O primeiro trabalho que li Braulio Tavares foi um pequeno texto chamado "Os pensadores de São Tiago" que ele gentilmente enviou para o número 11 do Hiperespaço, publicado em 1986, uma edição especial de contos. Só mais tarde soube que aquele pequeno texto havia sido sua estreia na ficção.
Na sequência, Tavares tornou-se colaborador regular do fanzine Somnium, do Clube de Leitores de Ficção Científica, publicação na qual acompanhei cada um dos contos que posteriormente formariam a coletânea A espinha dorsal da memória, publicada em 1990 pela Editora Caminho, de Portugal, que recebeu o Prêmio Nova de melhor livro naquele ano. A coletânea ganhou edição brasileira em 1996, pela Editora Rocco, acrescida da coletânea inédita O mundo fantasmo.
Na primeira parte da edição brasileira estão doze contos que integram a memória coletiva do fandom brasileiro, como "Sympathy for the devil", ganhador do Prêmio Nova em 1989, "História de Maldum, o Mensageiro", que deu origem ao seu romance A máquina voadora (Rocco, 1994), e "Príncipe das sombras", história de invasão alienígena que vai da fc hard à cyberpunk e à space opera, num passeio completo pelo gênero. Sem esquecer de "Mestre-de-armas", conto vencedor do Prêmio Nova em 1990, considerado por muitos como seu melhor trabalho.
Contudo, destaco um dos mais curtinhos: "Mare Tenebrarum", que relata um drama infelizmente muito comum no Brasil: um temporal, a água entrando pela casa, cobrindo móveis e destruindo a realidade de uma família pobre, mas... e se a enxurrada fosse forte demais?
Girando o livro de ponta-cabeça e lendo de trás-para-frente está Mundo fantasmo, que apresenta mais sete histórias, todas inéditas. "Oh Lord, won't you buy me" é praticamente uma homenagem ao fã brasileiro de fc&f, sempre a cata de mais e mais livros pelos sebos da cidade. É impossível não se identificar com o personagem que se encontra com Deus em pleno metrô paulista.
Mais homenagens em "Exame da obra de Giuseppe Sanz", história de um escritor de sucesso que produzia suas obras dissecando trabalhos alheios e revestindo-os com uma figuração moderna. E não é o que os autores fazem o tempo todo?
"História de Cassim, o Peregrino, e de um crime perfeito que Deus castigou" é uma espécie de sequência à "História de Maldun, o Mensageiro", menos assustadora mas igualmente deliciosa, na qual um homem relata aos seus companheiros de bebida um intrigante conto de amor, traição e imortalidade.
Tavares também experimentou formalmente em "Expedição às profundezas do oceano", história de horror urbano contada no único parágrafo de um relatório policial.
O conto que mais apreciei em Mundo fantasmo foi "E assim destruímos o Reino do Mal", no qual um guerreiro obcecado pela destruição do mal sobre a Terra acaba por tornar-se o próprio coração da maldade.
Tem muito mais, cada história é passagem para uma realidade diferente, repleta de sense of wonder que, no final das contas, é o que faz todos nós fãs da ficção fantástica.
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