domingo, 24 de maio de 2015

Outra América

A ficção especulativa, por motivos econômicos, especializou-se em uma miríade de gêneros e subgêneros devidamente esquematizados. Autores especializados em cada um desses subgêneros exploram cada uma de suas dobras em busca de seus limites sem perder os apelos comerciais que os editores exigem. Essa prática nos trouxe uma série de bons trabalhos criativos e perturbadores mas, por mais que se tente, sempre há uma fronteira que tem que ser respeitada, um protocolo que ali está para estabelecer a identidade da obra e seu público alvo. Eventualmente contudo, ocorre de um autor importante, mas não especializado, acidentalmente ou não, adentrar os domínios de um gênero como um touro enfurecido e, sem respeitar nenhum desses protocolos, ali instalar uma obra de tal forma autoral que a crítica tem dificuldade de classificá-lo. Há diversos exemplos dessa ordem, que causam intermináveis polêmicas entre os fãs, uns denunciam a invasão não autorizada, outros festejam que alguém importante finalmente tenha enxergado valor naquilo que tanto gostam, tudo isso enquanto o crítica mainstream destila seus preconceitos.
Por exemplo, temos os casos de 1984, de George Orwell, Shikasta, de Doris Lessing, A estrada (The road), de Cormac McCarthy, Associação Judaica de Polícia (The Yiddish Policemen's Union), de Michael Chabon, Não verás pais nenhum de Ignácio de Loyola Brandão, e Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. A eles se soma também Complô contra a América (The plot against America) de Philip Roth, que recebeu uma nova edição em 2015 na coleção Companhia de Bolso, da Editora Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Britto.
É um caso curioso porque a obra de Philip Roth não apresenta nenhum outro livro especulativo. Sua produção está focada no realismo, em livros como O complexo de Portnoy (Portnoy's complaint) e Pastoral americana (American pastoral). Nascido em Newark, Nova Jersey, em 1933, Roth é um autor mainstream prestigiado, detentor dos mais importantes prêmios literários, entre os quais o Pulitzer e a National Medal of Arts. É um mistério os motivos que o levaram a escrever esta ficção especulativa instalada no subgênero da História Alternativa, um formato que geralmente faz sucesso apenas entre fãs de ficção científica.
Não se trata de uma ideia original. Antes de Roth, outros autores dedicaram textos à utopias nazistas na América, como, por exemplo, O homem do castelo alto (The man in the high castle), de Philip K. Dick, e O sonho de ferro (The iron dream), de Norman Spinrad, ambos já publicados no Brasil.
O caso é que Complô contra a América é muito mais que uma história alternativa. Trata-se de um romance em que o real e o imaginário misturam-se de tal forma que é praticamente impossível desassociá-los. Não porque seja difícil saber o que é historicamente correto ou não, porque essa percepção o autor providencia de modo muito claro, ao inserir, no final do livro, um apêndice detalhado com as biografias reais dos principais personagens históricos citados no romance, para "fornecer referências aos leitores interessados em saber até onde vão os fatos históricos e onde tem inicio a imaginação histórica", cita o próprio Roth na nota de esclarecimento que abre a seção.
O que não sabemos se é real ou não são os fatos ocorridos com os protagonistas, que nada mais são que os membros da família de Philip Roth, num relato que pode muito bem ser autobiográfico em sua maior parte, ou completamente inventado. Pois o romance, narrado em forma de um testemunhal, conta as impressões do infante Philip Roth que, com apenas sete anos de idade, vive um período turbulento da sociedade americana, exatamente os dias que antecederam a entrada do país na Segunda Guerra Mundial.
No romance, a comunidade judaica de Newark, onde vivem os Roth, é abalada quando, nas eleições de 1940, o herói da pátria Charles Lindberg – o primeiro homem a atravessar o oceano Atlântico sozinho num vôo sem escalas – elege-se presidente dos Estados Unidos derrotando o democrata Franklin Delano Roosevelt, que se candidatara ao terceiro mandato. Ocorre que Lindberg tinha ideias controversas, pois era antissemita assumido e admirador de Adolf Hitler. A presença de Lindberg na Casa Branca faz o país manter-se fora do conflito europeu e cria desconforto entre os judeus americanos ao abrir espaço à propagação do nazismo nos EUA.
O texto de Roth, ainda que dotado de menos maravilhamento que seus antecessores, ao importar o holocausto europeu para a América – numa situação que não aconteceu de fato –, apresenta um retrato um tanto cruel da sociedade judaica, discutindo agudamente a questão antissemita nos EUA, a estrutura familiar da comunidade, seus valores e cultura. Pelos olhos do pequeno Phil vamos acompanhar como o fascismo avança gulosamente sobre a sociedade americana, animada pela ampla aprovação à política isolacionista de Lindberg, travestida por ações pacifistas e progressistas. E a tragédia que era apenas um temor, comprova-se para a família Roth quando são tratados como cidadãos de segunda classe em uma malfadada viagem turística à capital do pais, assim como no drama do primo Alvin, que havia se alistado no exército canadense para lutar contra Hitler na Europa, mas retornou poucos meses depois sem uma das pernas, perdida em batalha.
O mais dramático, contudo, é que os traumas pelo que vão passar os Roth e seus vizinhos da comunidade judaica de Newark são, de forma geral, criados a partir da intolerância dos próprios judeus entre si, em especial a ação de Walter Winchell, radialista de enorme audiência que move uma campanha difamatória incansável – e não propriamente honesta – contra o presidente Lindberg. Em cada detalhe das recordações do pequeno Phil, as pistas de como os próprios judeus ajudam a construir as armadilhas para seus iguais, incluindo o próprio Philip que, do alto de seu inocente egoísmo juvenil, lança seu vizinho Seldon, provavelmente o único admirador que jamais teve, no pior de todos os infernos, potencializando a natureza de culpa que todo judeu carrega desde o berço.
O que enfraquece a tocante história de Complô contra a América é a atabalhoada explicação final, que sugere Lindberg como mais uma das vítimas de um plano nazista para dominar a América, sendo que tudo o que ele fez foi decorrente de chantagem, uma vez que os alemães teriam seu filho refém (na história oficial, o filho de Lindberg morreu ainda bebê, assassinado por um sequestrador psicopata). Ainda que a forma como Roth apresenta essa conspiração seja um tanto transversal, através de uma série de contraditórias reportagens de jornal que não parecem ser dignas de crédito, o efeito final é da História sendo reconduzida ao normal, apenas com um ano de atraso: os japoneses atacam Pearl Harbour em 1942 e os EUA acabam por entrar na Segunda Guerra ao lado dos aliados.
Mesmo assim, a opção de Roth por construir um holocausto pessoal pelos olhos de sua própria infância dá tal credibilidade á história que nos faz pensar que ela talvez tenha acontecido de uma forma ou outra, e que inacreditável é o fato de não ter sido assim, uma dúvida que perturbará para sempre o leitor: talvez, a história tenha sido mesmo aquela e sejamos nós que vivemos na realidade alternativa.
Cesar Silva

A ficção científica e o espaço selvagem

A ficção científica e o espaço selvagem é o título da palestra que o escritor Braulio Tavares ministrou na Academia Brasileira de Letras dentro do ciclo de conferências Vertentes da Literatura Brasileira, coordenada por Antônio Torres e apresentada por Antônio Carlos Secchin. Na palestra, de cerca de uma hora, Braulio elencou diversos títulos da literatura brasileira do gênero, como O Doutor Benignus, de Augusto Emilio Zaluar, A rainha do ignoto, de Emília Freitas, A filha do inca, de Menotti Del Picchia, e muitos outros textos fundadores da fc no país. Também cita alguns estudos como Ficção científica, fantasia e horror no Brasil, de Roberto de Sousa Causo, o Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, além dos trabalhos da pesquisadora norte americana M. Elizabeth Ginway, sempre com clareza e uma didática perfeitas, que dá gosto de ouvir.
A palestra está integralmente disponível no Youtube, aqui.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Megalon 63

Está novamente disponível o número 63 do fanzine de ficção científica e horror Megalon, originalmente editado por Marcello Simão Branco em dezembro de 2001.
A capa exibe uma das belíssimas ilustrações que o brasileiro Henrique Alvim Correa (1876-1910) executou para a primeira edição de War of worlds, de H. G. Wells.
O fanzine tem 40 páginas e traz um amplo caderno dedicado à produção de fc&f portuguesa, com ficções de João Barreiros, Jorge Candeias, Luís Filipe Silva e Ricardo Rebelo, artigos de Jorge Candeias e João Seixas, e uma resenha ao volumoso Terrarium, de João Barreiros e Luís Filipe Silva. Completam a edição as seções fixas "Diário do fandom", "Arte fantástica brasileira" e "Terras alternativas", mais um artigo assinado por Lucio Manfredi prolongando uma das muitas constrangedoras guerras feudais do fandom brasileiro, que destoa do ótimo conteúdo da edição.
O editor publicou também um arquivo bônus com a programação da histórica Convenção Enterprise, promovida pelo grupo de fãs Frota Estelar naquele mesmo ano, que trouxe ao Brasil o ator Walter Koenig, o Chekov da série Star Trek.
E mais uma imagem da série Pulp Brasil, com a capa do Magazine de Ficção Científica nº 17, publicado em agosto de 1971.

