
No primeiro número, lançado em 2010, foram publicadas as noveletas "O encontro fortuito de Gerard van Oost e Oludara", que inaugurou a série A Bandeira do Elefante e da Arara de Christopher Kastensmidt, autor norteamericano radicado no Brasil, e "A travessia", de Roberto de Sousa Causo, uma história da série do índio Tajarê, iniciada no livro A sombra dos homens (Devir, 2004).
O número dois, lançado no finalzinho de 2011, trouxe "A batalha temerária contra o capelobo", sequência da história de Kastensmidt com a dupla de aventureiros Gerard e Oludara no Brasil colonial, e "Encontros de sangue", de Causo, também uma sequência à aventura de Tajarê vista no primeiro volume.Nesta terceira edição, aparece mais um episódio da série de Kastensmidt, "O desconveniente casamento de Oludara e Arani", fazendo par com a novela "O relato do herege", da experiente fantasista gaúcha Simone Saueressig.

Uma pequena correção talvez deveria ser aplicada a descrição que Gerard faz do caju, fruta natural do Brasil que todos nós conhecemos muito bem, mas que deve ter parecido realmente estranha para um europeu do século 16. Quando Gerard vê a fruta no pé, o autor a descreve como "uma fruta vermelha com um estranho caracol marrom crescendo no topo." A descrição até que está bem próxima da visão que um estranho teria de um caju numa bandeja mas, no pé, o "caracol" deveria ser visto em baixo, e não no topo da fruta. No mais, está tudo muito bem, e o texto é bastante satisfatório para o leitor brasileiro.

A história conta, em forma de diário, o drama de Indigo Ruiz Lopes, um herege espanhol desterrado no sul do Brasil, em 1637. Em meio a um cenário desolador, ele testemunha a truculência do ambicioso capitão de uma missão, que abusa de sua autoridade na exploração de seu pequeno império, sustentado com mão de ferro. O odioso líder sabe das acusações que pesam sobre o herege e, quando descobre que ele realmente pode conjurar demônios, manobra as coisas de forma a tê-lo em suas mãos para chamar a maior de todas a entidades sobrenaturais da mitologia indígena e usá-la em seu próprio benefício.
O tom da novela de Simone é trágico e perturbador, como numa história de H. P. Lovecraft, em que a simples visão de um desses seres poderosos pode levar a loucura, na melhor das hipóteses. O cenário insalubre, gelado, úmido e miserável, contribui para que o leitor se sinta ainda menos confortável com toda a situação do pobre herege que, por si, já seria suficientemente desagradável. Mas as cenas de ação são tão poderosas e impactantes que fazem valer todo o desconforto da situação.
Duplo fantasia heroica afirma-se como um projeto editorial consistente e interessante, muito bem conduzido pelo editor Douglas Quinta Reis, e deve ser privilegiada na lista de leituras de todos aqueles que desejam conhecer uma das melhores propostas já apresentadas para uma ficção fantástica autenticamente brasileira.
Gostei da resenha. E do livro também, que li no começo desse ano... Abraço!
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