Como autor, Novello está associado à Terceira Onda da fc brasileira, geração surgida após o advento da internet. Seu primeiro livro foi Histórias da noite carioca (2004, Lamparina), mas ganhou notoriedade na editora Draco – reconhecida pela dedicação à produção nacional de fc –, pela qual publicou os romances Neon azul (2010) e A sombra no sol (2012). Novello também é autor de Exorcismos, amores e uma dose de blues, romance de fantasia publicado em 2014 pelo selo Gutenberg da editora Autêntica.
A sinopse de Ninguém nasce herói é uma distopia na qual a população brasileira é oprimida por um governo integralista, depois que um religioso intolerante, chamado de "O Escolhido", chega à Presidência da República. A violência se instala na sociedade sob o jugo de uma brigada paramilitar – a Guarda Branca – que passa a patrulhar as ruas atacando aqueles de quem não gosta, como é o caso do protagonista, apelidado de Chuvisco, jovem tradutor recém-formado que considera a distribuição de livros nas ruas de São Paulo como uma forma de resistência civil. Para isso, conta com a ajuda de alguns amigos que com ele formam uma espécie de aparelho subversivo do bem, embora, no fim das contas, sejam apenas jovens que querem viver e se divertir. A maior parte do tempo, os garotos – cujas famílias estão ausentes – estão em alguma balada ou brigando, por vezes as duas coisas simultaneamente. Chuvisco é propenso a surtos psicóticos – catarses criativas como ele mesmo os chama –, sempre que fica muito alterado. Durante as tais catarses, tem delírios despertos que mesclam fantasia e realidade: ora ele se vê como um super-herói hipertecnológico, ora tem encontros com entidades purpurantes que só existem em sua imaginação. De briga em briga, as relações entre Chuvisco e seus amigos, que parecem nunca ter sido realmente muito sólidas, vão deteriorando, o que nesse ambiente de violência só pode levar à tragédia. Também há uma discussão discreta sobre sexualidade contextualizada na ampla diversidade de gênero dos personagens.
Há alguma imprecisão quanto a natureza religiosa desse Brasil de exceção criado por Novello. Em alguns momentos, parece que O Escolhido é um tipo evangélico neopentecostal mas, quando focalizado mais de perto, já no final do livro, revela ser católico, o que me levou a pensar nesse contexto como uma fabulação da ditadura militar que assolou o país entre 1964 e 1985, o que faria muito sentido.
É inevitável comparar a aventura urbana de Chuvisco e sua turma com aquela que o escritor chileno Roberto Bolaño desenvolve em O espírito da ficção científica, que não é fc, apesar do nome, publicado pela Companhia das Letras em 2017. Outro trabalho com o qual também se pode montar algum diálogo é "A grande virada de Vitinho", visto na coletânea 17 histórias alternativas, cômicas e futuristas, de Ataíde Tartari (Virtual Books, 2013), autor da Segunda Onda da fc brasileira que, no caso, adotou uma abordagem realista. Fica claro o motivo da opção de Bolaño e Tartari por fugirem da fantasia. Geralmente, a fabulação amplia contrastes e permite trabalhar temas espinhosos com maior agudeza sem cair na caricatura mas, em Ninguém nasce herói, acabou por esmaecer o drama contado ali, que teria ficado mais impactante se estivesse ancorado na realidade, como, por exemplo, nos anos de chumbo da ditadura militar.
Mas, independente disso, pelo menos já podemos festejar que a fc brasileira chegou enfim ao grande mercado. Se é o prenúncio de uma onda de best-sellers do gênero, como já aconteceu com o horror e a fantasia, ainda não dá para dizer. Vamos ver o que 2018 nos reserva.
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