A morte da Terra (La mort de la Terre), J. H. Rosny Aîné. 128 páginas. Tradução de Julia da Rosa Simões. Ilustrações de Rodrigo Rosa. Prefácio de Mia Couto. Porto Alegre: Piu, 2019. Originalmente publicada em 1910.
Desde que os textos de ficção científica começaram a cair em domínio público, muitos autores famosos e obscuros têm atraído o interesse das editoras brasileiras, ampliando a variedade de conceitos disponíveis aos leitores neste início de século. É o caso do objeto desta resenha.
O escritor belga J. H. Rosny Aîne (1856-1940) é mais conhecido por A guerra do fogo (La guerre du feu, 1909), que chegou a ter uma versão filmada em 1982 por Jean-Jacques Annaud, mas o autor tem também uma vultosa produção literária ligada ao fantástico.
A morte da Terra é uma novela de ficção científica publicada em 1910, e parece ter os cento e tantos anos que carrega. Trata-se de uma peça de leitura fácil mas extremamente descritiva e quase sem diálogos, que denota uma certa falta de jeito do autor com um gênero que ainda não estava plenamente estruturado, quase como se pedisse desculpas ao leitor por tratar o tema a partir de uma visão tão ficcional. Ainda assim, como se diz, é um trabalho "fora da curva". A começar pela preocupação com o meio ambiente, que só passou a ser considerada de modo efetivo a partir dos anos 1970. Apesar de afinada com a ficção romântica decadentista do final do século XIX, A morte da Terra mostra aspectos consistentes com os protocolos da ficção científica que, naquela época, ainda estavam em uma fase germinal.
De um ponto de vista estético, esta novela de Rosny-Ainé lembra Quinteto, filme de 1979 de Robert Altman, no qual vastidões estéreis e silenciosas contrastam dolorosamente com espaços claustrofóbicos, embora em Quinteto tudo seja muito gelado, enquanto que em O fim da Terra é abrasador.
A história se passa cinco mil anos no futuro, num planeta Terra em crise climática profunda, no qual praticamente toda a água, doce e salgada, desapareceu. As derradeiras comunidades humanas, com poucas centenas de indivíduos, ainda que dotadas de tecnologia, só sobrevivem porque dispõem de cacimbas cuidadosamente preservadas, mas elas estão cada vez menores. Nesse ambiente inóspito, novas espécies prosperam, como uma espécie de ave inteligente com a qual os homens interagem, e seres microscópicos baseados em ferro – chamados de ferromagnéticos – que formam colônias enormes e de deslocamento lento, mas que pode matar humanos desavisados absorvendo o ferro de seus corpos. Quando um terremoto dá fim as reservas de água das comunidades humanas, os últimos homens enfrentam a morte num desapaixonado ritual de suicídio grupal. Porém, um pequeno grupo familiar recusa-se a morrer e empreende sucessivas explorações a procura de bolsões do líquido vital que podem estar escondidos nas profundezas da terra, em cavernas inexploradas.
Dessa forma, A morte da Terra dialoga com o contemporâneo subgênero do solarpunk em seus contornos gerais, e pode mesmo ser um primo distante de "Demônios", de Aluísio Azevedo. O que separa estes exemplos do solarpunk é que este traz aspectos de resistência civil deliberada contra as instâncias de poder, que não é tão evidente nestas histórias.
A novela é curta, possível de ler em menos de três horas, e conta com uma edição de 2023 pela Editora Piu, de Porto Alegre, com tradução de Julia da Rosa Simões e prefácio do escritor moçambicano Mia Couto.
Uma ótima oportunidade para visitar as origens da ficção científica deste autor tão pouco traduzido por aqui.
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