quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Resenha: Mary

Todas as histórias em quadrinhos são mudas, porque, afinal não têm som. Mas entre elas, há um tipo muito especial de narrativa, que é aquele que não tem nenhuma palavra escrita, nada que simule a função do "som" que os quadrinhos nunca tiveram. Não são comuns e nem fáceis de achar. O melhor do quadrinho que se lê apenas pelas imagens é sua universalidade, não importa qual língua o leitor fale, a história será plenamente compreendida.
Alguns cartunistas usaram esse modelo narrativo com resultados belíssimos, como os clássicos Pinduca (Henry, no original), de Carl Anderson, e O Reizinho (The Little King) de Otto Soglow, ambos dos anos 1930. Eles demonstram muito bem o fundamento que o grande cartunista Will Einser (1917-2005) batizou como Arte Sequencial, a mais nobre característica dos quadrinhos.
No Brasil, o quadrinho mudo também não é comum, mas tem muitos admiradores, porque sua execução exige maestria e virtuosismo artístico. E é justamente isso que encontramos em Mary, de Magno Costa, um pequeno álbum de apenas 40 páginas publicado dentro da coleção Zug, da Balão Editorial.
A história mostra o drama de uma mulher vitimada pela Inquisição e as consequências funestas desse ato violento. Os desenhos, apenas um por página, são em preto e branco com belos tons de aguada, e têm uma expressividade perturbadora realçada pela esqualidez das personagens. A história não chega a aterrorizar, mas deixa no leitor o gosto amargo da cumplicidade pelo destino daquela gente confusa.
Magno Costa é um autor jovem, mas que já conta com um currículo respeitável. Premiado em 2011 com o HQMix de desenhista revelação, publicou anteriormente dois trabalhos muito bem avaliados pelos leitores: Oeste vermelho e Matinê, ambos em parceria com seu irmão gêmeo, Marcelo.
A Balão Editorial tem um conceito intrigante com a coleção Zug. Com formato semelhante ao de uma caixa de cd, no tamanho 13 x 13 cm, remete a uma situação do jogo de xadrez conhecida como zugzwang. Cada número da coleção é identificado com uma peça do tabuleiro. Todo mundo é feliz, de Mateus Acioli, é o peão branco. Como na quinta série, de DW Ribatski, é o peão preto (que pode – e deve – ser lido online, aqui). Mary é o terceiro volume, o bispo branco.
O preço acessível, de apenas R$13,00, é amplamente compensado pela qualidade do trabalho, um exemplo raro e didático de até onde uma história em quadrinhos pode ir nas mãos de um artista talentoso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário