sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Resenha: Piteco Ingá

Desde que surgiram as primeiras divulgações dos títulos que comporiam a coleção Graphic MSP, formada por adaptações mais ou menos livres dos personagens de Maurício de Sousa por outros artistas do traço, o que mais me entusiasmou foi o do Piteco. Isso porque o personagem sempre foi um dos que mais me cativaram dentro de sua produção, além de ser um dos menos explorados. Também porque Piteco remete ao Brucutu (Alley Oop), personagem clássico de V. T. Hamlin que sempre teve histórias incríveis, sinal do potencial de Piteco caso ousasse também se aproximar da ficção científica.
Outro detalhe que me animou foi saber que o artista convidado para realizar o trabalho era o incrível Shiko, quadrinhista paraibano atualmente domiciliado na Itália, revelado nos fanzines no início do século, cujos trabalhos tive a honra de publicar em algumas das últimas edições do Hiperespaço.
E, de fato, não me decepcionei. Piteco: Ingá, quarto volume da coleção, é o melhor até o momento. As ideias ousadas e os desenhos sensuais e soberbamente coloridos de Shiko caíram muito bem nesta versão realista, que parece receber influências de importantes obras da ficção científica antropológica como A guerra do fogo, de J.-H. Rosny, e O clã da caverna do urso, de Jean Auel.
A história conta como a tribo de Lem, onde vivem Piteco e seus amigos, tem que superar as diferenças com seus inimigos para conseguir sobreviver a uma seca que devasta o seu território. Mas, antes disso, o herói terá de empreender uma longa jornada em busca de Thuga, a sacerdotisa da aldeia, que foi raptada pelos temíveis homens-tigre. Acompanhado de Beleléu e Ogra, Piteco confronta diversas entidades mitológicas brasileiras, como o boitatá e o curupira, além de animais extintos como as aves do terror e o anhanguera, entre outros, em concepções tão elegantes quanto assustadoras.
Impressionam as belas versões de Shiko para Thuga e Ogra, carregadas de uma sensualidade primitiva, tal como as valentes guerreiras das histórias de espada e feitiçaria de Robert E. Howard. A aventura também faz referência à Pedra do Ingá, importante petróglifo localizado na Paraíba, no qual estão gravadas inscrições rupestres com milhares de anos.
Como Shiko não se incomodou em ser rigoroso nas referências científicas, não podemos dizer que Piteco: Ingá seja ficção científica. De fato, a obra se enquadra mais como fantasia, num universo em que animais extintos de diversas eras, seres mágicos, animais de outras regiões e homens de culturas e traços afro-mediterrâneos habitam a América do Sul de pelo menos cinco mil anos atrás. Mesmo assim, contribui de maneira importante para com a discussão de uma fantasia tipicamente brasileira, revelando pontos de convergência com trabalhos literários recentes de Simone Saueressig (Os sóis da América), Roberto de Sousa Causo (A sombra dos homens) e Christopher Kastensmidt (A bandeira do elefante e da arara).
A edição tem 84 páginas em cores, incluindo as capas, e ainda traz um caderno com desenhos de pré-produção comentados, além de um histórico do personagem original, criado em 1963. Altamente recomendada.

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