também o urdume comum a essas histórias, reunindo um grupo de jovens que tem a missão de salvar uns aos outros de um mal aparentemente invencível.
Quando fiz a primeira leitura desse trabalho, sugeri ao autor alternativas para o destino dos jovens protagonistas, algumas das quais um tanto sinistras. É claro que, em sua sensibilidade autoral, Carqueija as rejeitou em função de uma solução mais adequada ao tipo de leitor que ele busca. E, sendo assim, aceito de muito boa vontade essas soluções.
A publicação de Farei meu destino é uma rara iniciativa da literatura de ficção científica brasileira em fazer ela mesma alguma coisa pragmática pela verdadeira renovação do corpo de leitores do gênero.
Farei meu destino não é um romance para adultos. Pelo menos não para aquele tipo de adulto que se esqueceu de que também é muito bom para a ficção científica ser positiva e construtiva, só para variar.
Farei meu destino foi publicado em 2008 pela Giz Editorial.
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