Na fantasia, o destaque vai para Elric de Melniboné: A traição ao imperador (Elric of Melniboné), do escritor britânico Michael Moorcock, publicado no Brasil pela Editora Évora no selo Generale. Trata-se do resgate oportuno de uma obra importante da fantasia mundial, originalmente publicada em 1972, de um dos mais expressivos autores do gênero, que andava esquecido pelas editoras brasileiras: o único livro do autor publicado aqui até então era A espada diabólica (Stormbringer), oitavo e último livro da mesma série, traduzido pela Francisco Alves nos anos 1970. Elric segue a linha da fantasia heróica que fez grande sucesso com Conan, de Robert E. Howard, embora os personagens sejam diametralmente opostos.
Contudo, as similaridades entre os dois universos são tantas que, nos quadrinhos, Elric chegou a contracenar com o bárbaro cimério. Stormbringer, a espada viva de Elric, é provavelmente a mais conhecida arma da literatura fantástica, ao lado de Excalibur. Também vale registrar a publicação de Discworld: Pequenos deuses (Small gods), de Terry Pratchett (1948-2015), pela Editora Bertrand Brasil, 13º volume dessa série de romances cômicos que é bastante conhecida dos leitores brasileiros.
Como já foi dito, 2014 foi o ano do ressurgimento ficção científica no Brasil, e a relação de livros essenciais é grande, a começar do megarromance Graça infinita (Infinite jest), de David Foster Wallace (1962-2008), publicado pela Companhia das Letras, ficção científica de contornos políticos e sociais considerada pela crítica como "o último grande romance do século 20" (ele é de 1996). Sua leitura é uma verdadeira maratona de mais de mil páginas, sem contar as 136 páginas do apêndice de notas, que é uma atração em si.
Graça infinita se insere na estética pós-moderna New Weird, assim como A cidade e a cidade (The city & the city), de China Miéville, que também chegou ao Brasil em 2014 pela Editora Boitempo, outro título reconhecido tanto pela crítica mainstream quanto pela especializada.
Battle royale, de Koushun Takami, pela Globo Livros, é outra publicação surpreendente. Primeiro porque é um dos raros exemplos da ficção científica japonesa traduzida no Brasil, segundo porque trata-se de um trabalho razoavelmente recente (o livro é de 1999) e extremamente violento, ao ponto de ter se tornado polêmico no país de origem. Apesar do brutalismo ser um estilo popular entre os autores brasileiros, o nível da violência em Battle royale extrapola todos os limites dos protocolos do gênero. Apesar disso – ou talvez por isso mesmo –, o romance fez uma bem sucedida carreira, com adaptações para os quadrinhos e para o cinema.
Mais ao gosto do leitor ocidental, a editora Intrínseca trouxe ao país, com tradução de Braulio Tavares, o romance Aniquilação (Annihilation), de Jeff VanderMeer, autor da moderna fc norte americana, publicado aqui meses antes de ganhar o prestigioso Prêmio Nebula. Trata-se do primeiro volume da trilogia Comando Sul, cuja segunda parte, Autoridade (Authority), já foi publicada em 2015 pela mesma editora. A história, repleta de mistérios, remete ao clássico Stalker, dos escritores russos Arkadi e Boris Strugastski, e é igualmente perturbadora.
Também surpreendeu a publicação de O círculo (The circle), de Dave Eggers pela Companhia das Letras, ficção científica na fronteira do mainstream, que discute com incômodo vigor a presença cada vez maior da vigilância tecnológica na sociedade moderna, sugerindo que os extremos denunciados por George Orwell em 1984 talvez não estejam tão longe de se tornarem realidade, se é que já não estão bem diante dos nossos narizes.
Dois clássicos inéditos no país marcaram presença nas livrarias em 2014: A nebulosa de Andrômeda (Andromeda nebula), livro de 1957 do escritor russo Ivan Efremov (1908-1972), pela pequena editora Polo Books, e a coletânea O salmão da dúvida (The salmon of doubt), trabalho póstumo e inacabado do britânico Douglas Adams (1952-2001), pela Arqueiro.
Para quem conhece estes autores, não há necessidade de maiores explicações: são leituras mais que obrigatórias.
No campo do horror, os destaques são pesos pesados: Doutor Sono (Doctor Sleep), de Stephen King – sequência ao clássico absoluto O iluminado (The shinning) –, pela Suma das Letras, e Outros reinos (Other kingdoms), um dos últimos trabalhos do sempre relevante Richard Matheson (1926-2013), pela Civilização Brasileira.
Este ano, um fato incomum revelou que há uma grande tempestade ao longe que pode mudar radicalmente o panorama da publicação de fc&f no Brasil. Nada menos que três editoras publicaram, simultaneamente, a coletânea The king in yellow, de Robert W. Chambers (1865-1933), influente clássico da literatura gótica publicado em 1895.
Pela Intrínseca e pela Clock Tower, o volume levou o nome de O rei de amarelo, e pela Arte & Letra, O símbolo amarelo e outros contos. Isso aconteceu porque a obra de Chambers entrou em domínio público e as atentas editoras logo aproveitaram a oportunidade. Curioso é que todos os editores tenham escolhido justamente o mesmo título, sendo que Chambers, que foi um autor produtivo, tem muito mais para ser aproveitado. O fato é que todos estão esperando ansiosamente pelos grandes títulos estrangeiros caiam em domínio público, enquanto clássicos da ficção especulativa nacional seguem esquecidos. Decerto que há alguma lição para ser aprendida nisso tudo.
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