sábado, 14 de fevereiro de 2015

A casa assombrada

O apelo sinistro que um casarão antigo evoca no espírito humano é irresistível e os muitos fenômenos naturais que ocorrem nesse tipo de construção, como ruídos geralmente causados pela acomodação do madeirame, pelo vento assoviando nas frestas e por animais abrigados em suas paredes, e visões causadas pelo reconhecimento de padrões em seus detalhes barrocos, contribuem ainda mais para criar uma aura de mistério e assombro. Não é de admirar, portanto, que algumas das mais assustadores histórias de horror têm em construções assombradas os seus principais protagonistas: A assombração da casa da colina, de Shirley Jackson, A casa sobre o abismo, de William H. Hodgson, A casa das bruxas, de H. P. Lovecraft, O iluminado, de Stephen King, e O castelo de Otranto, de Horace Walpole, são apenas alguns exemplos que demonstram ser este um dos mais bem explorados filões do gênero.
O bem sucedido escritor irlandês John Boyne, que fez enorme sucesso com o premiado drama O menino do pijama listrado – também adaptado para o cinema – decidiu enveredar por esse auspicioso território em A casa assombrada (This house is haunted), romance ao estilo gótico que homenageia esse modelo narrativo, publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras com tradução de Henrique de Breia e Szolnoky.
A história conta como Eliza Caine, jovem londrina de meados do século 19, responde a um anúncio de jornal para o emprego de governanta em Gaudlin Hall, propriedade na área rural da Inglaterra, depois que, com a morte do pai, fica sem recursos de subsistência na capital. O trabalho parece adequado a ela, que tem experiência como professora de crianças, tarefa que será sua principal função nesse emprego. Contudo, muitos mistérios cercam o trabalho, a começar do momento em que Eliza desembarca do trem na pequena estação de Norfolk. A falta de informações sobre suas responsabilidades no trabalho, a ausência de seus empregadores, o estado de decadência do casarão e a estranheza das duas crianças das quais terá de cuidar, Isabella e Eustace, tornam as primeiras horas de Eliza em Gaudlin Hall numa espécie de pesadelo surreal, que não melhora em nada quando, ao deitar para sua primeira noite de sono, sente duas mãos agarrarem suas pernas sob os cobertores.
Contudo, Eliza é uma mulher decidida e resolve enfrentar toda e qualquer adversidade para cuidar das duas crianças inocentes colocadas sob sua responsabilidade. Sua busca por informações na área urbana do condado revela ser ainda mais perturbadora, pois as pessoas a hostilizam de forma evidente. A única fonte confiável de informação parece ser o advogado encarregado de administrar a propriedade, mas ele também a evita e, mesmo quando confrontado diretamente, foge do assunto. Mesmo com tantas dificuldades, agravadas por acidentes graves e bizarros que ocorrem constantemente com ela no interior do casarão, Eliza investiga a história que se esconde atrás das paredes de Gaudlin Hall, que envolve a morte de várias governantas que a antecederam no emprego, e conclui que há um fantasma na casa. Pior, há pelo menos dois.
Embora a história se passe em 1869, o texto de Boyne é moderno e não tenta emular o estilo das antigas narrativas góticas da época, o que tira parte do romantismo que geralmente envolve o gênero. Além do mais, Boyne não é um autor de horror e as poucas tentativas para assustar o leitor são leves e discretas. Cenas de suspense, nas quais um autor especializado no gênero faria o leitor se retorcer em agonia, são rápidas e derivativas, parecendo que o autor ficou com dó dos leitores e decidiu poupá-los de detalhes sórdidos. Um pouco desse efeito é causado pela narrativa em primeira pessoa, com a própria Eliza contando a história. Sendo uma mulher cética e pragmática, não dá muita importância ao sobrenatural e enfrenta os fenômenos como se fossem situações corriqueiras, ainda que mortais.
Ou seja, A casa assombrada acaba por não ser um livro de horror, mas sim um drama familiar de raízes naturalistas com um leve pendão para o espiritismo. Por sorte, o autor evitou habilmente não fazer o romance soar proselitista ou doutrinário, sendo assim uma leitura agradável e positivista, que pode ser lido sem problemas mesmo por leitores que não gostam de histórias de terror. Os fãs de Boyne estão seguros.

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