quarta-feira, 6 de maio de 2009

O senhor da chuva, André Vianco

Investi alguns dias deste ano na leitura dos livros de André Vianco, escritor de Osasco que tem aparecido muito bem nas livrarias, pela Editora Novo Século. Seu livro de estreia, o romance vampiresco Os sete, publicado há coisa de dez anos, foi muito bem recebido pelos leitores e inaugurou uma nova era no acesso dos autores de FC&F às editoras brasileiras.
Apesar do sucesso, o autor é um camarada muito simples e simpático, que não se furta a comparecer aos eventos sobre horror organizados pelos fãs. Há poucas semanas ele cedeu uma longa entrevista ao Anuário Brasileiro de Arte Fantástica, entrevista esta que vai ser publicada na edição deste ano. Pretendia ler alguns livros para me preparar para a entrevista, mas acabei me entusiasmando com o autor e já li quatro títulos, que comentarei aqui nos próximos dias.
Agora vou falar do último que li, O senhor da chuva (Novo Século, 2001) que na verdade foi o primeiro que o autor escreveu. Conforme confessou na entrevista dada ao Anuário, Vianco não gosta muito desse livro porque o considera muito amador, mas ainda assim não pretende reescrevê-lo. De fato, o romance apresenta algumas inconsistências, mas nada que destoe exageradamente. É um livro que entretém, tem bons personagens – uma característica em todos os livros de Viancoótima narrativa e até meritórios objetivos filosóficos.
A história é sobre dois irmãos gêmeos separados pela vida. Samuel tornou-se fazendeiro e toca uma plantação de milho na imaginária cidade de Belo Verde, no interior de São Paulo, enquanto o outro, Gregório, caiu no mundo e se tornou um pequeno traficante de drogas na capital do estado. Gregório pretende voltar para sua antiga vida em Belo Verde tão logo encerre seu último grande negócio, que lhe irá render muito dinheiro. Mas as coisas não dão certo e ele acaba fuzilado pela gangue que ia lhe comprar a droga.
Neste ponto insere-se o maravilhoso, quando Thal, um anjo da guarda que toma conta de algumas boas almas da região, tocado pelos sentimentos sinceros do traficante, tenta interferir na tragédia e acaba vitimado por uma horda de demônios que acompanhava a gangue assassina. No momento da morte de ambos, um milagre acontece e o espírito combalido do anjo entra no corpo físico de Gregório, devolvendo-lhe a vida ao mesmo tempo que o arremessa ao local em que ele mais pretendia estar, Belo Verde. Encontrado no meio da plantação de milho do irmão, um desmemoriado Gregório acredita que poderá viver tranquilamente dali em diante, mas as hostes demoníacas farejam o destino do anjo Thal que agora habita o seu corpo, enquanto velhos inimigos de Gregório, que também querem sua pele, encaminham-se à pequena cidade, onde se prenuncia um holocausto de proporções cósmicas, cujo desfecho trágico e previsível só poderia ser evitado pela intervenção divina.
O senhor da chuva tem, portanto, um enredo movimentado, com muita ação, tiroteio, batalhas violentas e sanguinárias em dimensões que se superpõe (homens x homens; anjos x demônios), interferindo uma na outra através do vínculo entre Gregório e Thal. Além dos anjos e dos demônios, outros seres sobrenaturais aparecem no livro, que por exemplo não deixa de dar sua própria versão para os objetos voadores não identificados.
O que mais surpreende em O senhor da chuva é a coragem do autor em usar a doutrina cristã na composição da cosmologia do romance, num momento em que o niilismo ateu predomina os discursos literários. Explica-se: André Vianco passou sua juventude na igreja Batista, e tem uma forte formação religiosa. O senhor da chuva reveste-se, portanto, de um caráter evangélico explícito, ainda que um tanto permissivo, derivando em alguns momentos para o gnosticismo e até o espiritismo kardecista. Não deixa de ser, contudo, um exemplo raro desse tipo de ambiente na literatura fantástica, principalmente no Brasil, abrindo um leque de possibilidades novas ao gênero. Também é muito louvável o fato do autor não ter evitado expôr essa visão, perfeitamente autêntica dentro de suas convicções pessoais.
E ninguém poderá dizer que não fez bonito. Ainda que não seja seu maior sucesso, O senhor da chuva emplacou várias tiragens (o meu exemplar, de 2007, é a 11ª reimpressão) e continua a ser bem vendido nas livrarias brasileiras. Recomendo.

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