O livro de Moriarty (The book of Moriarty), Arthur Conan Doyle. 416 páginas. Tradução e apresentação de José Francisco Botelho. Editora Companhia das Letras, selo Penguin Companhia, coleção Clássicos. São Paulo, 2017.
Nem é preciso ser um grande leitor de romances de mistério para reconhecer o nome Moriarty. A simples menção desse nome faz surgir uma série de dúvidas e questionamentos. Apesar de ser tão conhecido, Moriarty é um grande mistério, certamente o maior de todos os mistérios que rondaram os pesadelos do maior detetive de todos os tempos, Sherlock Holmes.
Quem viu o filme Sherlock Holmes: O jogo de sombras (Sherlock Holmes: A game of shadows, 2011, Guy Ritchie), por certo deve ter ficado impressionado com a evidência de Moriarty na trama: um antagonista enérgico e decidido, com o poder de movimentar forças acima de qualquer outro mortal. Pois, via de regra, é essa a imagem que o vilão tem no imaginário dos fãs de Sherlock Holmes.
Mas a fama de Moriarty excede seu efetivo significado, e isso fica muito claro na leitura de O livro de Moriarty. Trata-se de uma coletânea com todos os textos (cinco contos e um romance) escritos por Doyle nos quais se insinua a sombra do "Napoleão do Crime", como diria Holmes. Em alguns, é apenas uma citação, em outros, o gênio do mal até chega dá o ar de sua graça, mas sempre de forma transversal e reticente. Porque a grande habilidade de Moriarty é justamente ficar à parte, resguardado de qualquer perigo ou comprometimento que possa atingi-lo.
A introdução escrita por José Francisco Botelho é um show à parte. Além de contextualizar autor e obra, conta detalhes curiosíssimos sobre a mitologia do personagem e sua relação com os leitores que, podemos dizer, foi o primeiro modelo de um fandom organizado. Porque a obsessão dos leitores por Holmes criou um verdadeiro culto, em que a realidade e a ficção estão de tal forma amalgamados que é quase impossível discernir entre uma e outra. Pois os fãs, todos altamente especializados, elaboraram todo tipo de teorias sobre Holmes, Watson e os personagens que aparecem nas histórias – inclusive o famigerado Moriarty. Teria Holmes realmente existido? Alguns afirmam convictamente que sim. Que Doyle nada mais fez que redigir, de forma coerente, as histórias dessa surpreendente personagem, a partir dos relatos do Dr. Watson.
O cuidado com que as histórias foram escritas, a grande quantidade de referências reais (ou quase) e a estrutura firme que amarra a série, sem falar de muitos outros elementos, fazem de Sherlock Holmes um repositório de lendas urbanas e emprestam a Moriarty muito mais que uma aura opressora.
A primeira história é "O problema final", justamente aquela em que Doyle, cansado de seu personagem – apesar da fortuna que lhe trouxe – decidiu matá-lo. E o consumador desse crime não poderia ser ninguém além de Moriarty. Contudo, no texto seguinte, "A aventura da casa vazia", mostra a volta de Holmes do reino dos mortos, numa história em que o detetive terá de usar de extrema astúcia para capturar um dos mais perigosos asseclas de Moriarty.
As histórias seguintes têm ainda menos interferência de vilão. Em "O caso do construtor de Norwood", Holmes busca inocentar um homem que parece claramente culpado de um assassinato macabro. Em "O caso do jogador de rúgbi", Holmes precisa encontrar o craque do esporte que aparentemente desapareceu do mundo dos vivos. Em "Sua última mesura", Holmes usa sua "magia" para impedir um espião alemão de concluir seus planos sinistros. Em "O caso do cliente ilustre", Holmes tem de impedir uma jovem aristocrata de cair nas garras de um trapaceiro internacional. Fecha o volume o romance "O Vale do Medo", que toma metade das suas 416 páginas. Na primeira parte, Holmes tem que descobrir como um homem foi morto dentro de sua própria casa por alguém que, aparentemente, não existe. Resolvido o mistério, a segunda parte do romance conta a vida pregressa da vítima, numa história surpreendente, quase um faroeste, sobre como um esperto detetive da Pinkerton desbarata uma gangue de criminosos numa região carvoeira dos Estados Unidos.
Dessa forma, O livro de Moriarty cumpre o papel de desmistificar o Napoleão do Crime, embora, a sua maneira, o próprio Sherlock Holmes resista heroicamente a isso. O que nos leva a concluir que, talvez, a melhor estratégia de Moriarty seja justamente convencer a todos nós de que ele não é assim tão perigoso.
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