Poderosa

O carioca Miguel Carqueija sempre foi conhecido no meio dos fãs de fc&f como um autor de grande produtividade: já nos anos 1980 e 1990, era frequente em todos os fanzines e publicações dedicadas ao gênero. Um conservador, como ele mesmo se define, tardou a entrar na internet e publicar seu primeiro ebook (As portas do magma, 2008, em parceria com Jorge Luiz Calife) mas, depois disso, tornou-se um dos autores mais ativos no segmento. Atualmente, não passa mais de três meses sem lançar um título, muitas vezes inédito, como é o caso de Poderosa, romance de fantasia urbana que o autor acaba de disponibilizar no saite Recanto das Letras.
Diz o descritivo da edição: "Elaine é uma menina pobre, de treze anos, moradora do Rio de Janeiro contemporâneo que descobre que dispõe de poderes especiais. Esses poderes, de natureza telecinética, a ajudarão a lidar com um namorado problemático e atrairão a atenção de dois bruxos de verdade".
A edição está disponível em formato de texto, com prefácio de Hortencia de Alencar e posfácio de Shirley Murphy.

Boca do Inferno 9

Fanzines de papel são cada vez mais raros na realidade virtual em que vivemos, então é sempre um evento quando um deles sai nesse formato, como é o caso do Boca do Inferno, fanzine de horror editado por Renato Rosatti e Marcelo Milici, representante do saite Boca do Inferno e do blogue Infernotícias, dedicado principalmente ao cinema do gênero.
Esta edição vem com quatro páginas no formato A4 e traz artigos sobre os filmes Frankenstein encontra o lobisomem, de 1943, e A maldição da chorona, de 1963.
A versão impressa é distribuída gratuitamente em eventos na cidade de São Paulo, mas a versão virtual, em pdf, pode ser solicitada aos editores pelos emails marcelomilici@yahoo.com.br ou renatorosatti@yahoo.com.br.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Flores do Lado de Cima 20

Depois de dois anos de suspensão, o fanzine de literatura, poesia e música sombria Flores do Lado de Cima voltou em 2015 com a nova edição número 20.
Editado por Rosana Raven e Nanda Barros, o zine chega com 29 páginas e artigos sobre as bandas góticas Lugubres e Cyber Croatoan, portfólio do artista plástico Takato Yamamoto, artigo sobre o ator Jeffrey Combs, entrevista com o escritor Alfer Medeiros, conto de Frederick Von Stuck  e uma seleta de poemas de diversos autores, além de divulgação de várias ações no gênero.
Esta e todas as demais edições de Flores do Lado de Cima podem ser baixadas gratuitamente no saite da publicação, aqui.

Comics Star Wars

Finalmente chegou às bancas de São Paulo a esperada coleção Comics Star Wars, da Planeta DeAgostini, dedicada a reunir em edições luxuosas em capa dura, toda a produção de quadrinhos ligada ao famoso seriado criado em 1977 por George Lucas, iniciando o interesse pelo futuro lançamento da terceira trilogia nos cinemas.
A coleção é formada por 70 volumes, cada um com cerca de 200 páginas em cores, divididos em várias séries, nesta ordem: Clássicos, Cavaleiros da Antiga República, Guerra iminente, A guerra dos clones, Tempos negros, O poder da força, Império, Rebelião, Contra-ataque, Herdeiro do Império, Império Negro, Império Vermelho, Academia Jedi, Invasão, Legado, X-Wing: O esquadrão rebelde, Boba Fett, Darth Maul, Dróides, e Contos jedi.
Clássicos é a de maior interesse dos fãs, pois é dedicada a série publicada pela Marvel Comics entre 1977 e 1986, que conta com as adaptações do três primeiros longas e dezenas de aventuras não canônicas instaladas nos intervalos, muitas das quais inéditas no país. As demais séries acompanham o material publicado principalmente pela Dark Horse, também com muito material nunca antes publicado aqui.
O volume 1 apresenta as primeiras aventuras clássicas, entre as quais a famigerada adaptação do Episódio 4: A nova aliança, ilustrada por Howard Chaykin. O livro vem acompanhado de um poster com um mapa cronológico das fases, eventos e personagens da saga. O preço promocional da edição é R$9,99. O segundo volume será vendido a R$22,99 e, a partir da edição 3, o preço será de R$34,99. Os assinantes da coleção receberão o  volume exclusivo Star Wars blue prints rebel edition, que não chegará às bancas.
Outra coleção de interesse anunciada no saite, também dedicada a saga, é Star Wars Capacetes de Coleção, com reproduções em ABS na escala 1:5 dos inúmeros capacetes vistos nos filmes de cinema. Esta coleção ainda não está nas bancas da cidade, mas já pode ser assinada pelos interessados.
Para mais informações acesse o saite da editora, aqui.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Megalon 62

Volta a estar disponível o número 62 do fanzine de ficção científica e horror Megalon, editado por Marcello Simão Branco, originalmente publicado em setembro de 2001.
A edição, que tem na capa um desenho de Edgar Franco, tem 40 páginas e traz ficções de Carlos Orsi, Lucio Manfredi e Jorge Luiz Calife, artigo de Roberto de Sousa Causo e as seções fixas "Diario do fandom", "Arte fantástica brasileira" e aquela que é provavelmente a mais falsa das entrevistas da fc brasileira, na qual Branco conversa com Carla Cristina Pereira, que então ainda poucos sabiam ser um peseudônimo de Gerson Lodi-Ribeiro, colaborador contumaz do Megalon e autor da coluna "Terras alternativas", também publicada na edição. O editor garante que estava entre aqueles que não sabiam da história. O fanzine pode ser baiado gratuitamente aqui.
Branco também disponibilizou um arquivo bônus com diversos documentos da época, entre os quais encontramos a cédula de votação do primeiro Prêmio Argos, cujos indicados podem ser encontrados na página 4 do Megalon. E mais uma imagem da série Pulp Brasil, com a capa da revista Isaac Asimov Magazine número 3, publicado em 1990.

QI 132

Está circulando a edição 132 do fanzine de fanzines Quadrinhos independentes - QI, editado por Edgard Guimarães, com muito conteúdo sobre a produção de quadrinhos no Brasil, especialmente aquele de caráter alternativo.
A edição vem com 28 páginas e destaca um longo artigo do editor sobre o Judoka, super herói criado no Brasil publicado nos anos 1970 e que teve uma bem sucedida carreira na editora Ebal. Também traz quadrinhos de Luiz Claudio Lopes faria, Chagas Lima e Arruda, Paulo Miguel dos Anjos e do próprio Guimarães, além das seções fixas "Fórum", "Mantendo contato" – discutindo os primeiros trabalhos de Maurício de Sousa – e o catálogo "Edições independentes", com os fanzines lançados no bimestre. A capa traz uma ilustração do editor, com aplicação de cor a mão.
Para obter um exemplar – o QI é publicado unicamente em formato real – é necessário fazer uma assinatura da publicação. Mais informações pelo email edgard@ita.br.

sábado, 2 de maio de 2015

Uma resenha ao Anuário 2013

O escritor e pesquisador de ficção especulativa Roberto de Sousa Causo publicou no saite Who's Geek uma gentil resenha ao Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2013, publicado no final de 2014 pela editora Devir Livraria. O artigo, que aponta como principais falhas as gralhas de revisão e os excessos estilísticos dos autores - Marcello Simão Branco e Cesar Silva -, na maior parte do tempo tece elogios à publicação.
Diz o resenhista: "Um trabalho exaustivo, minucioso, granulado, de lupa e caderneta na mão, único tanto para o fã e o pesquisador quanto para o profissional editorial ou ao escritor que desejasse se profissionalizar ou, pelo menos, atacar o mercado com algum conhecimento de causa. É claro que, Brasil sendo Brasil e a comunidade de ficção especulativa (termo que eu favoreço sobre o disseminado 'literatura fantástica') sendo o que é, aqui abaixo da Linha do Equador, o Anuário nunca alcançou o reconhecimento e a importância que merecia."
Obrigado, Causo.
O artigo completo pode ser lido aqui.

Velta pela Bloch?

Numa divertida brincadeira de primeiro de abril, o quadrinhista paraibano Emir Ribeiro publicou em formato digital uma edição fake de sua personagem Velta, emulando os cacoetes editoriais da antiga editora Bloch que, nos anos 1970, distribuiu uma grande linha de revistas em quadrinhos com os personagens da Marvel Comics, e hoje fazem a alegria dos colecionadores saudosistas. Nela estão as mesmas cores saturadas, a linguagem coloquial com muita gíria da época e as soluções gráficas mambembes que caracterizaram as revistas da editora, inclusive com algumas publicidades recorrentes.
A edição tem 33 páginas e traz duas histórias: "A origem de Velta" e "Táxi", ambas com roteiro e desenhos do autor, no estilo que praticava no final dos anos 1970.
A edição é gratuita e pode ser baixada aqui.